A Presidente do Comité Olímpico de Cabo Verde tem ligações muito fortes com Portugal, onde fez uma parte relevante da sua carreira académica. Em entrevista à SportMagazine, Filomena Fortes elogia a participação olímpica de Cabo Verde em Tóquio e admite que o seu país ainda tem caminho para fazer na formação de treinadores.
SportMagazine (SM) – Foi futebolista, praticou andebol e foi treinadora, fez os seus estudos académicos e depois passou a envolver-se de forma muito ativa na organização do desporto, quer federativo, quer olímpico, sendo desde 2014 presidente do Comité Olímpico de Cabo Verde. Quer falar-nos um pouco da sua vida desportiva nestes dois planos, praticante e dirigente?
Filomena Fortes (FF) – Comecei na escola preparatória Alda Lara, em Luanda, e a cada intervalo queria sempre jogar andebol ou mesmo futebol, no recreio, com os rapazes. No Ensino Secundário, ainda em Luanda, participei várias vezes nos Jogos Escolares, representando o Liceu N´zinga Mbamdi em todas as competições. Posteriormente, como federada, no escalão de sénior pela equipa do 1º Agosto e, mais tarde, pela equipa do Ferrovia de Luanda até à minha vinda para Cabo Verde em 1983.Ainda representei a equipa feminina da OMA (Organização das Mulheres Angolanas) em Futsal e Futebol de onze. Em Cabo Verde, como havia um ex-jogador do 1º de Agosto que viria viver para Cabo Verde e me conhecia, informou na zona onde eu morava que tinha uma equipa de andebol, que me contactassem para que eu pudesse jogar. Então comecei a jogar na equipa do prédio e posteriormente foi treinadora Defendia as cores das equipes do Prédio e Seven Stars.
Com a minha ida para Cuba para realizar os meus estudos, representei a Faculdade em vários torneios de andebol. No meu regresso, em 1991, fui para a ilha de S. Vicente onde continuei a jogar e a treinar andebol e Futebol. Retornando à Ilha de Santiago em 1996 fui convidada para ser presidente da Federação de Andebol, onde exerci até 2014. Desde esta altura estou na presidência do Comité Olímpico de Cabo Verde e penso candidatar-me a um terceiro mandato nas próximas eleições.
SM – Que balanço faz da participação olímpica de Cabo Verde em Tóquio?
FF – O balanço é positivo porque todos os 6 atletas – a mais numerosa participação de sempre – que representaram Cabo Verde, atingiram o objetivo proposto que era superarem as suas marcas pessoais.
SM – Tirou a sua licenciatura em Cuba, mas também estudou em Portugal, em Coimbra, no Porto e em Lisboa, onde fez pós-graduação, mestrado e doutoramento. Tem uma ligação especial com Portugal?
FF – A minha ligação com Portugal é principalmente familiar e também de muitos bons amigos, para além de falarmos a mesma língua, o que facilita todo o processo de adaptação.
O Comité Olímpico Cabo-Verdiano (COC) foi fundado em 1989 com o objetivo de assegurar a participação de Cabo Verde nos Jogos Olímpicos e promover o Olimpismo sob a tutela do Comité Olímpico Internacional. Quatro anos mais tarde, o COC obteve o reconhecimento do Comité Olímpico Internacional. Antero Barros, o primeiro Presidente honorário da organização, liderou-a durante por 13 anos. Em 2006, Franklin Palma, jornalista e ex-Secretário-geral do COC, assumiu a presidência, e em 2014 o cargo passou a ser desempenhado pela atual presidente, Filomena Fortes.
SM – Há projetos ativos de cooperação entre Cabo Verde e Portugal no âmbito desportivo? Pode descrevê-los?
FF – Em relação ao Comité Olímpico de Cabo Verde (COC), neste momento temos algumas parcerias pontuais em projetos com algumas instituições. Existem projetos do Instituo Português da Juventude (IPDJ) com o seu congénere de Cabo Verde, mas não poderei precisar em que áreas específicas.
SM – Cabo Verde tem também projetos de cooperação relevantes com os restantes países da área lusófona?
FF – Estamos a começar um trabalho de cooperação com os países lusófonos através da ACOLOP (Associação de Comités Olímpicos de Língua Oficial Portuguesa). Começámos com a realização do 1º Congresso da Lusofonia, em Cabo Verde, no passado mês de Setembro, estabelecendo metas e diretrizes a serem implementadas no decorrer ainda deste ano, as quais serão avaliadas no 2º Congresso marcado para o próximo ano em S. Tomé e Príncipe.
SM – Foi futebolista e andebolista e também treinadora de andebol durante mais de 10 anos. Do que conhece, como está a atividade e a formação de treinadores em Cabo Verde? Falo de treinadores de todos os escalões, incluindo a formação de crianças e jovens?
FF – O que acontece em Cabo Verde é que cada federação tem feito algumas formações específicas da própria modalidade e a diferentes níveis de treinadores. No entanto, não existe uma carreira de treinadores devidamente legislada. O COC tem ajudado na formação de treinadores através dos programas da Solidariedade Olímpica.
SM – Como se tem desenvolvido o desporto escolar em Cabo Verde?
FF – Neste momento posso dizer que está estagnado. Há anos atrás era patente um tímido desenvolvimento, uma vez que existia uma coordenação da EF e Desporto Escolar que fazia de tudo para que o desporto escolar estivesse presente, acontecendo durante muitos anos os Jogos escolares que, após um interregno de 10 anos, voltaram à ribalta, e que agora tornaram a decrescer. O que se nota são atividades esporádicas realizadas localmente, nas escolas e mesmo em algumas ilhas.
SM – O desporto em geral tem sido uma área prioritária de investimento público?
FF – Posso dizer que não, ainda mais depois da crise pandémica, pois existem outras prioridades. Está-se a tentar que o desporto possa ter mais apoios e fazer com que o mesmo esteja devidamente legislado em diversas áreas específicas. A aposta começou com a recente criação do Instituto do Desporto e da Juventude.
*FILOMENA FORTES SPENCER, Presidente do Comité Olímpico de Cabo Verde desde 2014, licenciou-se em Educação Física no Instituto Superior Manuel Fajardo, em Cuba. Com uma pós-graduação em Educação de Jovens, em Coimbra, Mestrado em Ciências do Desporto pela Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade do Porto, e Mestrado Executivo em Organizações Esportivas (MEMOS), doutorou-se em Ciências da Educação na Universidade Nova de Lisboa.
Professora coordenadora dos cursos de Desporto e Educação Física na Universidade de Cabo Verde (UNICV), entre 1996 e 2012, coordenou posteriormente o curso de Educação Física e Desportos na Universidade Pública de Cabo Verde (2012-2014). Praticante de futebol e andebol, foi treinadora nesta última modalidade entre 1979 e 1981 e é Membro da Comissão de Desenvolvimento e Propaganda da Confederação Africana de Andebol (CAHB).
Entre 2014 e 2017 dirigiu a Federação de Andebol de Cabo Verde. Membro fundador do Comité Paralímpico cabo-verdiano, Filomena Fortes é também vice-presidente da Associação de Comités Olímpicos de Língua Oficial Portuguesa (ACOLOP) e membro do Comité Olímpico Internacional (COI), tendo participação activa em várias comissões no âmbito do movimento olímpico.