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Teresa Jordão e a trajetória como a primeira e única treinadora campeã nacional de futsal: “As coisas estão a mudar…”Exclusivo 

Teresa Jordão, histórica treinadora de futsal em Portugal. Foto: José Lorvão/Sporting

Licenciada em Físico-Química pelo Instituto Politécnico de Tomar, Teresa Jordão buscava na formação estar apta para trabalhar numa das fábricas de papel próximas à sua casa. Passados quase três décadas do início daquela qualificação profissional, a desportista, natural de Figueira da Foz, hoje, pode-se dizer especialista noutra fábrica completamente diferente: a de produzir talentos. E numa área bastante distinta à da celulose: o futsal feminino.

A trajetória da treinadora de futsal nível três é bastante particular. Conseguiu unir duas carreiras bastante distintas com maestria suficiente para torná-la um exemplo aos mais jovens – em especial às mais jovens. Primeiro, tornou-se professora de Físico-Química no concelho desde que começou a lecionar no Instituto Educativo do Juncal (IEJ), onde esteve durante 23 anos. Paralelamente, qualificou-se para trabalhar e fazer história por mais 20 anos no Golpilheira.

Chegou à equipa batalhense em 1999/2000 para representar este clube ainda como jogadora. “Eu era fixo. Fazia alguns golos, tinha um bom remate”, garante Teresa Jordão. Mas a carreira não seguiu adiante e, em 2003/04, fez uma época como treinadora/jogadora até que se retirou das quadras e se dedicou de forma completa ao treino. O auge veio na temporada 2013/2014, quando se tornou a primeira – e única – treinadora mulher campeã da Primeira Divisão Nacional feminina – e no ano de estreia da competição.

Com habilidade para lidar com os jovens na sala de aula e uma trajetória respeitável no futsal – onde ganhou, por exemplo, o prémio “Quinas de Ouro” (oferecido pela Federação Portuguesa de Futebol, a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol), na categoria de “Melhor Treinador de Futsal Feminino”, em 2016 – Teresa Jordão acabou por ser convidada pelo Sporting para assumir, em agosto do ano passado, as funções de coordenadora do futsal feminino de formação e de treinadora da equipa feminina de juniores.

Com experiência multidisciplinar, a treinadora de 49 anos conversou com a SportMagazine, em entrevista publicada na edição n.º 2 da nossa revista, sobre a formação de treinadores, de jovens atletas e o desenvolvimento do futsal feminino em Portugal. Abaixo, confira a entrevista com a histórica treinadora.

SportMagazine (SM) – Como começou a carreira como treinadora no futsal?

Teresa Jordão (TJ) – Havia um grupo de miúdas interessante e um colega disse: “olha tem ali uma turma com umas miúdas que são umas máquinas a jogar futsal, tu não queres ir lá ver?”. Entretanto, no ano a seguir, nós candidatámo-nos a inscrever uma equipa no desporto escolar de futsal feminino e para isso eu tive que fazer o nível um. Então, fiz o nível um na Associação de Futsal de Leiria, o que me permitiu ir para o desporto escolar e também ser treinadora na Golpilheira. Na altura também já era necessário. Depois, passados três anos, abriu o nível dois e eu nem estava sequer para tirar. Mas o meu colega na escola disse: “olha vai abrir o nível dois e tu não vais fazer”. Eu disse: “Ó, Xavier, mas olha uma coisa, eu vou fazer o nível dois para quê?”. Ele disse que era sempre bom ter e disse à diretora da escola, que me mandou tirar o nível dois porque não sabemos o dia de amanhã e que seria melhor. E acabei por ter o dois. Depois, surgiu a possibilidade e acabei por tirar o nível três.

Teresa Jordão já foi distinguida com o prémio “Quinas de Ouro” Foto: FPF

SM – Ficou muito tempo na Golpilheira, numa passagem histórica e vitoriosa. O que a motivou a encerrar o ciclo, com um trabalho consolidado na equipa, para assumir o desafio de coordenadora no Sporting?

TJ – Várias coisas aqui. É óbvio que o estar muitos anos no mesmo sítio tem vantagens e desvantagens, é como em tudo na vida. O motivo de vir para Lisboa foi claramente por motivos profissionais. Para concorrer para o Estado [à posição de professora], eu sabia que se concorresse de Lisboa para baixo ficaria colocada. O mesmo não aconteceria ali na zona de Leiria. E tomei essa decisão. entretanto, numa dessas conversas, surgiu o convite do Sporting. E eu juntei o útil ao agradável. O convite foi feito para coordenar à formação e também para treinar a equipa de júnior feminino.

SM – Como avalia a formação de treinadores em futsal? Atualmente Portugal está bem servido em termos de treinadores desta modalidade?

TJ – Eu acho que neste momento a formação de treinadores é fantástica. É fantástica para quem quer sempre aprender mais. Nós às vezes vamos para os cursos e para as formações a achar que já sabemos de tudo. E quando isto acontece, a nossa aprendizagem e a forma de estar já não é a mesma. Portanto, se encaramos a possibilidade de uma formação ou de um curso quando vamos, vamos sempre aprender mais qualquer coisa. Parece que neste momento os cursos deixaram de ser teóricos, o que é normal ser assim, apesar de sempre os cursos terem uma parte prática, mas neste momento os cursos favorecem muito mais a partilha em termos prático das ideias. No desporto não há receitas e esta parte do treinar não há receitas prontas. Apanhamos grupos, jogadoras, contextos diferentes, então temos que ter aqui sempre alguma adaptabilidade. Penso que neste momento a grande maioria dos cursos em Portugal trata da partilha. Também me parece que as associações e a Federação [Portuguesa de Futebol, responsável pela gestão do futsal] procuram também, quer nos organizadores ou nos coordenadores dos cursos, terem também pessoas com uma carreira brilhante em Portugal e que são os melhores. Por exemplo, o Jorge Braz, o Nuno Dias… estou a falar aqui por exemplo, em Lisboa e em Leiria, mas também nas outras associações há sempre alguma tendência a ter um convidado de quem está nas seleções nacionais, portanto essa parte é extremamente importante.

SM – Como coordenadora de futsal feminino de formação tem desafios que são bastante específicos, que é trabalhar com jovens. Qual o maior desafio do treinador que trabalha com esse núcleo de atletas?

TJ – Neste momento, o maior desafio, atendendo ao contexto em que eu estou, é claramente perceber as jogadoras que têm qualidade e que para aumentar essa qualidade é extremamente importante trabalhar. Eu utilizo uma expressão que digo muitas vezes em que há duas coisas diferentes: o nível do treino e o treinar. Até para que elas percebam essa parte. Hoje em dia, os nossos jovens acabam por ter tudo. E depois, no desporto, acaba por não ser diferente. As coisas vão desaparecendo e em determinada altura acham que “ok, agora aqui cheguei e é manter apenas”. Às vezes é necessário elucidá-las, transmitir sempre que estamos aqui, ok, mas para darmos mais para a frente é preciso trabalhar mais um bocadinho. Neste momento, com esta geração, é a parte mais importante para mim.

SM – O treinador português está preparado para lidar com esse tipo de formação com os jovens? Há formação para isso ou é o dia a dia que forma o treinador?

TJ – É o dia a dia. É óbvio, como em tudo, há pessoas mais indicadas para esta parte da formação, com o trabalho com os mais novos. Claramente, é mais adequado a determinadas pessoas. O treinador português que tem só as características para seniores em determinados contextos já não procura a parte da formação. Neste momento, a maior parte dos treinadores da formação, já são aqueles que querem trabalhar com os jovens e têm um bocadinho essa perspetiva.

SM – Na Primeira Divisão nacional feminina, das 14 equipas apenas uma era treinada por uma mulher [a Rute Carvalho, no GD Chaves]. Porque existem mais treinadores homens do que mulheres?

TJ – Tem a ver um bocadinho com a sociedade. A mulher sempre foi vista como o fazer o jantar, cuidar das coisas de casas, cuidar dos filhos e é óbvio que isso era antigamente mais assim. Neste momento, as tarefas já são mais divididas, é verdade, mas ainda há um pouco essa tendência. Acho que nós mulheres muitas das vezes também… isto é necessário disponibilizar imenso tempo. E é mais fácil, por exemplo, o pai ir buscar o filho e ir deixar em casa e a mulher acabar por fazer o resto, do que propriamente o contrário, para ela sair e dar o treino e o pai ficar em casa. É um bocadinho também da sociedade. De qualquer das formas, as coisas estão a mudar. Enquanto no Campeonato Nacional realmente foi isso que aconteceu, na Segunda Divisão já existem algumas mulheres. Ou seja, já começa aqui a haver uma maior disponibilidade. Depois, também, há muito mais homens a tirar os cursos do que mulheres. Eu, por exemplo, no nível 3, éramos 35 alunos e eu era a única mulher. Portanto, também é um pouco assim. Daqui a uns anos, se calhar, as coisas acabam por ser um pouco diferentes. Já é diferente em relação há alguns anos e acho que as coisas vão evoluindo nesse sentido. Depois, essa parte do gosto, do ser treinador, muitas das vezes, as mulheres acabam por ter uma ou outra sensibilidade no que diz respeito ao futsal feminino, mas também não há muita gente a fazer carreira. Não há muitas mulheres a fazer carreira de treinadoras. Ou não havia, agora já começa a haver mais um bocadinho. Parece-me aqui que é mais a parte da disponibilidade das tarefas que se tem que fazer e o tempo que se perde. De qualquer das formas, eu costumava referir também que, para mim, é extremamente importante ser uma mulher a treinar o feminino. O facto de eu poder entrar no balneário quando eu quero e quando me apetece ajuda em algumas coisas. Acabamos por nos aperceber que há algumas situações que, podem ser importantes ou não, e acaba por ser mais fácil lidar com algumas situações que aparecem.

SM – E o que significa ser treinadora para si?

TJ – Eu considero que aqui há dois contextos. Há a parte do ser profissional, estar num contexto profissional, com jogadores profissionais, poder treinar duas vezes por dia, por exemplo. E depois há o contexto não profissional, que é onde está o futsal feminino. Nós temos sempre a tendência de quem não é profissional se preocupar um bocado mais com a parte pessoa, com a parte humana. Eu que estou na formação também gasto muita energia na formação pessoal: como está na escola? Porque essa parte é realmente a mais importante. Provavelmente, numa estrutura completamente profissional esta parte é sempre uma preocupação porque, acima de tudo, são pessoas, têm o lado humano e têm problemas também, acho que é importante, mas não é tão importante. Na parte da formação, eu faço isso muitas vezes, preocupa-me muito a parte pessoal, porque se não andamos bem acabamos por não render o que é necessário. Preocupo-me um bocado em falar com as jogadoras em tentar perceber onde é que eventualmente pode haver ajuda ou não, portanto há os dois contextos. O estar numa estrutura profissional e não estar. Mas, independentemente, há sempre essa preocupação pessoal, o que é mais importante aos não profissionais e na parte da formação, onde direcionamos sempre para o facto de nem toda a gente conseguir chegar ao nível de atleta profissional, especialmente no futsal onde não se ganha muito dinheiro como se ganha no futebol, por exemplo. Portanto, na formação é importante conciliar o desporto com a parte dos estudos. Ser treinador requer toda essa preocupação.

SM – Como se orienta um jovem que quer ser jogadora de futsal sabendo que o contexto dessa modalidade feminina é não profissional?

TJ – É importante alimentar esse sonho. E, na vertente desportiva, o treinar sempre mais do que os outros. Quem quer chegar ao topo tem que treinar sempre mais que os outros. E depois tentar que elas percebam que a parte dos estudos, do tirar um curso é extremamente importante porque é sempre melhor ter mais alguma coisa do que não ter. E ter aqui, eventualmente, duas ou três situações que depois no futuro se pode escolher. E quando conseguimos conciliar as duas coisas está bem. Quando temos um curso adiante podemos escolher. Há algumas jogadoras a fazer isso e é ótimo porque mesmo que durante algum tempo se consiga ser profissional no futsal, depois, a partir de uma determinada altura, tem que seguir por outro lado. É melhor então ter o estudo do que não ter.

*Teresa Jordão, 49 anos, nasceu em Figueira da Foz. É licenciada em Físico-Química pelo Instituto Politécnico de Tomar e há mais de 20 anos é professora da mesma disciplina. Paralelamente, atuou como atleta e é treinadora de futsal com nível 3. Possui como principal conquista o título da Primeira Divisão Nacional feminina de futsal, em 2013/14, quando esteve à frente da equipa da Golpilheira. Atualmente está no Sporting, onde é coordenadora do futsal feminino de formação e treinadora da equipa feminina de juniores.

Teresa Jordão quando treinadora da Golpilheira. Foto: CRG – Centro Recreativo da Golpilheira

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