A leveza dos movimentos, a sincronia, o fôlego, a concentração, a coreografia em perfeita sintonia. Na competição, nada pode falhar. Quem assiste a uma apresentação da natação artística, na maioria das vezes não tem ideia do esforço na preparação para que a dança sobre e imerso às águas saia conforme pede uma prova de alto nível. Uma das convidadas no 45.º Congresso da APTN, que decorreu no passado fim de semana, no Instituto Politécnico de Leiria, a nadadora artística Cheila Vieira reservou alguns minutos para uma conversa com a SportMagazine para falar, por exemplo, sobre os treinos – que insere até mesmo uma rotina de ballet diário.
Recorde-se que Cheila, que faz dupla com Beatriz Gonçalves, conquistou, no passado dia 13 de agosto, o nono lugar na final de natação artística, nos Europeus de Roma. Para além do inédito lugar na final, as atletas atingiram ainda a melhor marca de sempre na disciplina para Portugal, com um total de 81.2000 pontos. De recordar que as atletas, que na seleção treinam com a espanhola Sylvia Hernandez, detinham como melhor resultado o 16º lugar (79.333 pontos) no Mundial de Budapeste, em junho deste ano, na prova de dueto livre.
Em plena evolução, e a inspirar novas gerações, Cheila Vieira convesou sobre o desenvolvimento da disciplina em Portugal, as boas prestações recentes, a nova coreografia a ser lançada e os próximos planos na carreira.
SportMagazine (SM) – O que significou para a natação artística essa final no Europeu, com mais holofotes para a disciplina, e algum reconhecimento. Pensa que isso pode ajudar no desenvolvimento da modalidade?
Cheila Vieira (CV) – Em termos pessoais foi mesmo uma grande conquista porque era algo que já estávamos à procura. Não diria uma final, que queremos sempre, mas a barreira dos 80 pontos era mesmo o nosso objetivo mais claro da época e já o conseguimos. Agora é o manter ou melhorar. Óbvio que melhorar é sempre melhor. Em termos nacionais, os holofotes foram bastante importantes para dar mais reconhecimento à modalidade. Temos imensas pessoas. Pessoas mesmo dentro da modalidade, ou fora, que nos diziam “ok, não conhecia nem esta modalidade, mas obrigada pelo trabalho que estão a desenvolver” porque agora já se começam a ouvir mais de natação artística.
SM – E o significado em termos competitivos para a dupla, o que muda a partir desta final europeia?
CV – Na natação artística, este ano, houve uma alteração do regulamento para ele ser mais matemático. Até agora era muito subjetivo, a opinião dos juízes se gostam ou não da coreografia, mesmo havendo já aqueles patamares definidos. Estão a tentar agora tornar isso mais matemático. Mas até agora é à base da popularidade do país. Ou seja, nós até podíamos ser bastante boas, mas como ainda estamos no início da nossa carreira internacional, não nos davam aquele lugar. Conquistar uma final europeia chama a atenção para nós e pensam “ok, elas realmente têm qualidade…”, por isso é realmente bastante importante.

Cheila Vieira e Beatriz Gonçalves, o dueto absoluto de natação artística portuguesa. Foto: Federação Portuguesa de Natação
SM – Portugal jamais esteve nos Jogos Olímpicos na natação artística. Os recentes bons resultados motivam ou pressionam a dupla ainda mais por esse sonho?
CV – Ao mesmo tempo é um bocadinho mais pressão, porque pensamos “ok, atingimos a final europeia”. Passamos dos 80 pontos, um nono lugar, o que é ótimo e é tentar não baixar. Sabemos que é possível acontecer porque tal como melhoramos os outros também melhoram. O objetivo é sempre tentar estar por cima. Vamos tomando as coisas com calma porque nós temos esse objetivo bem definido da primeira vaga olímpica.
SM – Para isso, a rotina de treinos na água não é leve, pois não?
CV – Não só o trabalho que fazemos dentro da água, mas também o trabalho muscular, o trabalho de coreografia e também o trabalho mental. Nós olhamos imenso para as coreografias das outras, analisamos muito o seu desenvolvimento, as pontuações ao longo dos anos, ou seja, também fazemos esse trabalho de estratégia por fora. E mesmo a nossa treinadora, a Sylvia, ela vê quais são as melhores competições que temos que participar. “Ok, se participarmos nessa, participamos mais nesta e conseguimos esse ranking etc…”. Então, há essa lógica por trás. Mas lá está, o trabalho base é conseguir, com a ajuda do Jamor, a fazemos bastantes treinos de natação. É como se fossemos atletas de natação pura, treinamos para ganhar a resistência, depois, com a Sylvia, a coreografia. Agora há pouco tivemos com a Olga [Pylypchuk, coreógrafa ucraniana]. Além disso ainda há o ginásio e ballet.
SM – Mas o ballet comum?
CV – Sim, ballet como se fossemos bailarinas. Ajuda imenso na postura, na flexibilidade, sensação do corpo, que dá depois para transferir para a água.
SM – E quais outros elementos mais são treinados para se apresentarem com tamanha perfeição?
CV – Nós fazemos muito visualização das sensações do corpo, ou mesmo só mentalmente, fechar os olhos e imaginar a coreografia de duas maneiras. Imaginar que somos mesmo nós que estamos a fazer, ou seja, o que nós vemos na piscina. “Ok, agora estamos a olhar para as bancadas, agora estamos a ver os juízes”; ou mesmo ver-nos como se fossemos um espectador. Ver-nos a nós dentro da água. Fazemos muito esse trabalho de visualização, marcar a coreografia fora da água para termos os tempos bem trabalhados. Treinamos muito com vídeo. Durante o treino filmamos as coreografias que fazemos e depois quando vamos para casa temos que ver os vídeos e anotar os erros que fizemos. No dia a seguir trabalhamos sobre esses erros e o suposto é não os repetir.
SM – E quantas horas de dedicação isso requer por semana?
CV – Bastantes (risos). O máximo que vamos é até seis horas dentro da água. Tudo seguido. Quando estamos na fase de preparação da coreografia demora mais tempo, mas diria que em média quatro horas dentro da água, uma hora de ballet, duas de ginásio, fora os alongamentos, flexibilidade e esse trabalho de vídeo que também tira algumas horas.
SM – Sobre o nível de Portugal na natação artística, em que posição coloca o país atualmente em relação aos demais europeus?
CV – Na Europa é onde está a maior parte dos países fortes. Ou seja, o top mundial: Itália, Ucrânia, França… São países bastante bons. Já estivemos mais longe, agora estamos melhor. No Europeu ficamos atrás da Alemanha que é o nosso próximo objetivo. E passar a Alemanha é mesmo já estar no top.
SM – E quais os próximos objetivos da dupla?
CV- Agora, a nossa competição grande são os jogos Europeus. Se calhar tentar outra vez uma final. Também vamos mostrar a nossa coreografia nova, vamos um bocadinho às cegas, não sabemos como as pessoas vão reagir. Estamos bastante confiantes, a nossa coreógrafa disse que fez uma coreografia para final olímpica. Confiamos imenso no trabalho dela, foi ela que fez a nossa coreografia antiga. Penso que talvez conseguir outra final no Europeu por exemplo e no Mundial mesmo chegar à melhor classificação de sempre. No passado Mundial ficámos em 16.º, só que não havia algumas potências, por exemplo a França. Talvez não baixar tanto e continuar ainda na primeira metade da tabela.

Foto: FPN