25 de Abril 2024 13:05
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Ticha Penicheiro e a história de sucesso no basquetebol: “Consegui chegar ainda mais alto do que sonhava”

Foto: Federação Portuguesa de Basquetebol

Numa “visita de médico com muitas consultas”, como descreve esta vinda a Portugal, Ticha Penicheiro foi surpreendida com o Prémio Carreira na gala da Federação Portuguesa de Basquetebol e ainda foi homenageada em Cascais, dando nome a um campo 3×3 BasketArt renovado pelo artista plástico OATS. Pelo meio, a antiga basquetebolista portuguesa que figura entre as 25 melhores de sempre da WNBA, a famosa liga feminina dos Estados Unidos, ainda se disponibilizou para falar com a SportMagazine sobre a modalidade, a carreira e o papel inspiracional que mantém com os mais jovens. Esta entrevista foi publicada originalmente na edição n.º 3 da nossa revista.

SportMagazine (SM) – Não faltaram homenagens neste regresso a Portugal. Não são as primeiras, mas deve ser bom receber um prémio carreira, dar nome a um campo…

Ticha Penicheiro (TP) – O campo já estava à espera porque falei com o artista, o pintor, e estava mais ou menos a par da situação. Na gala da Federação Portuguesa de Basquetebol e da Liga Betclic, realmente não sabia que ia ser homenageada, realmente foi um pouco surpresa, apanhou-me desprevenida, mas é sempre bom que o nosso trabalho seja reconhecido. Foi um pouco o que disse. Já me retirei há dez anos, ainda vou recebendo prémios e homenagens, por isso parece que fiz alguma coisa de jeito.

SM – Na gala lembrou quando era uma miúda na Figueira da Foz com sonhos enormes. Olhando para trás, conquistou mais sonhos do que esperava, os ditos enormes a que se referiu?

TP – O meu sonho era ser a melhor jogadora que pudesse ser. Não sabia exatamente o que isso significava, mas por exemplo não sonhava jogar na WNBA, sonhava jogar na NBA, sabia que era um sonho impossível. Entretanto, o timing de tudo, de ter ido para os Estados Unidos quando fui, estar já lá quando começou a WNBA, também proporcionou as pessoas verem-me a jogar e ter sido escolhida no draft. Acabei por jogar 15 anos na WNBA e também pela Europa. Esse sonho não existia quando era criança, porque a WNBA não existia, estou consciente de que sonhei alto, mas consegui chegar ainda mais alto do que sonhava.

SM – Abriu portas na carreira e também no próprio basquetebol feminino. Cá, naturalmente há essa perceção e, nos Estados Unidos, é também uma referência por tudo o que fez na modalidade enquanto lá esteve no mais apetecido campeonato?

TP – Embora não tenha sido a primeira portuguesa a ter ido para os Estados Unidos com uma bolsa de estudo para uma universidade, fui pioneira para mim mesma. Às vezes é o que temos de fazer. Prefiro sempre tentar, mesmo que venha a falhar. E foi um pouco por aí o meu percurso. Às vezes temos de correr riscos para chegarmos onde queremos e foi o que fiz. Saí de Portugal, deixei a famÍlia, o país, os amigos, a minha zona de conforto e ir para um sítio onde não sabia se ia ter sucesso, mas quem não arrisca não petisca e eu queria petiscar e lá fui.

SM – A carreira terminou há dez anos, repleta de sucessos. Apesar disso, teria feito algo de diferente? Que mensagem fica destes 15 anos de WNBA, de competir em campeonatos pela Europa?

TP – Fica a mensagem de que valeu a pena. Os sacrifícios, a dedicação, o trabalho, as horas incansáveis dentro do pavilhão a treinar. Estar longe da família, todos os sacrifícios pessoas que se fazem. Não há arrependimentos, faria tudo exatamente da mesma maneira e, claro, é bom chegar ao fim da carreira, olhar para trás e estar em paz, sabendo que dei tudo o que podia ter dado e suplantei todas as coisas que queria na carreira.

Foto: FPB

SM – A grande maioria dos atletas, quando termina a carreira, fica ligada ao desporto como treinador. A Ticha também ficou ligada ao basquetebol, mas como agente de jogadoras. Ser treinadora nunca foi equacionado? Ser agente foi obra do acaso ou mesmo uma área que vislumbrava como o seu futuro profissional?

TP – Ser treinadora nunca me passou pela cabeça. É uma profissão que ocupa muito tempo e eu, como jogadora, já dei mais de metade da minha vida ao basquetebol. Queria continuar a dar, mas de uma maneira que tivesse mais liberdade, que pudesse vir a Portugal e estar com a minha família, recuperar alguns tempos perdidos, já que saí de casa aos 16 anos. Tendo esta profissão, posso fazer, perfeitamente, continuar ligada ao basquetebol, devolvendo aquilo que a modalidade me deu, mas também ter a liberdade de viajar, porque desde que tenha o meu telefone e o meu computador, posso trabalhar de qualquer sítio do mundo. Essa foi uma das minhas principais prioridades.

SM – Quantos atletas é que agencia neste momento?

TP – Tenho à volta de 30 atletas. A companhia é grande, somos mais alguns pela Europa, mas diretamente à volta de 30.

SM – Como é o dia a dia de um agente nos Estados Unidos?

TP – Basicamente passar muito tempo ao telefone, não tenho meses parados, embora os mais tranquilos sejam outubro, novembro e dezembro, mas tenho sempre alguma coisa que fazer. Uns dias mais ocupados do que outros. Agora, graças a Deus, conseguimos uma pessoa para fazer o marketing e relações públicas, assim fico um bocadinho mais livre, porque antes tinha de fazer um pouco mais de tudo. Ver os jogos da WNBA, seguir as jogadoras, ver se estão bem, depois arranjar emprego na Europa, porque jogavam na WNBA durante o verão e na Europa durante o inverno. A China e a Coreia do Sul estão fechadas, neste momento, desde que aconteceu a COVID-19, portanto é trabalhar para arranjar-lhes emprego na Austrália ou na Europa e, basicamente, seguir os jogos e estar com as jogadoras.

SM – Jogar de vez em quando é um hábito persistente ou completamente inexistente?

TP – Não, jogar já não o faço. Às vezes lançar sim, mas jogar não dá, porque não quero arriscar ter alguma lesão, porque a idade já pesa, apesar da cabeça pensar que pode fazer as coisas que fazia antes. Prefiro não arriscar ter alguma lesão grave que me ponha de baixa por algum tempo. Como disse, estou em paz com o que consegui. O bichinho acontece, mas é morto de outra maneira, através da minha profissão, vendo as minhas jogadoras a competir e apoiá-las.

SM – No desporto em geral, ainda se denotam discrepâncias entre o masculino e feminino. Comparando o basquetebol do seu tempo com o da atualidade que raio-X lhe merece a modalidade em Portugal?

TP – Está a andar para a frente, mesmo que seja devagarinho. Ainda agora na gala da federação, em termos de igualdade há mais consciência. A Betclic, por exemplo, é patrocinadora da liga masculina, mas também insistiu em dar o mesmo apoio à liga feminina e é importante que isso aconteça. Fomos qualificadas para o Europeu de 3×3. Há uns anos, quando organizámos um sub-16, em Matosinhos, fomos vice-campeãs europeias. Temos o primeiro português na NBA, o Neemias Queta, acho que Portugal continua a andar para a frente, que a federação está de parabéns, está a fazer um bom trabalho e o que é importante é que estes jovens queiram individualmente ser bons, pois só assim o basquetebol continua a andar para a frente.

SM – Na homenagem que lhe foi feita em Cascais, na qual deu o nome a um campo de 3×3, houve uma iniciativa com os mais pequenitos. Como ainda é visto o ‘fenómeno’ Ticha Penicheiro por estas crianças, sendo que a maioria não teve o privilégio de vê-la jogar?

TP – Nos dias de hoje é mais fácil conhecerem-me Nos meus dias, tinha dois ídolos que eram masculinos, não tinha ídolo feminino, também não havia Internet para poder pesquisar. Agora, apesar de não me terem visto jogar, podem ir à internet e ver alguns vídeos para saberem como jogava. Portugal é um país pequeno e sou um referência para a juventude portuguesa, tanto feminina como masculina. É com orgulho e prazer que venho cá ara incentivar os mais jovens a continuar a praticar a modalidade.

SM – À margem do basquetebol, a Ticha mantinha uma ligação aos Special Olympics e à investigação na luta contra o cancro dos ovários. São atividades às mais se mantém ligada?

TP – Sim. Uma das minhas melhores amigas, graças a Deus está bem e entre nós, sofreu de cancro nos ovários e passou um mau bocado duas vezes com essa doença. E em termos de Special Olympics é, para mim, uma alegria. Às vezes vou lá para tentar que fiquem felizes e que se divirtam e eu é que recebo mais do que eles. Ver a alegria de crianças com deficiências, que são mais felizes do que algumas pessoas que não têm problemas, é uma lição de vida. Sempre que posso estar presente e contribuir para essas causas, faço-o de bom gosto.

Patrícia Nunes Penicheiro, imortalizada para o basquetebol como Ticha Penicheiro, a base é natural da Figueira da Foz, onde nasceu a 18 de setembro de 1974. Regressou às origens numa «visita de médico com muitas consultas», como metaforizou os poucos dias passados no país que deixou aos 16 anos para perseguir os sonhos no basquetebol. “Vou de coração cheio e barriga também. Deu para comer algumas coisas que lá nos Estados Unidos não há. Aproveitar que é São João aqui na Figueira para comer sardinha assada, e a minha mãe fez-me um bacalhau à Gomes de Sá que é um dos meus preferidos. A isto junto uns pastéis de nata aqui e ali e deu para matar algumas saudades”, resumiu a antiga basquetebolista que jogou 15 épocas na WNBA, tendo sido entronizada no Women’s Basketball Hall of Fame em 2019.

Formada no Ginásio Clube Figueirense, com passagem pelo UD Santarém, emblema pelo qual conquistou em duas temporadas o título nacional, a Taça de Portugal e a Supertaça, foi nos Estados Unidos, a jogar pela Old Dominion University, no campeonato universitário, que deu os passos para sonhos maiores do que pensava.

Em 1998, foi rookie nas Sacramento Monarchs e terceira na votação das debutantes da liga. A base portuguesa foi eleita quatro vezes para o All Star da WNBA e, no vasto currículo, além do primeiro título de campeã das Monarchs, vislumbra-se o recorde, igualado em duas ocasiões, de assistências num só jogo da WNBA (16). Em 1999 e 2000, Penicheiro foi selecionada para o cinco ideal da liga. Fixou o máximo pessoal de pontos numa partida em 27, em julho de 1999. Até 2006, marcou 1740 pontos e fez 1707 assistências, estatística em que, aliás, foi a recordista até 2017, quando tinha deixado os cestos cinco anos antes.

A portuguesa ainda jogou pelas Los Angeles Sparks e nas Chicago Sky. Passou ainda pelos campeonatos italiano, russo, francês, polaco, letão, checo e turco, nos quais conquistou inúmeros troféus. Debutou na Seleção Nacional em 1992, vestindo a camisola das Quinas em mais de uma centena de jogos nos vários escalões. É comendadora da Ordem do Infante D. Henrique.

Ticha Penicheiro é uma das melhores 25 jogadoras de sempre da WNBA. Foto: Federação Portuguesa de Basquetebol

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