Por Fernando Santos
Instituto Politécnico do Porto, Escola Superior de Educação, Portugal
Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Educação, Portugal
inED, Centro de Investigação e Inovação em Educação, Portugal
Com as restrições derivadas da pandemia Covid-19, verificaram-se mudanças significativas no quotidiano de milhões de crianças, jovens e adultos espalhados pelo mundo que foram privados da possibilidade de vivenciar a prática desportiva, bem como de aceder a diversas oportunidades de aprendizagem fundamentais para o seu processo de desenvolvimento. A pandemia Covid-19 reforçou, simultaneamente, a importância de considerarmos a influência das necessidades de treinadores e atletas nas respostas do sistema desportivo. A título de exemplo, a formação de treinadores teve que ser redimensionada em função desta nova realidade, o que levou a adaptações nos planos curriculares dos cursos de treinadores promovidos por associações e federações desportivas, especificamente a utilização de estratégias pedagógicas diferenciadas (Callary et al., 2020). Paralelamente, o impacto da pandemia (e.g., na saúde mental, nos níveis de atividade física, nas oportunidades de socialização), especialmente em crianças e jovens, tem causado preocupação na comunidade científica e motivado diversas reflexões acerca desta temática (Rosen et al., 2021; Vella et al., 2021; Whitley et al., 2021).
Se todas estas mudanças associadas à pandemia Covid-19 criaram inúmeros constrangimentos ao processo de desenvolvimento dos atletas, à formação de treinadores e à intervenção do treinador desportivo, existem, também, necessidades que devem ser ponderadas com urgência e que carecem de atenção por parte do sistema desportivo e de outros agentes com impacto direto e/ou indireto no mesmo. Neste sentido, ao longo deste artigo de reflexão, pretende-se apresentar implicações para a formação de treinadores, o treinador desportivo e a investigação neste domínio que possam permitir a utilização do desporto para o desenvolvimento positivo dos atletas. Espera-se que estas implicações sejam perspetivadas como um ponto de partida para um conjunto mais alargado de reflexões necessárias para que se possam adotar medidas pós-pandemia.
É possível constatar que têm sido desenvolvidos diversos esforços pela tutela para reorganizar a formação inicial de treinadores, de modo a adequar a mesma à exigência da intervenção do treinador. Paralelamente, múltiplas organizações (e.g., instituições de ensino superior, federações, associações) têm-se desdobrado em esforços, de modo a promover ações de formação contínua que possam contribuir para o desenvolvimento profissional dos treinadores. Apesar destes avanços e esforços, presentemente importa considerar algumas questões: Qual deve ser a relação entre as ações de formação contínua e as necessidades (em constante mudança) dos clubes, treinadores e atletas?; Quais os conteúdos prioritários a incluir no processo de formação contínua dos treinadores?; e Como podemos avaliar o sucesso da formação de treinadores?.
Considerando as primeiras duas questões, as crianças e jovens, atualmente, apresentam carências cada vez mais acentuadas, no que diz respeito à sua saúde física, mental, social e emocional – estas carências foram acentuadas com a pandemia (Whitley et al., 2021). Perante estas necessidades, poderá ser necessário definir um plano de formação contínua ajustado às necessidades dos atletas, sendo que a ausência de direção por parte da tutela em coadjuvação com organizações como federações e instituições de ensino superior poderá resultar em consequências negativas a curto, médio e longo prazo. Neste contexto, importa diagnosticar as necessidades dos atletas em Portugal em todos os domínios. O modelo atual prevê a possibilidade de os treinadores poderem selecionar os conteúdos que considerem mais relevantes, todavia a investigação científica pode facilitar uma melhor compreensão sobre o papel do treinador desportivo pós-pandemia – esta é uma missão que a academia não poderá/deverá ignorar. Devemos ter presente que o desempenho e a procura de resultados a todo o custo, em alguns casos, continuam a dominar a atenção de treinadores, clubes e demais agentes desportivos.
Quanto à última questão, poderá ser necessário, considerando o progresso realizado até este momento, desenvolver mecanismos de avaliação da formação de treinadores que não se limitem às perceções acerca da satisfação, mas que se debrucem sobre os comportamentos efetivos dos treinadores – a missão da formação de treinadores é, também, facilitar a transferência de comportamentos do processo formativo para a prática real. Esta conceção sobre a missão da formação de treinadores pode/deve influenciar a investigação realizada em Portugal, bem como permitir uma análise aprofundada sobre a realidade da intervenção pedagógica – o que se faz, como e para quê, sem perder de vista as necessidades emergentes dos atletas (i.e., para quem se faz). Cabe-nos também, considerar que a investigação científica deve produzir conhecimento transferível e aplicado que não seja distante dos desafios vivenciados por treinadores e outros agentes. Isto é, deve permitir identificar possibilidades de intervenção aos clubes, treinadores e demais agentes. A criação de corpo de conhecimentos atual e renovado com implicações claras para a formação de treinadores é, sem dúvida, um desafio que teremos que abraçar com urgência. Espera-se que este possa ser um primeiro passo para debater e agir sobre estas questões de forma refletida e fundamentada.
Referências
Callary, B., Brady, A., Kiosoglous, C., Clewer, P., Resende, R., Mehrtens, T., Wilkie, M., & Horvath, R. (2020). Making sense of coach development worldwide during the COVID-19 pandemic, International Journal of Sport Communication, 13(3), 575-585. https://doi.org/10.1123/ijsc.2020-0221
Rosen, M., Rodman, A., Kasparek, S., Mayes, M., Freeman, M., Lengua, L., Meltzoff, A., & McLaughlin, K. (2021). Promoting youth mental health during the COVID-19 pandemic: A longitudinal study. Plos One, 16(8), 1-21.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.0255294
Vella, S., Swann, C., & Tamminen, K. (2021). Reflections on the field of mental health in sport: Critical issues and ways of moving forward. Journal of Applied Sport Psychology, 33(1), 123-129, https://doi.org/10.1080/10413200.2020.1854898
Whitley, M., Smith, A., Dorsch, T., Bowers, M., & Centeio, E. (2021). Reenvisioning postpandemic youth sport to meet young people’s mental, emotional, and social needs. Translational Journal of the ACSM, 6(4), 1-7. https://doi.org/10.1249/TJX.0000000000000177
Agradecimentos
Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UIDB/05198/2020 (Centro de Investigação e Inovação em Educação, inED).