“O Bernardo Atilano de uns dois, três anos atrás, não conseguia nem sequer ganhar o primeiro jogo desse torneio internacional no Brasil”. As palavras do número 1 do ranking português do badminton remetem à própria redenção. À maturidade e à resiliência, estas desenvolvidas com as experiências inerentes à vida profissional de atleta: das frustrações às superações.
Vice-campeão do Brasil International Series de badminton no último domingo, quando entrou na competição com uma torção no pé que colocou em xeque a sua participação na competição, Bernardo Atilano alcançou aquela que considera a sua principal conquista na carreira.
“Com as limitações todas físicas que eu tinha e perdendo o primeiro set logo e jogando a medo, eu há uns anos não tinha conseguido passar da primeira ronda. Eu surpreendi-me a mim mesmo pelo meu crescimento e capacidade que nos dias de hoje já tenho. Essa medalha [de prata] significa muito mais que a própria medalha: significa que eu consigo lidar muito melhor com a adversidade”, destacou o atleta treinado por Pedro Gomes desde 2015.
Na sequência da competição, o atleta português venceu os brasileiros Mateus Carrijo (21-19, 21-11 e 21-9), Klerton Silva (21-11 e 21-8) e Davi Silva (21-15, 12-23 e 21-11). Na meia-final, mais um brasileiro: Janathan Matias. Em três sets, num encontro muito equilibrado, o português, então 110.º do mundo, bateu o brasileiro, 116.º, por 21-18, 19-21 e 21-19, em uma hora e oito minutos. Na primeira decisão a nível internacional do atleta enquanto sénior, Atilano acabou superado com Uriel Francisco Canjura, de El Salvador, 115.º, em dois sets: por 21-17 e 21-15, em 49 minutos.
“Foi uma competição em que eu estava com o objetivo de chegar pelo menos à meia-final/final ou ganhar. Eu já tinha visto os atletas que estavam presentes, apesar de serem atletas com valor, eu sentia-me bem, fisicamente estava muito bem. Tinha vindo de um estágio na Seleção Nacional intenso, duro, mas que me fez sentir muito bem, com ótimo ritmo de jogo”, disse em entrevista à SportMagazine.
“Estou maravilhado, muito feliz. Ainda não acredito bem que consegui ganhar os jogos que ganhei. O selecionador brasileiro de badminton é português, o Marco Vasconcelos, que é um ex-olímpico nosso, e eu comecei a treinar com ele antes da competição e basicamente no segundo treino, na terça-feira de manhã, fui ao fundo da rede e torci o pé. Inchou bastante nesse dia, uma bola no pé, com dor, não conseguia andar, sequer pôr o pé no chão. Nem sequer fazer força ou carga no pé. Pronto, a partir daí, eu estava bastante na dúvida, sinceramente, se iria conseguir jogar. Falei com os meus fisioterapeutas em Portugal, com o médico do CAR do Jamor, e fui à fisioterapia da Confederação Brasileira e foi sem dúvida isso que me ajudou a conseguir jogar, além da medicação. A ligadura funcional eu usei todos os dias e me permitia jogar sem dor, ou pelo menos sem muita dor”, destacou Bernardo Atilano.
“Foi uma altura de muitas dúvidas da minha capacidade…”
A conquista no Brasil fez o português subir mais uma posição no ranking de badminton, sendo agora o número 109 mundial. O avanço é mais um indicador que o trauma do não apuramento à Tóquio 2020 está perto de ser enterrado de vez. Cinco vezes consecutivo campeão nacional individual, o atleta do CHE Lagoense é o principal jogador da modalidade em Portugal na atualidade. Era também a principal esperança de o badminton português ter um representante nos últimos Jogos Olímpicos. Uma frustração que, não é difícil notar, ainda dói em Bernardo.
“Obviamente que foi, na realidade, um dos momentos mais difíceis da minha carreira e da minha vida. Foi aquele primeiro grande objetivo que eu me propus e não consegui cumprir. Graças a Deus e ao meu trabalho e ao de todas as pessoas que estão comigo, todos os objetivos que eu me propus, consegui alcançá-los. Esse foi o primeiro grande que não consegui realizar. Foi uma altura de muitas dúvidas da minha capacidade, das minhas qualidades enquanto atleta e enquanto lutador”, disse.
“Mas depois percebi, após uma avaliação com a minha família e com o meu treinador, o que é que tinha corrido mal, o que é que tinha corrido menos bem e o que é que tinha corrido menos bem e o que eu poderia melhorar para o próximo ciclo. E eu respondi a essas questões e perguntei-me a mim mesmo: ‘ok, tens as capacidades para mudar o mal e o menos bem para fazer melhor agora? Sim, tenho’. Muitas dessas coisas foram melhores escolhas de torneios, passar mais semanas a treinar em centros espalhados pela Europa ou pelo mundo, com atletas do meu nível ou mais fortes do que eu, que consigam me vencer e eu consiga perceber o que eu preciso fazer para vencê-los. E também melhores condições a nível de treino, e um grupo de treino mais homogêneo. Felizmente, todas essas coisas estão a se alinhar e basicamente acho que estou mais maduro, estou com uma maturidade maior em termos de atleta e de pessoa”, avaliou-se o lisboeta de 26 anos.
Rumo à Paris 2024
Desde o último ciclo olímpico, o atleta da Equipa Portugal passou a ser contemplado com o programa Solidariedade Olímpica, que apoia a jovens esperanças olímpicas com vista à preparação dos Jogos Olímpicos, agora com foco em Paris 2024 e Los Angeles 2028. Com essa bolsa e os bons resultados recentes, Bernardo passou a ter um horizonte mais promissor, de maior “esperança” em atingir brevemente o sonhado top-100 e assim ver entrar pela primeira vez no quadro principal dos maiores torneios internacionais, facto que o aproximará de Paris 2024.
“Este é o segundo ciclo olímpico que eu estou a fazer com esta bolsa. Já tive também para os Jogos de Tóquio, quando não consegui o apuramento por quatro lugares, mas quero desta vez. A bolsa é sempre uma ajuda extra porque dá para um atleta fazer mais torneios do que aqueles que eu normalmente faço sem sobrecarregar os meus patrocinadores e o meu clube. Ou seja, tendo a ajuda da bolsa, tendo o meu clube como um dos maiores apoios e os meus patrocinadores pessoais, tudo isto dá para fazer muitos torneios e para consegui este apuramento olímpico que é um orçamento bastante grande para conseguir”, explicou o atleta que, desde os 12 anos pratica a modalidade.
Após o vice-campeonato alcançado no Brasil, Bernardo Atilano deslocou-se dentro do país de Teresina para São Paulo, onde estagiou com a seleção nacional brasileira. Nesta segunda-feira, dia 26, ele segue viagem para o torneio VIII Guatemala International Series 2022, que se realiza de 27 de setembro a 2 de outubro, na Guatemala. A estreia está agendada para o dia 29, já no quadro principal da disputa. Em seguida, estão na agenda do atleta dos algarvios do CHE Lagoense os Internacionais dos Países Baixos, de 11 a 14 de outubro, e o da República Checa, entre 20 e 23 do mesmo mês.
“Na Guatemala já será um torneio mais forte que este agora no Brasil, com mais pessoas de outros países. Mas o meu sorteio é bom para começar a entrar no torneio, para avaliar o pé e para depois continuar a vida no torneio conforme for avançando. Quero uma medalha neste torneio da Guatemala. E, muito rapidamente, até o final do ano, os meus grandes objetivos são fazer torneios internacionais e tentar o top-100 do ranking mundial. É o grande objetivo para este ano. Já é um objetivo que ando há muito tempo a tentar almejar. Agora estou mais perto do que nunca, no meu melhor ranking de sempre. Portanto, então este é o meu objetivo a nível internacional. Para isso, obviamente, é preciso manter a constância de bons resultados a nível internacional”, apontou, sem esquecer também dos compromissos nacionais.
“E a nível nacional, porque acho que são muito importantes também, daqui a três semanas vou ter o Campeonato Nacional de equipa de homens pelo meu clube e é revalidar o título que está connosco já há muitos anos. E, em novembro, quero revalidar o título nacional individual pela sexta vez consecutiva que são os meus grandes objetivos”, complementou.
A evolução do badminton português
Como uma referência no badminton nacional, Bernardo Atilano, aquando questionado sobre o desenvolvimento da modalidade em Portugal, destacou a hombridade dos atletas nacionais e o esforço da Federação Portuguesa de Badminton para fazer do desporto mais forte.
“Eu acho que isso [do desenvolvimento do badminton] leva a uma resposta com duas partes. Primeiro tem muito a ver com a cultura do nosso país em si. Todos os países que não têm uma cultura de badminton forte e que se desenvolveram nos últimos anos, por exemplo, os Países Baixos, a Alemanha, a França, a própria Espanha ao nosso lado, fizeram um trabalho de base muito importante e estamos a falar de um trabalho começado há dez anos. A Espanha hoje já tem uma bicampeã olímpica, uma bicampeã mundial, portanto existe um trabalho de base em mudar a cultura do país. Portugal, infelizmente, quer seja na comunicação social ou no desporto em geral, é futebol. Esses países são muito mais relacionados com desportos indoor, com raquetes. Então, a parte cultural está muito em volta disso”, começou por dizer.
“E depois, o CAR, os atletas que temos em Portugal, são atletas super trabalhadores, todos eles, sem pôr nomes, e hoje o badminton já me deu oportunidade de estar em várias partes do mundo, e já vi as condições que temos a comparar com os outros, e uma coisa que digo na brincadeira com o meu treinador, é que nós fazemos milagres com tão pouco. Porque nós jogadores de badminton somos realmente muito bons, a comparar com as condições que outros países têm, nós fazemos milagres. Os resultados que nós fazemos são sinais que somos muito bons, talentosos e sobretudo muito trabalhadores”, seguiu por analisar.
“Agora, como os outros têm vantagens muito grandes, basicamente muito mais jogadores a jogar badminton, o que significa que se têm mais quantidade a treinar todos juntos isso gera mais qualidade, e nós somos poucos, muito poucos. E não treinamos juntos. Isso que a Federação Portuguesa de Badminton está a trabalhar e vai começar a trabalhar no sentido em que possibilita estágios da seleção, mais sazonais, onde os melhores estejam concentrados e consigam treinar diariamente. Isso é uma solução ótima e aproveitar o Centro de Alto Rendimento, onde temos o melhor pavilhão para jogar na Europa. Super equipado, ótimo investimento. Basicamente isso que falta: um pouco de mudança cultural da parte dos portugueses. A outra parte é melhores condições em termos de treino para todos nós. Mas vejo com muito bons olhos o nível dos atletas portugueses, volto a dizer: nós fazemos muito com tão pouco”, concluiu Bernardo Atilano.