O 9.º Congresso Treinadores de Língua Portuguesa, que decorreu este fim de semana, em Leiria, fechou com a temática “captação de crianças e jovens para o desporto: os desafios da sociedade do século XXI”. O painel foi constituído por Marta Martins, professora adjunta da Escola Superior de Rio Maior, vice-presidente da Confederação de Treinadores de Portugal e diretora da Federação Portuguesa de Natação, que ficou responsável pela moderação desta temática, e Carlos Neto, professor catedrático e investigador na Faculdade de Motricidade Humana.
Em detalhada apresentação, Carlos Neto afirmou que se deve entender “o brincar” das crianças desde o momento em que se nasce e que se deve ter toda uma outra perspetiva acerca da educação física e do desporto escolar. E, para isto, é necessária uma união. O professor fala de uma rede educativa integral.
“Devemos ver o desporto unido e não separado por setores. Numa perspetiva em que trabalhássemos numa rede educativa integral, sendo capazes de ultrapassar esta crise sistémica que estamos a viver, com um espirito de comunidade, isto é, aprendizagem em grupo, e também, obviamente, com uma governância participativa, ou seja, uma estratégia integrada. Não pode acontecer que a escola, clube, a família, a sociedade e a comunidade andem completamente separadas e não trabalhem juntas”, afirmou.
Carlos Neto abordou ainda os avanços tecnológicos e a crise ambiental que o mundo está a viver, dizendo que o desporto terá de se adaptar e exercer sobre essas mesmas situações. Para além disto, sugere a criação de um pacto entre escolas, famílias e a comunidade para que haja uma nova cultura desportiva.
“As crianças estão a ficar desertadas do desporto, cada vez mais. E há razões que explicam porque é que as crianças não estão a gostar de fazer desporto ou de ir para o desporto, o que tem algumas consequências”, destacou Carlos Neto.
Estas consequências de que fala são diversas, entre as quais o sedentarismo, tendo Portugal uma taxa de sedentarismo como nunca antes vista, a inatividade física das crianças, a aversão ao risco. Carlos Neto diz mesmo que “brincar hoje em dia não existe, está em vias de extinção”. Critica a sociedade de hoje em dia e todo o processo de crescimento das crianças, dizendo que já não se brinca como antes. E a atividade física presente nesse brincar é bastante importante para a formação do atleta.
“O atleta não se faz a partir dos 12 anos, não se faz em laboratório. Significa que temos de repensar todas estas questões que estamos a viver em termos de uma sociedade que nunca foi tão boa em termos de democracia. Nunca tivemos tão bons pais, tão boas famílias, tão boas escolas, tão bons professores (…) mas [as crianças] estão completamente amarradas. É um paradoxo”, reforçou.
Para além da pouca atividade física por parte das crianças hoje em dia, o professor e investigador, Carlos Neto, aborda a violência no desporto, que é uma temática bastante presente neste setor, nomeadamente em idades mais baixas e questiona de que forma é que a proteção das crianças é realizada.
“Há muita violência emocional na formação desportiva, há muito bullying na formação desportiva. Ninguém quer falar nisto, matéria tabu. O desporto tem imensas vantagens, mas é preciso também estar atento aos problemas que existem”, afirmou.
Por fim, Carlos Neto aborda as fases do desenvolvimento motor das crianças ao longo do tempo. Diz que uma percentagem muito elevada de crianças não passa a barreira da eficiência e muito poucos passam à barreira da eficácia, ou seja, conforma explica, “entrar neste estágio dos movimentos transitórios específicos e especializados”. Por este motivo, reforça ser necessário um esforço para a realização de programas para que se crie uma cultura motora básica e fundamental para uma formação desportiva.
“Há muitos anos que vejo crianças com capacidades. Parece que nascem, de facto, para serem crianças aptas. Mas é preciso que nesta formação de crianças e jovens nós possamos dar experiências para que elas tenham autorregulação, autodeterminação e uma disponibilidade motora”, disse.
O professor e investigador Carlos Neto, conclui o seu discurso com uma mensagem para o mundo desportivo, e não só.
“Nós temos de trabalhar juntos para conseguir fazer um desporto adequado em Portugal. Para isso vamos debater-nos com duas realidades: uma realidade virtual. No entanto, temos de nos preocupar com a natureza (…) o desporto vai ter que mudar muito nesta perspetiva”, concluiu.