Uma das figuras de proa da natação de elite portuguesa, Tamila Holub vive uma temporada em que pode fazer história. Aos 23 anos, a atleta do SC Braga pode tornar-se, em 2023, a primeira nadadora de sempre do país a disputar três Jogos Olímpicos (e de forma consecutiva). É ainda a primeira portuguesa a estar presente em duas finais nos mesmos Campeonatos da Europa, o que ocorreu no ano passado nos 800m (6.º lugar) e 1500m livres (5.º lugar), em Roma 2022. A atleta olímpica conseguiu deixar para trás com louvores um ano que tratou como sendo dos mais “complicados” da carreira. Em entrevista à SportMagazine destaca que o foco agora volta a 100% para alcançar os mínimos para Paris 2024.
A nadadora treinada por Luís Cameira justifica o cansaço do ano pós-olímpico, como foi 2022, como uma das razões para a “estafa” que a fez fazer uma pausa de um mês das piscinas após Tóquio-2020 e seguir numa parte do ano passado ainda num ritmo menos forte. Numa época em que pouco esperava, muito conquistou. Acabou por ir muito fazer história nos Europeus, além de ter mantido bom nível nos Jogos do Mediterrâneo com dois quintos lugares nos 400m e 800m. Em dezembro, acabou o ano com mais títulos nacionais nessas duas mesmas provas, além de uma prata nos 1500m – onde foi superada apenas pela olímpica das águas abertas Angélica André.
“Eu fiquei mais do que satisfeita porque era um ano em que eu não tinha nada a espera. Ou seja, eu não estava a contar com nada, queria fazer só o necessário sem nenhum grande objetivo traçado. O objetivo era mesmo apenas fazer o mínimo para o Europeu e voltar a integrar o Plano de Preparação Olímpica. Era esse o grande objetivo. Felizmente, consegui. Mas foi um ano bastante duro. Não estava a contar que conseguisse o resultado que consegui porque é aquele ano pós-olímpico e para mim foi muito complicado”, afirmou.
Questionada sobre o porquê de ter sido um ano tão complicado, Tamila Holub explicou que se sentiu sobrecarregada, com demasiada carga emocional a suportar, e relevou que precisou pontualmente de recorrer a ajuda psicológica. “Porquê complicado? A ressaca dos olímpicos… Neste momento, não conheço nenhum atleta que não tenha passado mal depois dos Jogos. Foi um ciclo atípico. Não foram quatro anos, foram cinco. Isso faz muita diferença. Pessoalmente, fiquei muito gasta, fiquei muito saturada da natação. Tive que parar um mês em novembro, dezembro [ainda em 2021], porque não conseguia mesmo olhar para uma piscina”, contou, que destacou o apoio emocional que recebeu.
“Relativamente à saúde mental, isso tem evoluído muito. Especialmente em termos de Portugal a nível nacional. Montámos mesmo equipas, falo por experiência própria, o Sporting Club Braga neste momento tem um psicólogo desportivo. É importante isso, se cada equipa pudesse ter algo do género seria incrível. Mas até não tendo a equipa, a Federação [Portuguesa de Natação, ou o Comité Olímpico de Portugal, eles proporcionam no Zoom um psicólogo. Eu posso dizer que as coisas estão realmente a evoluir bastante”, disse, antes de completar.
“Sinto que ainda há aquele estigma. Acho que ainda é mais fácil para uma rapariga falar que tem um problema do que um rapaz. Acho que nisto até tenho mais sorte. Acho que nós temos um bocado, não é menos medo, mas acho que para um homem atleta as coisas são mais complicadas porque sinto que em Portugal às vezes ainda pode haver aquela mentalidade de ‘ele está a choramingar’, ou coisa do género. Infelizmente, ainda estamos um bocado ali. Mas, mais uma vez, comparando com há cinco anos, estamos a anos luz. Nem se compara”, detalhou.
Logo após alcançar o melhor resultado de sempre num Europeu, com um quinto lugar que igualou as melhores posições de Catarina Monteiro (200m mariposa – 2018) e Camila Rebelo (200 costas – 2022), Holub realizou uma publicação que classificou como “desabafo” [ver abaixo, ao final da peça] nas redes sociais para “que as pessoas compreendam que a vida de um atleta de alto rendimento é uma luta interminável”. Sobre aquela passagem, destacou que as pessoas alheias ao mundo do desporto ainda não compreendem muito bem o tamanho da pressão vivida por um atleta do alto rendimento.
“O desabafo para mim foi importante dizer isso às pessoas. Pessoalmente, não sinto que seja uma pessoa muito aberta. É fácil para mim dar entrevistas, falar com outras pessoas, mas quando chegam as coisas mais íntimas, não gosto muito de partilhar porque sinto que não gosto de sobrecarregar as pessoas com os meus problemas. Os atletas têm que lidar com muita pressão e infelizmente as pessoas não têm noção do que é a nossa rotina. Podemos estar todos os dias a treinar cinco horas por dia. Mas as pessoas não têm noção, pensam que estamos a fazer hidroginástica. Não vale a pena estarmos a falar do mesmo, sinto que não há informação suficiente sobre o que é o desporto de alto rendimento e como ele funciona. Por isso, é normal. As pessoas esperam muito de nós. Os meus vizinhos podem perguntar quando eu vou trazer o ouro dos Jogos Olímpicos e, por mais que eu queira, é complicado. Há pouco informação, infelizmente”, lamentou.
Desde muito cedo Tamila Holub convive com o desporto de alto rendimento. Na época 2015/2016, se tornou campeã da Europa de Júnior aos 1500m e vice-campeã aos 800m livres. Ainda em 2016, participou aos 17 anos do primeiros Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro, quando foi 24.ª classificada nos 800m. Em Tóquio 2020 foi 22.ª nos 1500m e 25.ª nos 800m. A olhar para trás e fazer um paralelo entre a Tamila do Rio 2016 para a Tamila que disputa o apuramento para Paris 2024, a nadadora destaca a sua evolução pessoal, mas a manutenção da sua essência.
“Eu acho que posso dizer, e espero acreditar, que no interior mantenho-me o mais igual possível, continuo entusiasmada, mas ao mesmo tempo fico feliz por saber que a cada ano estou a evoluir. Olho para trás, olho para o ano passado e vejo que consegui a evoluir como pessoa. Aprendi algo novo. E para mim isso é muito importante”, disse, a seguir sobre os objetos que guarda para este ano.
“Todos nós estamos a fazer um grande pico de forma para os mundiais em Fukuoka [Campeonato do Mundo, em julho] para tentar fazer lá os mínimos. Até lá, vamos participar em diferentes provas internacionais. Por acaso, este ano, o calendário está muito completo, temos muitos estágios, muitas provas. Vamos competir com os melhores e isso vai trazer um bom ritmo desportivo. Vamos ter também os nacionais em março e abril, onde vamos fazer um mini taper só para ver como nos sentimos. Mas acho que o grande ponto vai ser Fukuoka para tentar fazer lá os mínimos e não deixar para o fim”, completou.
Tamila Holub segue até o dia 3 de fevereiro no estágio de altitude, em Font Romeo. Ela está acompanhada, entre outros, pelo treinador Luís Cameira, e pelos seguintes nadadores: Camila Rebelo (ALN); Diana Durães (SLB); Mariana Cunha (CNCE); Ana Catarina Monteiro (CFV); Gabriel Lopes (ALN). Dois nadadores compõem a equipa de natação adaptada: Diogo Cancela (ALN) e Tomás Cordeiro (CNCE).