O voleibol feminino em Portugal tem vindo a demonstrar resultados inéditos e a crescer. No entanto, ainda há passos importantes a dar e um longo caminho a percorrer até pensar em chegar ao topo. Esta reportagem foi originalmente publicada na edição n.º 3 da Revista SportMagazine.
Nenhum outro desporto em Portugal tem mais praticantes mulheres do que o voleibol. De acordo com dados deste ano divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE), a modalidade feminina soma na categoria sénior 29,3 mil praticantes – boa margem à frente do andebol (18,9 mil), da ginástica (18,6 mil) e do futebol (11,2 mil). Ao lado da ginástica é, por exemplo, um dos dois desportos do país em que há mais atletas no feminino (54,9%) do que no masculino (45,1%). A soberania das mulheres no voleibol, entretanto, restringem-se às estatísticas.
Afinal de contas, o segundo desporto mais praticado do país (atrás apenas do futebol), historicamente, assistiu quase sempre a um papel coadjuvante da sua vertente feminina. As mulheres jamais, por exemplo, estiveram no Campeonato Mundial ou nos Jogos Olímpicos – este também jamais habitado pelo voleibol masculino. Nas competições europeias, nunca esteve próximo de brilhar. As competições nacionais, inegavelmente, carregam o maior destaque para os homens, com mais investimentos e, consequentemente, maior qualidade e visibilidade.
Oficialmente, não existem informações acerca do número da profissionalização de atletas no voleibol nacional. Não é possível fazer um comparativo entre homens e mulheres. Entretanto, não é difícil encontrar nas pessoas que fazem o dia a dia da modalidade declarações que trazem um panorama do cenário. Atleta internacional desde as camadas jovens até sénior, a experiente Maria Marques, líbero do Vitória SC, conhece como poucos o voleibol nacional feminino e observa: “Diria que uns 5% do total das atletas nacionais são profissionais, mas tirando só as portuguesas, porque há muitas estrangeiras. Não é muito mais do que isso. E, se calhar, menos.”
A percepção é acompanhada, por exemplo, por Joana Resende, líbero do FC Porto e da Seleção Nacional. “Nós não somos todas profissionais do voleibol. Por exemplo, eu sou nutricionista, desempenho também funções na nutrição. Acabou, no entanto, por ser uma escolha minha eu ser profissional ou o voleibol ser a minha atividade principal. Isto foi uma opção minha como foi uma opção de muitas colegas”, explicou.
Após dez anos à frente da Seleção Nacional masculina, Hugo Silva passou no fim do ano passado a ser o novo selecionador da equipa nacional feminina. De acordo com o treinador, as jogadoras profissionais, no sentido daquelas que vivam apenas do desporto, são escassas mesmo na Seleção. “Diria que dentro daquilo que são as atletas de nível de Seleção Nacional penso que não passa de meia dúzia e mesmo esse número estou a esticar um bocadinho para cima”, garantiu.
Apesar de ainda não ser profissional de todo, por outro lado, alguns resultados têm apontado uma luz a caminho da evolução do voleibol feminino em Portugal. Após tantas tentativas, a Seleção Nacional de voleibol feminino conseguiu apurar-se para o Campeonato da Europa de 2019 – de onde não passou da fase inicial. No ano passado, teve boa prestação na European Silver League ao apurar-se para a final four da competição depois de vencer a Pool B de qualificação. Este ano, fez melhor. As portuguesas ficaram a um passo da Golden League ao chegarem à finalíssima da European Silver League, onde acabaram por perder com a Suécia.
Mais visibilidade, maior evolução
Com a recente boa evolução que o voleibol feminino tem vivido, Joana Resende, de 31 anos, afirma que, apesar de a visibilidade ser algo que “não dá para prever muito bem”, visto que “pode oscilar”, sente essa visibilidade e espera que melhore ainda mais.
“O facto de termos tido uma campanha quase maioritariamente com vitórias também começou a cativar a atenção do público. Depois, o facto de estarmos bem posicionadas nos dois lugares que davam acesso à final da competição. Acho que tudo ajudou para termos também essa visibilidade. Como nós queremos trabalhar cada vez melhor, ter melhores resultados e subir no panorama do voleibol internacional, também queremos que essa visibilidade e que a atenção das pessoas e o apoio que também nos têm dado, seja cada vez maior”, afirmou.
O presidente da Federação Portuguesa de Voleibol, Vicente Araújo, também diz que, até ao momento, tem existido uma maior visibilidade do lado do voleibol masculino, devido aos resultados e à maior transmissão de jogos. No entanto, hoje a situação encontra-se diferente.
“Nós tentamos cobrir com a nossa televisão, em stream no Youtube, que se chama Vólei TV, que transmite feminino, temos a colaboração da Abola TV que transmite o feminino, temos televisões dos clubes que transmitem masculino e feminino no caso do Sporting, do Benfica, do AJM FC Porto, e nós vamos cobrindo outros jogos e chegámos a ter fins de semana com quatro transmissões masculinas e femininas. Começa também o feminino a ter mais visibilidade. Julgo que essa visibilidade irá continuar a subir, não só porque o campeonato está cada vez mais competitivo, como também temos conseguido passar mais a imagem do feminino e mais do voleibol”, disse.
Para além daquilo que é a visibilidade, vem a igualdade dentro do desporto em si, nomeadamente a nível de projeção e até condições. Vicente Araújo confirma que existe igualdade entre o voleibol masculino e feminino, ou seja, a Federação Portuguesa de Voleibol não faz qualquer tipo de distinção entre ambos.
“Vamos apoiando de igual forma masculino e feminino. Naturalmente temos mais equipas de escalões jovens, de feminino que masculino, o que é normal dada à percentagem que temos do feminino [54,9%]. É uma tendência mundial, como disse. Em relação aos seniores, a seleção masculina está concentrada em Viana do Castelo e a seleção feminina está em Santo Tirso para a preparação para o Campeonato da Europa e há absoluta igualdade em termos de trabalho. Não fazemos qualquer distinção”, realçou.
Esta igualdade de que Vicente Araújo fala é, de facto, sentida pela líbero portuguesa, Joana Resende. A atleta diz que não sente qualquer diferença. Realça ainda que antes isso podia acontecer, mas que atualmente não sente que assim seja.
“Eu não gosto de me comparar, gosto de lutar pelas condições que eu considero que são as melhores para também conseguirmos desempenhar as nossas funções da melhor maneira e representar o país da melhor maneira. O que nos têm transmitido e o que tenho sentido é que, efetivamente, as condições têm sido muito equiparadas e, mesmo a ênfase que dão às nossas competições é o mesmo que dão à do masculino e não notei assim grandes diferenças a nível de tratamento, sou sincera. Eventualmente em anos anteriores havia uma diferença, porque eventualmente sei lá, subsídios, tempo de trabalho, condições de trabalho, agora não sinto que seja uma realidade”, afirmou Joana Resende.
Por outro lado, Maria Marques, que para além de ser atleta é também Treinadora Grau 3 de Voleibol, ainda sente uma certa diferença de tratamento entre o masculino e o feminino, nomeadamente “nos clubes chamados grandes do futebol”. Recorde-se que é a profissional apontada como a treinadora mulher a assumir uma equipa masculina na Primeira Divisão Nacional, caso que aconteceu na última temporada, com o sénior masculino do Desportivo da Póvoa.
“Essa diferença [entre homens e mulheres] ainda se nota um bocadinho. Principalmente, nos clubes chamados grandes do futebol. Os homens ganham bastante mais que as mulheres. Neste momento, se calhar, a distância está mais curta, mas ainda se nota um bocadinho e nota-se também na gestão dos horários de marcação dos jogos, da disponibilidade dos pavilhões, nos materiais que às vezes são disponibilizados para as atletas treinarem do que o que os atletas treinam. Não sei precisar percentagens, mas são muito menos homens a praticar voleibol e há uma dificuldade grande de captar atletas no masculino, portanto pode ser que se invista um bocadinho mais no feminino”, disse.
Maria Marques destaque que seria saudável que houvesse uma mentalidade mais aberta por parte dos clubes para começarem a contratar mulheres para desempenhar as funções de treinadoras. “Vai demorar. Acho que as federações, ou o próprio IPDJ [Instituto Português do Desporto e Juventude], podem incentivar mais os clubes a abrir as portas às mulheres. Às vezes é a mesma quebra da barreira da mentalidade que existe. Ainda há uma barreira psicológica que deve ser quebrada. No feminino, por exemplo, ainda somos todas treinadas por homens. Há mulheres com muita competência e elas têm que ter as portas abertas para se formarem, para estudarem, para poder entrar em treinos e ganhar confiança e assim começar a assumir mais as equipas”, realçou a treinadora-jogadora.
Apesar destas discrepâncias apresentadas por Maria Marques, o presidente da Federação Portuguesa de Voleibol afirma que “num futuro próximo, o feminino terá tanta visibilidade quanto o masculino, isto se não o ultrapassar”. Vicente Araújo diz que o voleibol masculino “já chegou ao topo” e que “o feminino está a caminho”.
Confira também a entrevista com o selecionador nacional Hugo Silva.
Hugo Silva: “Precisamos de um centro de estágio para trabalhar noutras condições”