A última atividade coletiva do 19.º Congresso Técnico Científico de Andebol reservou num painel este domingo algumas das principais figuras do desporto nacional. Para debater sobre o tema “O treino como ferramenta para o sucesso” estiveram à mesa Jorge Braz, selecionador nacional de futsal masculino, José António Silva, selecionador de andebol feminino, Ricardo Costa, treinador de andebol do Sporting, e João Varejão, selecionador nacional de andebol sub-17 masculino. O encontro foi mediado por Pedro Sequeira, vice-presidente da Federação de Andebol de Portugal e diretor da SportMagazine.
Presente no Pavilhão Multiusos de Gondomar para participar de um evento de andebol, e não de futsal, Jorge Braz brincou com a situação. “Me sinto aqui esquisito porque não consigo jogar com as mãos”, afirmou, a arrancar risos do público. Sobre a importância do treino, destacou que exige dos atletas que seja dada importância ao momento dos trabalhos igual ao que se é dado ao jogo.
“Nós, para o jogo, estamos sempre muito preocupados em planear, preparar tudo. Digo muito a sério a todo o staff que temos que nos preparar para o treino como se prepara para o jogo. Porque depois é fácil. A importância do treino é tudo, é o momento que temos para criar uma série de comportamentos e situações que podem acontecer em situações reais”, disse Jorge Braz, treinador campeão mundial (2021) e bicampeão da Europa (2018 e 2022).
“O treino é um espaço de melhoria individual e coletiva. Se eu tivesse que resumir, eu diria que é no treino que nós melhoramos e é na competição que ultrapassamos o que nós treinamos. O treino deve ser encarado como forma de dar resposta aos problemas que vamos encontrando. Por oposição ao jogo, na competição é onde conseguimos ultrapassar as competências que adquirimos nos treinos”, definiu João Varejão.
José António Silva, por sua vez, observou que, cada vez mais, o treino é um momento raro devido ao calendário apertado – especialmente às seleções. E, por isso, é essencial que cada momento seja aproveitado da melhor forma.
“O treino para mim é fundamental. É no treino que preparamos tudo e criamos as condições para competir. Estou muito marcado por uma frase de um professor, o José Augusto dos Santos, que dizia que ‘o jogo tem que ser uma carga média relativa à carga do treino’. Esse tipo de abordagem também está ligada ao calendário competitivo, que não nos permite ter algo fundamental no processo: tempo. Diria em abstrato que o treino é a parte mais importante do nosso trabalho. A competição deveria ser a aplicação dos vários cenários que trabalhamos nos treinos”, afirmou José António Silva.
Questionado como lidava com o tempo curto para trabalho, o selecionador de andebol foi direto: “Primeiro, lido mal. Segundo, tenho que lidar. Não há voltar a dar, o que não tem resolução, resolvido está. Temos que fazer o planeamento conforme está colocada cada situação”, frisou, imediatamente acompanhado por Jorge Braz.
“Eu também lido muito mal na Seleção Nacional com essa falta de tempo porque o treino é a nossa ferramenta principal. É quando estamos juntos, quando criamos hábitos. Como temos tão poucos momentos, é o que eu digo, não se pode desperdiçar nem 30 segundos, é o momento de trabalhar, dessa carga elevada emocional e física. Temos a obrigação de criar esse contexto, técnico, tático, situações individuais e coletivas é no treino”, corroborou o treinador de futsal.
Ricardo Costa, treinador do Sporting e antigo internacional como ponta direito de destaque, lembrou, como ex-atleta de José António Silva, que era um apreciador dos momentos de trabalho. E que leva o gosto como filosofia para a sua vida também como treinador.
“Gosto de competir, mas sempre adorei o treino. Está aqui o José António que sabe bem, eu adorava treinar”, afirmou para o aceno positivo do selecionador feminino. “Não vou dizer que gostava mais de treinar do que jogar, porque pode parecer até mal. Mas o treino é a base de tudo. Todos nós nos preparamos para a competição. E tanto o futsal como o andebol somos mais interventivos no jogo. Mas uma equipa bem preparada cabe ao treinador deixar que os atletas interpretem o que estivemos a fazer durante a semana”, acrescentou.
Ao ter novamente a palavra, José António Silva afirmou que foi a partir da relação com o Ricardo Costa atleta, à época no Águas Santas (2003/04 e 2004/05).
“A forma como ele encarava o treino, para ser sincero, não via muita diferença entre o Ricardo de treino e o da competição. Às vezes, no treino, tínhamos alguns pequenos problemas facilmente resolvido porque ele punha a mesma energia da competição no treino. E alguns colegas sabe como é… Então, o Ricardo contribuiu muito para a maneira de eu me preparar para o treino porque, se não, ele vinha questionar. E ele falou que é importante o espaço para o diálogo. Então, é importante também que o treinador esteja preparado sempre. Foi esse espírito que me levou de perceber a importância de a cada momento explicar o que estamos a fazer, os atletas tem que saber porque estão a fazer determinadas tarefas. É curioso ele estar aqui comigo porque foi das pessoas que mais me despertou essa necessidade de preparação”, contou José António.
Outro ponto destacado por Ricardo Costa como fundamental nos treinos é o ato conversacional com os atletas. O que ele chamou de “olho no olho”, a dizer que a ação anda em falta no meio. “Uma das coisas que aprendi foi sempre colocar os atletas numa roda e olhar nos olhos deles e perguntar como estão. Acho que o treino é o momento de nós sermos psicólogos, de olharmos mesmo na cara deles. É importante o planeamento, mas também estarmos atentos para mudar a qualquer altura”, destacou.
A fazer um paralelo entre a época do Ricardo Costa atleta e o momento atual, o treinador do Sporting destacou uma diferença no grau de informações à disposição de atletas e do treinador para que haja uma evolução e aprimoramento nos trabalhos.
“Hoje existem mais meios para estamos mais aptos para treinar. Nós treinadores temos mais informação, mas em termos de atitude acho que não mudou muito. Costumo filmar o treino e fazer um filme do treino para apresentá-los. O atleta sabe que está em permanente análise e quando vê uma câmara a filmar, pode estar desligado, mas quando percebe…”, descreveu.
O 19.º Congresso Técnico Científico de Andebol é organizado pela Federação de Andebol de Portugal, com o apoio da Câmara Municipal de Gondomar. O Congresso Técnico Científico de Andebol está homologado pela EHF, para a renovação da EHF Pro License e pelo IPDJ, para efeitos da formação contínua de treinadores com 3 UC.