O corfebol segue internacionalmente dominado pela nação-berço, os Países Baixos. Mas há desenvolvimentos importantes em Portugal, o único país que ‘estragou’ a felicidade neerlandesa, em 2019, na variante de praia. Mário Almeida, presidente da Federação Portuguesa de Corfebol, explica-nos o contexto da modalidade e fala-nos da importância transversal da ética desportiva no desporto.
Esta entrevista, aqui parcialmente publicada, foi veiculada na íntegra na edição número 1 da revista SportMagazine, exclusivamente para assinantes. Se ainda não é, saiba como fazer para integrar o nosso grupo de leitores.
SportMagazine (SM) – Como é que devemos, em sua opinião, enquadrar as temáticas da ética desportiva, nomeadamente no corfebol, que é uma modalidade em que homens e mulheres fazem parte da mesma equipa?
Mário Almeida (MA) – Na prática corrente do corfebol, quer em Portugal quer nos palcos internacionais, há razoavelmente poucos incidentes relacionados por exemplo com questões de violência, racismo ou xenofobia. Este desporto tem mais-valias importantes, pelo facto de ser uma modalidade mista, ou seja, tem as partes da igualdade de género e da inclusão resolvidas à partida. Além disso, temos neste momento uma frente importante de desporto adaptado, sobretudo nas classes de defi ciência intelectual, com uma surpreendente adesão nos últimos três ou quatro anos, envolvendo 50 clubes com perto de 500 atletas em todo o País, em que a igualdade de género foi muito importante para o desenvolvimento dos praticantes.
Ainda em relação à ética estamos muito atentos ao fenómeno da violência sexual no desporto, uma caixa de Pandora entretanto aberta. Apesar do Corfebol ser um desporto misto, funciona obviamente com balneários separados e não tenho notícia de casos. Contudo, em todas as formações, quer no plano nacional de treinadores, quer de árbitros, secretários técnicos etc., temos uma disciplina muito dedicada à dopagem e à ética
desportiva.
SM – Essa formação ética deve ser adaptada aos diferentes segmentos etários de competição?
BS – Há aqui uma sobreposição de responsabilidade em relação às camadas que estão no mundo escolar. Muita desta formação deve começar na escola, porém, a formação de base sobre ética é muito limitada. Notamos muito essas lacunas relacionadas com a sensibilidade relativa à violência, à sexualidade, ao fair-play ou à dopagem. Há um desconhecimento muito grande. O corfebol desmistifica naturalmente a questão da violência, pois se um jogador me tirar a bola da mão é marcado um penálti. Por isso não há contacto, ao contrário de outras modalidades, onde o contacto e o roubo de bola podem potenciar experiências mais agressivas e, no limite, violentas. No corfebol, o contacto é sancionado com falta, o que favorece o fair-play.
SM – É também presidente do Panathlon Clube de Lisboa. Qual tem sido o papel do organismo nesta questão da ética desportiva?
MA – O Clube nasceu em 1979, ainda não tinha sido criada a Lei de Bases do Desporto e havia uma grande dificuldade em encontrar uma ponte entre a educação física nas escolas e o desporto propriamente dito, se bem que essa fronteira permaneceu de alguma forma até hoje. Talvez o mais recente Plano Estratégico para o Desporto Escolar tenha a preocupação de a esbater, mas cultivou-se durante décadas, junto dos professores de educação física, o paradigma de que o desporto federado era qualquer coisa estranha e que, no desporto escolar, não havia função nem intenção de criar atletas nem competidores futuros. Isto cria uma enorme dificuldade às federações desportivas em recrutar atletas, a não ser no futebol. Há um certo complexo em adotar uma modalidade desportiva muito cedo. O Panathlon releva a sua missão a todo o lado, porque também há dificuldade em debater temas complexos. Há tempos, fizemos uma sessão cujo tema era “Desporto e mudança de sexo”. Já debatemos apostas ilegais, corrupção, etc.. São temas polémicos, mas correspondem a realidades que existem. Além disso, Portugal e o Panathlon Clube têm-se tornado interlocutores muito relevantes entre os países do centro da Europa e os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, sobretudo no tratamento de algumas destas questões do foro da ética desportiva com incidências sociais muito relevantes, tal como o doping, o tráfico humano, aspetos relacionados com a violência, a integridade desportiva e a corrupção.
SM – Vivemos num Mundo em que a exigência de ganhar nunca foi tão intensa. Às vezes ganhar a todo o custo. Na sua opinião, como é que a formação ética deve ajustar-se a esta exigência que é real?
MA – Em Portugal entendeu-se a ética durante muito tempo como sendo algo do nível disciplinar e sancionatório. E criou-se a Autoridade Contra a Violência no Desporto (APCVD). Mas as coisas chegam à APCVD quando já aconteceram. Por isso, começa a ganhar corpo este sentimento profilático da ética, nomeadamente em matérias que têm a ver com a formação. Nós criámos no Panathlon Clube de Lisboa, a Universidade conjunto de alcavalas financeiras, de abonos e bolsas de diversa grandeza e despesas associadas que nós não temos capacidade financeira para assumir.
No corfebol, qualquer atleta mais jovem pode jogar na categoria sénior e continuar a jogar na categoria relativa à sua idade. Isto para lhe dizer que quando estamos a falar de carreiras de longo prazo, acabamos por ter aqui um naipe de jogador que ao longo do seu percurso têm prestações de relevo e uma vivência em todos os escalões.
*MÁRIO ALMEIDA, 67 anos, nasceu em Torre de Moncorvo, licenciou-se em Engenharia Informática no Instituto Superior de Informática e Gestão, e é mestre em Gestão pela University of Wales. Presidente da Federação Portuguesa de Corfebol desde 2011, terminará o terceiro e último mandato em junho de 2024. É também presidente do Panathlon Clube de Lisboa desde 2019 e foi membro da direção da Confederação do Desporto de Portugal entre 2019 e 2020.