O fim dos Jogos Olímpicos de Tóquio, concluídos em agosto do ano passado, significou também o encerramento de um ciclo importante para a vela portuguesa. Dupla vitoriosa com o estatuto de vice-campeões do Mundo na Classe 470 em 2021, os irmãos Pedro e Diogo Costa precisaram terminar a equipa devido ao novo regulamento internacional, que passou a tratar a classe 470 como mista – ou seja, com a aquipa composta por um homem e uma mulher. Apesar de não compartilharem mais o mesmo barco, os atletas naturais do Porto mantêm a parceria na vela com apoio mútuo, porém a viver momentos e adaptações bem distintas.
Afinal, enquanto o mais jovem, Diogo, permaneceu na mesma classe, coube a Pedro o desafio de mudar de barco, agora na categoria 49er . A dupla, já em 2016 campeã do mundo de 420, em San Remo, Itália, há muito acostumada a defrontar mudanças juntos, precisou, separadamente, de se reinventar. “Eu que decidi mudar de classe”, começou por dizer Pedro.
O irmão mais velho, 27 anos, queria, inicialmente, ir para os catamarãs, mas por questões burocráticas os planos não seguiram adiante. No destino, estava a parceria com João Bolina, com quem agora faz dupla em 49er.
“É um rapaz mais novo, muito bom. Tem muito talento. Ele estava retirado há dois anos, entretanto voltou à atividade. No início, fizemos quase um internato em Cascais, de meio ano. Treinámos intensivamente sem ter muito contacto com outras pessoas e regatas, mas para percebermos e aprendermos a navegarmos o barco e agora, teoricamente, íamos começar a fazer regatas e ver como isso ia correr”, explicou, ainda em fase de adaptação.
Na mesma classe, Diogo conseguiu uma parceria com Carolina João, que assim como os irmãos Costa também fez a estreia em Jogos Olímpicos em Tóquio, no ano passado, com o 34.º lugar final em Laser Radial.
“Já em setembro do ano passado começámos a treinar. Fizemos este internato que o Pedro estava a dizer, mas nós fomos para a Gran Canária, em outubro e novembro. Em dezembro, fomos para Vila Moura e em março começámos a fazer as regatas normais, com o circuito das regatas na Europa. O ano, em princípio, parecia bastante promissor. O resultado no [Troféu] Princesa Sofia em março foi bastante bom, ficámos em 25.º, e depois, em França, conseguimos manter esses bons resultados e depois parece que estivemos ali a descer um bocadinho o nível ao meio da época porque focámos muito na parte física e não tivemos tanta a atenção na parte técnica e fizemos uma regata na Holanda e na Alemanha que não correram bem”, disse Diogo, 25 anos.

Diogo Costa agora em dupla com Carolina João. Foto: FPV
Em progresso, a dupla Diogo Costa (We Do Sailing)/Carolina João (Algés) esteve em outubro passado no Mundial de 470, em Israel, onde terminou em 26.º da frota de ouro – em competição com 60 tripulações de 20 nações diferentes. “Voltamos a ter um pico de forma bom, principalmente no Mundial. Acho que foi um bom resultado se pensarmos que a Carolina começou a nagar no 470 há um ano. Começou a fazer trapézio há um ano… Toda a adaptação que é necessária para o trapézio e tudo, não é uma coisa natural para ela. Ou não era há um ano, hoje em dia começa a ser. Foi muito bom. É lógico que queremos mais e no próximo ano vamos ter que apertar ainda mais”, disse Diogo, que tem no radar o apuramento para os Jogos Olímpicos de Paris, em 2024.
“É o grande objetivo. Por exemplo, eu e o Pedro quando começámos, estávamos bastante longe, houve alturas que estávamos longe de nos qualificarmos e no fim conseguimos fazendo um ótimo último ano. E com a Carolina a verdade é que neste Mundial já entrámos nas vagas para qualificar. Portanto, é uma coisa difícil, claro. Mas acho que é perfeitamente possível”, afirmou Diogo Costa.
Pedro, por sua vez, entende o desafio como mais complexo. “É muito mais difícil. A classe 49er acho que agora é provavelmente a mais difícil para apurar. São demasiados poucos lugares. E estou num barco diferente, é uma adaptação um bocadinho mais comprida do que a do Diogo. Praticamente, comecei quase tudo do zero. Quer dizer, não será tanta facilidade conseguir qualificar assim para Paris 2024, embora não seja impossível. Claro que se houver a oportunidade vou lutar, mas não é evidente conseguimos o apuramento”, admitiu, a explicar diferenças básicas entre a antiga categoria e a atual.
“Em termos do dia a dia, da rotina, o barco que é mais rápido e mais exigente fisicamente no sentindo de ter muitas quedas, um barco que tem muito mais acelerações que o 470. Então, é mais exigente neste sentido. Anda mais rápido, mas depois trava mais rápido. É um barco que tem umas asas, por isso não pode inclinar. Há uma série de complicações técnicas. Depois, em termos de competições, tem muito mais pessoas, muitos barcos por países, e poucas vagas, por isso a qualificação fica um bocadito mais difícil”, detalhou Pedro.

Pedro Costa e João Bolina. Foto: Luís Carmo Fráguas
Apesar de não poder contar com o antigo parceiro no dia a dia, o irmão mais jovem garante que segue a recorrer ao irmão mais velho para aconselhamentos. “Pela experiência que o Pedro tem no 470… Falamos muito, falamos como é que fazíamos para tentar no final de contas, o Pedro era um tripulante de sucesso, de topo mundial, então todas as dicas que puder dar para mim e para Carolina é sempre bom. Estamos a buscar as sensações parecidas para adaptar com a Carolina e ajudar na nossa evolução”, afirmou Diogo, que também recebe o afago do irmão.
“Tenho tido uma série de complicações com a parte em terra, às vezes fico um bocado até nervoso com essas coisas e com o Diogo conseguimos ver o lado positivo das coisas, perceber que não sou só eu que tenho problemas. Ele também tem, embora não tão graves, mas todos temos e partilhamos muito. Isso aumenta muito a força, o facto de trocar de equipa nota-se que os dois juntos apoiávamos muito de uma forma que acho que ainda não conseguimos encontrar nos nossos parceiros de equipa apoio tão grande como o que tínhamos juntos. Não quer dizer que não apoiem, cada um deles, mas realmente sabíamos bem onde tínhamos que apoiar um ao outro, e agora são pessoas novas”, explicou Pedro.
Enquanto ainda busca alguns ajustes contratuais, Pedro Costa e João Bolina (Clube de Vela do Barreiro) ainda não têm um treinador definido. Diogo teve o privilégio de manter como treinador o espanhol Aaron Sarmiento. “O objetivo é mantê-los até os Paris 2024 pelo menos”, garantiu o velejador, que espera intensificar o ritmo de treinos neste inverno “para aproveitar o inverno o máximo possível”. “Este inverno vai ser mesmo determinante para nós. Provavelmente, não se vai ver os resultados diretamente nos primeiros campeonatos. Mas acho que este inverno vai ser o que vai ditar se vamos conseguir ir a Paris e ter um bom resultado. Ou morrer na praia”, alertou.
Pedro espera ao lado de João Bolina poder fazer as primeiras competições. “Estou numa fase muito mais atrasada. Partindo do zero. Vamos fazer as primeiras regatas neste inverno e a única coisa que espero é adaptar-me bem a fazer as regatas neste novo barco. Acho que na realidade estamos à espera deste momento para conseguir perceber o que vão ser os nossos objetivos depois. Como não fizemos nenhuma regata, não sabemos bem nem sequer onde estamos em termos competitivos. Portanto, agora é um momento em que vamos juntar-nos a outros barcos e aferir se estamos pertos ou longe, o que precisamos melhorar”, afirmou.
Questionado sobre a possibilidade de regressar à classe 470 se a experiência em 49er falhar, Pedro não descartou a hipótese no futuro.
“Quando decidi mudar foi como um prazo comigo mesmo que daria um ano para perceber se realmente tinha um potencial de ter um futuro ou não. Comecei em março, depois de uma paragem comprida. Portanto, há de haver um período no próximo ano onde realmente se vir que não há potencial nenhum de evolução, considerar fazer outra coisa. Não sei se 470 ou não, mas na realidade dei um passo grande de passar de uma posição de tripulante para timoneiro e isso requer uma evolução e como o todo é preciso avaliar e ver. Não se pode tomar uma decisão e depois fechar os olhos. Se realmente for mal, vou encarar a realidade e pensar”, concluiu.

Diogo e Pedro foram vice-campeões mundiais em 2021. Foto: FPV
A vela em Portugal
Portugal não conquista um pódio olímpico desde Atlanta 1996, quando Vítor Hugo Rocha e Nuno Barreto Vela alcançaram a medalhas de bronze na Classe 470. Atento ao hiato, Diogo Costa sonha em voltar a ver Portugal no novamente medalhado. Entretanto, pontua que alguns pontos ainda precisam evoluir.
“Eu, pessoalmente, para mim, este ano foi bastante bom. Mas o que se pode melhorar no futuro, quando eu e a Carolina tivermos mais experiência, é haver orçamento, por exemplo, para desenvolvimento de velas e material especial específico feito para nós. Isso aí, há uns anos fazia-se muito quando Portugal ganhou a última medalha olímpica, mas, entretanto, foi se perdendo com os anos e hoje em dia tudo o que usamos é material standard”, afirmou Diogo.
“O que nós temos qualquer pessoa pode ter. E nos dez primeiros classificados é raro ver alguém com esse material. Há sempre uma peça específica personalizada, uma vela, o que seja, especialmente feito para aquela tripulação, e nós ainda não chegamos a esse nível de investimento que é preciso realmente bastante dinheiro para fazer isso. Dinheiro e tempo. É algo que não sei se vai chegar até Paris, mas nós dois pensamos em Los Angeles 2028, e para isso está nos nossos planos tentar arranjar tempo e financiamento para esse tipo de desenvolvimento”, acrescentou Diogo.
“Portugal, de alguma maneira, é um país muito conectado com outros desportos que não a vela. As modalidades, as coisas que não futebol, acabam por receber pouca atenção. O conjunto dessas coisas faz com que as condições não sejam tão boas como queríamos. Na mesma, nós tentamos como atletas dar o melhor que podemos e felizmente há pessoas que nos apoiam de fora e complementam as condições que a federação pode dar”, completou Pedro.