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Hugo Silva: “Precisamos de um centro de estágio para trabalhar noutras condições” 

Hugo Silva, selecionador nacional de voleibol feminino, é um dos convidados para o evento na ESE. Foto: Federação Portuguesa de Voleibol

O voleibol feminino em Portugal tem vindo a demonstrar resultados inéditos e a crescer. No entanto, ainda há passos importantes a dar e um longo caminho a percorrer até pensar em chegar ao topo. Abaixo reproduzimos a entrevista com o selecionador nacional Hugo Silva, conversa esta que foi parte de uma reportagem maior sobre o desenvolvimento do voleibol feminino em Portugal, originalmente publicada na edição n.º 3 da Revista SportMagazine.

SportMagazine (SM) – O voleibol tem a particularidade de ser um dos desportos em Portugal em que há mais praticantes mulheres do que homens. Neste sentido, ter quantidade significa ter também maior qualidade ou ainda há um longo caminho para desenvolver a modalidade feminina no país?

Hugo Silva (HS) – Ter quantidade é um bom princípio para conseguirmos tirar a qualidade que tanto queremos no voleibol feminino. Sem dúvida que é o melhor começo. Era pior se tivéssemos menos participantes que o masculino, aí a luta seria bem mais difícil para conseguir a tal qualidade. Temos uma base de recrutamento grande, poderá não ser neste momento a melhor base dentro daquilo que é o panorama do voleibol europeu e mundial, mas é a nossa base e um bom princípio. Sem dúvida que a qualidade ideal se aproxima se tivermos muita gente a praticar o voleibol.

SM – Em que posição coloca o voleibol português feminino em relação a outros países europeus e o que é que é preciso fazer hoje para proporcionar as condições ideais para o desenvolvimento da modalidade feminina aqui em Portugal?

HS – Como sabem, estive muitos anos no voleibol masculino, por cerca de 20 anos, quase dez anos como o treinador principal [outros dez como adjunto], e a diferença hoje é grande. Está a se dissipar um pouco entre o masculino e o feminino, já foi maior. O masculino atingiu um patamar e está entre as 14 melhores equipas da Europa, pode evoluir e chegar às dez melhores da Europa e talvez as 20 melhores do mundo. O feminino está um pouco diferente. O caminho é um bocadinho ainda mais longo. Mas acho que é possível ir atrás daquilo que foi feito no masculino, mas vai demorar um pouquinho de tempo. Aquilo que eu acho que é importante para conseguirmos dar esse salto é primeiro de tudo os clubes apostarem mais no feminino. Chegarem aos níveis daquilo que o voleibol masculino tem hoje em termos daquilo que é a massa salarial, as condições das atletas… Eu penso que há uma coisa que o feminino tem uma vantagem: é que tem os três grandes [Benfica, FC Porto e Sporting] no principal campeonato e isso chama muita gente. Tenha certeza de que se deu um salto tão grande nos últimos anos é por causa disso, porque os três grandes estão a lutar e a tentar fazer grandes equipas para lutar pelos títulos nacionais. E isso, comparado com o masculino, é uma grande vantagem. Mas é preciso ainda investir mais, dar mais condições às atletas, é preciso que essas atletas invistam na carreira de profissional do voleibol tal como o masculino já o fez há alguns anos. Estamos a precisar desse salto. Aquilo que o masculino passou já, coisa de 15, 20 anos atrás, que é a profissionalização, é preciso que o feminino, se quiser, obviamente, e eu acredito que todos querem, que essa profissionalização aconteça. Mas para isso é preciso do tal investimento de todos os clubes.

SM – Justamente sobre a profissionalização, é muito comum a queixa das atletas sobre a falta de oportunidade para ser uma atleta profissional. Sabemos que existem atletas que têm outros trabalhos para além do voleibol. Será possível, um dia, a total profissionalização do voleibol feminino? E o quão difícil é para um treinador lidar com uma atleta que divide o foco dos treinos e competições com outro trabalho?

HS – Poucas são as atletas que são profissionais aqui em Portugal. Tirando as estrangeiras que vem para cá com o intuito de ser profissionais, as portuguesas são muito poucas. Diria que dentro daquilo que são as atletas de nível de Seleção Nacional penso que não passa de meia dúzia e mesmo esse número estou a esticar um bocadinho para cima. Portanto, para o selecionador nacional, ou mesmo para o treinador de um clube que luta pelo título, procurar fazer uma equipa e ter nesta mesma equipa bastantes atletas portuguesas profissionais é difícil, porque não há. Em função daquilo que é a minha tarefa enquanto selecionador, isso acaba por dificultar bastante porque se as atletas não têm esse hábito profissional durante o ano, chegar aqui e levar uma carga de treinos com um volume com o qual não estão habituadas vai ser um choque muito grande. Vai ser difícil para nós. Digamos que temos que partir muita pedra a cada início de trabalho em Seleção Nacional e o tempo não é muito, tendo que trabalhar imenso a tentar formatar aquilo que elas não fizeram nos meses de clube. É uma tarefa muito complicada para nós. Obviamente, seria muito mais fácil se essas atletas fossem em maior número profissionais, se não tivéssemos por exemplo de recrutar as tais 15 atletas que normalmente chamamos à Seleção, se pelo menos dez delas fossem profissionais seria muito mais fácil para nós.

SM – O Hugo Silva falou na profissionalização por parte dos clubes, mas o que a Federação pode fazer para contribuir com essa mudança?

HS – Fazer aquilo que é o papel das federações: promover ao máximo os campeonatos, fazer com que as competições sejam as mais competitivas possíveis, com boas condições aos clubes no sentido de poder divulgar os seus sponsors. Hoje os jogos são quase todos televisionados. É verdade que a nível do masculino, por estar num patamar que o feminino ainda não está, os jogos passam na Sporttv e dá uma projeção um pouquinho maior. Mas os jogos do feminino já passam no Vólei TV e na Abola TV. São dois canais que começam a ser vistos e que é um bom princípio. Assim, os clubes podem vender a sua marca, os seus patrocínios, podem se calhar vender e dizer que há uma cobertura X, os jogos passam nessas televisões, os próprios sites e meios de comunicação da Federação são um meio para divulgar o campeonato. E depois, aquilo que aconteceu no masculino: a fórmula mais fácil e mais enriquecedora de promover o voleibol é fazer boas campanhas internacionais. Se os atletas há 20 anos no masculino deram um salto para a profissionalização foi porque fizeram grandes campanhas. Fizeram aquilo que foi talvez o maior feito do voleibol nacional, que foi o oitavo lugar no Mundial de 2002, na Argentina. Esse Mundial projetou muito aquilo que foi o voleibol masculino. E depois aí outras situações foram acontecendo, as ligas mundiais, as qualificações nas últimas para o Campeonato da Europa, fizemos uma boa fase final chegando aos oitavos de final e isso promove mais e faz do voleibol mais enriquecedor.

Foto: FPV

SM – O voleibol é o segundo desporto em número de praticantes no país. Ou seja, pode-se dizer que há interesse público nesta prática. Neste sentido, qual o papel dos escalões de formação na melhoria do voleibol português?

HS – Hoje, eu diria que tem sido trabalhado da forma possível e temos seleções a trabalhar durante o ano. Obviamente, por vezes, não é agradável para o clube retirar aqueles que são os seus melhores jogadores e pô-los a trabalhar de segunda à quinta-feira que são os moldes em que trabalhamos nas seleções nacionais. Eles voltam às sextas-feiras aos clubes e jogam no fim de semana. De forma geral, é esse o esquema das nossas seleções. Temos normalmente, duas, três seleções de formação neste esquema. Portanto, é o possível. Agora, se me perguntar se é o ideal: não. Neste momento precisamos de um centro de estágio em que possamos ter essas seleções a trabalhar noutras condições e não estarmos a trabalhar por exemplo em escolas, onde estamos a trabalhar e a pedir que nos cedam o pavilhão ao fim do dia para trabalhar nem sempre nas melhores condições, nem sempre nos horários que achamos que seriam os ideais. Um centro de estágio hoje seria o ideal. Uma casa para as seleções assume-se como decisivo porque as grandes seleções do mundo não só têm uma. A França, por exemplo, tem casas de seleções regionais. Cada associação tem um centro de estágio onde podem trabalhar dentro do horário que quiserem, nas condições que desejarem. Quer para o atleta, para o treinador, quer para a modalidade, é fundamental para darmos o salto e atingirmos aquilo que é nível ideal.

SM – E isso vale para todos os escalões, seja para o masculino ou feminino, certo?

HS – Exatamente. Isso vale para todos. Já existe no vólei de praia. Há um centro de estágio em Cortegaça. Conseguimos. Temos lá as duplas que estão a começar a criar o bichinho do vólei de praia e a ter atletas também durante o ano a trabalhar nesta modalidade. Temos uma dupla masculina e uma feminina nesses moldes. Alugámos o pavilhão, que é nosso, foi colocado areia lá dentro. No exterior montámos cerca de quatro ou cinco campos onde há mais espaço para poderem desenvolver a modalidade. E é neste caminho que queremos seguir. Não pode neste momento haver desculpas de não ter condições para chegar ao alto nível. E nós neste momento batemos com isso, não temos as condições ideais.

SM – Ainda na ocasião da final com a Suécia na Silver League, o Hugo Silva mencionou que o jogo poderia significar um sinal de mudança para o voleibol feminino português. A derrota esfria esse significado ou os sinais foram mantidos apesar da não promoção?

HD – Foram mantidos, claramente. Foi um resultado histórico. Poucas foram as pessoas, tirando nós que estamos aqui no dia a dia e fomos sentindo, que acreditavam que podíamos chegar à final, finalíssima a dois. E ainda por cima depois de termos feito dois grandes jogos com a Suécia, na qual ganhámos um e perdemos o outro. Foi uma campanha fantástica com esse jogo aqui em Santo Tirso e deixámos uma imagem fantástica. Eu penso que todo o caminho leva à Seleção àquilo que é importante: o acreditar. Mesmo não estando nas tais condições ideais, falando dessas coisas que já falámos, nós conseguimos e temos condições de conseguir grandes feitos tal como aquela final em que chegámos.

SM – Após dez anos à frente da Seleção masculina, está a chegar ao seu primeiro ano à frente da Seleção feminina. Qual tem sido o maior desafio e qual o seu balanço desse seu primeiro ano à frente da equipa nacional?

HS – Os meus primeiros passos como treinador foi no feminino, há coisa de 30 anos, com um clube da minha terra, que era o Gueifães. Comecei com o feminino, já na altura havia mais mulheres neste clube do que homens, e fiquei muito agradado de trabalhar com as meninas. Depois, passei para a Seleção como adjunto, passei pelo Espinho, passando pelo Sporting, e foram muitos anos no masculino. Voltando ao feminino, e agora, sim, dá para fazer a comparação: confesso que tem sido uma surpresa muito positiva trabalhar com as mulheres. A capacidade de resiliência e sofrimento, a capacidade de trabalho destas mulheres é uma coisa que me comove às vezes. É verdade que sempre tive um enorme prazer em trabalhar com o masculino e sempre tive excelentes experiências, mas estava na dúvida se ia conseguir, estava com receio, fazer aquilo que acredito que é o processo de treino, que acredito que é preciso dar para fazer chegar às atletas ao alto nível. A verdade é que elas, quanto mais levam porrada, mais querem. É um pouco isto. Dá-me um imenso gozo, um imenso prazer trabalhar com elas. E para um treinador que quer ter resultados ambiciosos conseguir encarar o dia a dia desta maneira é excitante, entusiasmante. Ainda bem que fiz essa troca, ainda bem que me convidaram para este desafio e tem sido muito motivador.

*Hugo Armando Teixeira da Silva, natural de Vila Nova de Gaia, tem 48 anos e é licenciado em Educação Física na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), onde também tirou o curso de Especialização em Voleibol. É professor na Universidade da Maia e no Instituto Politécnico da Maia, onde ministra a disciplina de Voleibol. Começou aos 18 anos como treinador. Foi selecionador nacional da equipa masculina sénior por dez anos e desde o ano passado assumiu a Seleção Nacional feminina. Nos clubes, soma passagens por Gueifães, Espinho e Sporting.

Hugo Silva, selecionador nacional de voleibol feminino. Foto: FPV

O voleibol feminino em Portugal: análises, desenvolvimento e desafios

1 Comentário

1 Comentário

  1. Joaquim Pacheco

    Dezembro 30, 2022 at 9:40 pm

    Desde a primeira hora que estive na direção da FPV, defendi a necessidade dum centro de estágio com campos de treino e condições hoteleiras para a evolução do nosso Voleibol sem necessidade de prestar vassalagem a quem quer que seja.
    Tenho a esperança que esse propósito irá ser atingido.
    Abraço e … força.
    Joaquim Pacheco.

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