Entre a força e a técnica, Catarina Costa guarda consigo uma mais-valia singular: a inteligência. Concentrada e focada em alcançar os objetivos que tem em mente e a superar os obstáculos no caminho, a judoca natural de Coimbra vem nos últimos anos se firmando como a principal sucessora de Telma Monteiro no judo nacional feminino. A apresentar desempenhos cada vez mais sólidos nas competições internacionais, aliados a bons resultados, a atleta de 25 anos está a consolidar-se como um novo símbolo da evolução do judo nacional.
Em plena ascensão na carreira, Catarina Costa, 12.ª do ranking mundial, fala-nos sobre a rotina intensa de treinos, a conciliação com os estudos na de medicina, a evolução do judo nacional, as referências no tatami e, evidentemente, nos planos para conquistar os primeiros pódios no Europeu, em abril, no Campeonato do Mundo, em outubro, e no Masters, em dezembro. Objetivos a curto prazo refletidos em metas para os Jogos Olímpicos de Paris 2024.
Medalha de ouro no Grande Prémio de Portugal (categoria -48 kg) disputado a 28 de janeiro e 5.º classificada em Tóquio 2020, a judoca da Associação Académica de Coimbra, treinada por João Neto, concedeu uma longa entrevista à SportMagazine.
SportMagazine (SM) – O que todos veem na Catarina dentro do tatami seguramente corresponde a muito empenho e abdicação também fora dele. Pode falar um pouco como é a rotina de treinos de uma judoca de elite?
Catarina Costa (CC) – A rotina de treinos de uma judoca de elite resume-se a cerca de 16 a 20 horas de treino semanal, variando consoante à altura da época e a preparação específica para as competições. De um modo geral, faço treinos bidiários, quatro a cinco dias por semana onde, na parte da manhã, são dois treinos de musculação, durante duas horas, e dois a três treinos técnicos de judo, com uma hora e meia de duração. Ao fim do dia, temos o treino principal de judo, cinco vezes por semana, com situações técnico-táticas e randori com a duração de duas horas.
Atualmente, temos ainda estágio da Seleção Nacional todos os fins de semana, podendo ir de dois a quatro treinos de judo de duas horas cada um. Quando somos dispensados, costumo aproveitar as 48 horas de descanso para recuperar da carga semanal intensa.
SM – Já agora, nesta altura, é público que há uma conciliação do judo com os estudos na faculdade de medicina. Sobre este ponto, para além dos desafios do curso, existe mais apoio ou desestímulo para que mantenhas uma carreira dual (estudos + desporto)? E o que motiva a Catarina a seguir os estudos mesmo sendo uma atleta de sucesso?
CC – Como descrevi anteriormente, a minha semana de treinos é bastante intensa e preenchida e acaba por ser um grande desafio conseguir ir às aulas e conciliar tudo. Contudo, por estudar na Universidade de Coimbra (UC) tenho a facilidade de não perder muito tempo em deslocações, ter excelentes infraestruturas no estádio universitário para treinar e graças ao Gabinete de Desporto da UC (GDUC) temos algumas facilidades enquanto atleta-estudante.
Também já beneficiei de algumas bolsas de estudo, tanto do GDUC como do Comité Olímpico [de Portugal], e isso é um ótimo estímulo para mantermos a carreira dual. Tenho que referir o apoio constante da minha família, amigos, clube e colegas de curso que ao longo destes anos têm sido uma peça fundamental no meu sucesso desportivo e académico.
Claro que há sempre alguns obstáculos e muitas coisas que tenho que abdicar para conseguir manter esta carreira dual, faço-o, sobretudo, pela paixão que tenho tanto pelo judo como pela medicina. É isso que mais me motiva.
SM – Portugal tem sido um país a apresentar grande evolução no judo nos últimos anos, com atletas de destaque mundial como o Jorge Fonseca e a Telma Monteiro. Em que posição coloca o judo português em relação a outros países e o que acha que podemos melhorar ainda?
CC – Os nossos judocas nacionais são, realmente, incríveis e todo o sacrifício, trabalho árduo e dedicação à modalidade, num país como Portugal, comprovam-no. Temos atletas de muito bom nível no panorama internacional, muitos são dos melhores do mundo, mas a nossa realidade não se compara à dos outros países.
Apesar de termos vários atletas profissionais, as condições de treino/infraestruturas são longe de serem as ideais e temos muito a melhorar no que toca ao investimento no desporto em Portugal.
SM – Este ano começou muito bem para si com o ouro no GP Portugal. Passadas algumas semanas, agora já com a cabeça mais fresca, que balanço faz da competição?
CC – Foi uma ótima competição para começar o ano e me dar mais motivação para o que se segue. Sei que a minha categoria não estava com um nível muito elevado, mas tendo em conta as lacunas na minha preparação [por ser o início de época, estar em época de exames e ter tido Covid-19], a parte física encontrava-se longe do meu melhor, mas a parte mental estava preparada a 100% e isso fez a diferença. Mesmo não estando no meu melhor pude apresentar uma boa versão de mim naquele dia, muito focada e com garra.
Outro aspeto muito positivo foi poder competir em casa, já tinha saudades do entusiasmo do público português!
SM – É notória a evolução da Catarina nos últimos anos. Qual é o papel do teu treinador, o João Neto, no teu desenvolvimento como atleta?
CC – A minha relação com o João Neto é muito mais do que atleta-treinador, temos uma forte amizade e somos como família. Já nos conhecemos há mais de dez anos e o seu contributo para o meu desenvolvimento enquanto atleta, mas também pessoa, é notório. O João é um treinador extremamente dedicado, muito ambicioso e procura sempre a excelência. Faz os meus planeamentos e preparações de forma muito detalhada e trabalhamos cada pormenor. Procuramos evoluir em conjunto, mas ainda sou eu que aprendo mais com ele.
Lançou-me na alta competição aos 14 anos e sinto-me uma privilegiada por termos tantos momentos felizes no judo e por termos alcançado em conjunto o grande sonho dos Jogos Olímpicos.
SM – Para um grande atleta se desenvolver há de haver, para além do treinador, uma série de elementos que devem convergir: a estrutura do teu clube, a Académica, o apoio da família e a abdicação e o empenho do próprio judoca. Algum destes pontos foi mais importante do que outro ou acredita que o conjunto de tudo isso é o fundamental?
CC – Acredito que a sinergia de todos os pontos é superior à soma de cada um isolado.
A minha família sempre teve uma papel muito importante, é a minha maior força e graças à educação que me deu sou uma pessoa persistente e trabalhadora.
A Académica, o meu clube de sonho desde pequena, recebeu-me de braços abertos e apoiou-me nos mais diversos desafios, são a minha segunda família e sei que posso contar com eles para tudo.
SM – Este ano há ainda em destaque o Europeu, em abril, o Campeonato do Mundo, em outubro, e o Masters, em dezembro. Teus objetivos nesta temporada passa por somar mais medalhas nessas competições?
CC – Sim, este ano os grandes objetivos passam por alcançar a medalha nestas grandes competições. Já estive na disputa delas em anos anteriores, acabando na 5ª posição. Acredito que com a minha experiência e evolução este seja o ano em que consiga concretizar e chegar ao pódio. Vamos apontar o meu pico de forma para essas provas e, claro, começar a pontuar noutras para ficar bem posicionada no ranking olímpico.
SM – A longo prazo, então, a Catarina já pensa em Paris 2024?
CC – Lá no fundo é sempre algo que tenho em mente, mas o que mais penso é aproveitar cada etapa do apuramento e da preparação para Paris 2024. Há muitas competições, estágios, treinos e momentos em equipa que devem ser valorizados e aproveitados.
SM – Há algum atleta do judo nacional que mais admire? E porquê?
CC – Toda a equipa olímpica.
A Telma Monteiro pela sua capacidade de se manter no topo durante tantos anos e pela mentalidade vencedora.
O Jorge Fonseca pelas suas conquistas históricas para o judo português e pela sua capacidade de trabalho, dando sempre 200%.
A Joana Ramos pela sua entrega, vontade de aprender e exemplo de mulher que aos 39 anos ainda conquista medalhas internacionais.
A Patrícia Sampaio pela sua superação e resiliência, mesmo com vários obstáculos sempre se levantou e lutou por aquilo que mais quis.
A Rochele Nunes e a Bárbara Timo pela sua coragem, por abraçarem o sonho olímpico, mudarem de país e acreditarem nelas próprias, conquistando várias medalhas internacionais.
O Anri Egutidze pelo seu trajeto, por ter sido um amigo desde cadete e por termos crescido em conjunto até ao mais alto nível nos seniores.
Todos eles me inspiram a ser melhor e sinto um enorme orgulho por poder partilhar o tapete com eles.
SM – Deixaria alguma mensagem para os mais jovens que se inspiram na Catarina?
CC – Sim, que nunca desistam do seu maior sonho, que procurem dar sempre o seu melhor naquilo que fazem e que se divirtam, sejam felizes nesse processo. Podemos nem conseguir conquistar aquilo que queríamos, mas se o caminho nos deu prazer e felicidade, então já ganhamos só por termos tentado.