Por António Vasconcelos Raposo* (Treinador olímpico de natação)
Face às elevadas exigências que o desporto contemporâneo de alto rendimento cria para todos os seus praticantes, a formação e preparação dos atletas deve ter como objetivo primordial, produzir condições para que seja atingida aquela fase da carreira com reservas de preparação funcional, neuromuscular, técnica e psicológica. São elas que permitem evoluir e alcançar os melhores rendimentos em condições de treino e competição.
Para cada modalidade desportiva, diversos estudo permitiram clarificar, de forma objetiva, a necessidade e justificação de, nos dias de hoje, serem definidas as carreiras desportivas dos atletas, pressupondo, uma progressão ao longo dos anos do rendimento na sua complexidade, evitando-se o abandono precoce dos jovens do desporto.
Durante anos, a organização das carreiras dos atletas, numa visão de longo prazo, baseava-se nos diversos escalões etários de cada modalidade centrados na idade cronológica o que na prática significava a não ponderação dos diferentes ritmos de crescimento e desenvolvimento dos atletas.
Focado na formação e preparação de crianças e jovens, o Plano de Desenvolvimento dos jovens atletas assenta num conjunto de pilares que, por sua vez, condiciona e determina um percurso que pode variar entre os 12 e os 15 anos. Esses pilares são:
• As idades favoráveis à obtenção dos mais elevados rendimentos desportivos;
• Os períodos críticos onde deverão ser aplicados determinados estímulos motores/treino;
• As idades mais favoráveis à treinabilidade das capacidades motoras e coordenativas;
• A progressão do rendimento desportivo ao longo da carreira do atleta;
• A capacidade de carga dos atletas ao longo da carreira desportiva.
A análise detalhada de cada um deles permitirá sistematizar a carreira desportiva segundo diferentes Etapas de formação e preparação, o que na prática moderna do treino são encaradas como a unidade do sistema de preparação desportiva.
Respeitando os níveis de maturidade dos atletas, procurando responder às leis e normas do treino e tendo presente a importância do progresso do rendimento, organizamos a carreira do atleta em sete etapas:
1. Etapa de formação de base
2. Etapa do treino de base
3. Etapa da especialização
4. Etapa do treino intensivo de alta especialização
5. Etapa do alto rendimento
6. Etapa de manutenção dos resultados
7. Etapa do destreino e abandono da competição de
alto rendimento
A etapa de formação de base
É a etapa onde tudo começa, pois quanto maior for a riqueza das experiências motoras das crianças melhor serão as possibilidades de formar um praticante desportivo.
A etapa do treino de base
É nesta etapa que o processo de treino dos jovens tem o seu início. Predomina o treino diversificado, negando-se totalmente qualquer tipo de especialização durante esta etapa o que hipotecaria o futuro desportivo dos jovens atletas. Cada modalidade desportiva é caracterizada por possuir uma idade específica para o início do processo de treino dos seus praticantes.
A etapa de especialização
Nesta etapa visamos desenvolver as condições necessárias à participação do atleta nas diversas competições, sendo a preparação direcionada de forma progressiva na sua especialização, ou seja, na posição que ocupará no terreno de jogo, na técnica de nado, numa especialidade no atletismo, na distância (tendência para velocidade, fundo ou meio-fundo).
Etapa do treino intensivo de alta especialização
Esta etapa corresponde a uma antecâmara do alto rendimento, o que implica uma inevitável progressão no volume da carga de treino com maior incidência na intensidade correspondendo a um grau de especificidade bem signifi cativa. Isto implica, do ponto de vista da sistematização dos conteúdos de treino, que se possui uma perfeita caracterização das componentes críticas da competição, componentes essas que vão determinar o que treinar, quando treinar e como treinar. São questões que bem respondidas permitirão preparar os praticantes desportivos nas diferentes variáveis delimitadas pela competição, ou sejam: as questões técnicas, táticas, da predominância de certas capacidades motoras e coordenativas, psicológicas e comportamentais tanto em treino como em competição. De notar que a relação entre a carga, a fadiga e a competição merecem um cuidado muitíssimo maior a partir desta etapa.
A etapa do alto rendimento
Trata-se da etapa a que todos os atletas almejam chegar para poderem participar nas mais importantes competições desportivas e nelas poderem lutar para alcançarem os melhores resultados a que se poderão associar também boas classifi cações.
Para que esta meta seja alcançada, é preciso que, durante os longos anos que antecederam esta etapa, todo o processo tenha sido orientado para que os atletas, uma vez chegados à idade adulta, possuam as reservas de adaptação que determinarão precisamente as possibilidades de melhoria nos respectivos rendimentos competitivos. É no modo como os atletas conseguem progredir nas participações competitivas que se pode avaliar a qualidade do trabalho desenvolvido ao longo dos anos pelos treinadores responsáveis pela formação e preparação.
A etapa de manutenção dos resultados
Poucos dos atletas que alcançaram a etapa do alto rendimento conseguem prolongar a sua vida desportiva por muitos anos. Acontece que, graças às condições de treino oferecidas na atualidade, surgem os que conseguem manter, por muitos anos, boas participações no quadro competitivo nacional e internacional.
Assim, esta etapa tem como objetivo manter, tanto quanto possível, o potencial funcional dos principais sistemas do organismo, através de volumes de treino idênticos, ou mesmo inferiores, aos da etapa anterior, o que permitirá aos praticantes conservar bons níveis de rendimento competitivo.
A etapa do destreino e abandono
Quando um atleta decide por termo à carreira no alto rendimento é fundamental, para a saúde futura do mesmo, que se proceda a uma programação de treinos que tenham como objetivo provocar no organismo um processo cuidadoso de desadaptações funcionais e neuromusculares, emocionais e psicológicas, preparando-se, também, o regresso do praticante a uma vida fora dos holofotes desportivos.
Conclusão
O programa de desenvolvimento do atleta a longo prazo constitui um documento determinante para a unidade da sua preparação ao longo das várias épocas desportivas.
ANTÓNIO VASCONCELOS RAPOSO, natural de Ponta Delgada, São Miguel, Açores, dedicou parte da sua carreira a treinar atletas de alto rendimento, com participação frequente nos Jogos Olímpicos. Treinador Superior de Natação formado pela DHfK de Leipzig, ex-RDA e Treinador de Mérito em natação pura desportiva atribuído pela Federação Portuguesa de Natação, licenciou-se em Educação Física e Desporto no ISEF de Lisboa, é Mestre em Ciências do Desporto, vertente do Alto Rendimento Desportivo pela FMH, formador de cursos de treinadores a nível nacional e internacional, e também autor de livros sobre a Metodologia do Treino, nomeadamente Planeamento do Treino: Fundamentos, Organização e Operacionalização (2017, Visão & Contextos).