Por Sérgio Monteiro*
Está bem documentado na literatura científica que a incidência de lesões no andebol é significativamente maior durante o jogo do que no treino o que, provavelmente, pode ser explicado por um jogo mais intenso, comportamentos mais agressivos e mais contato entre os jogadores.
Na competição ocorrem mais lesões no ataque do que na defesa, o que significa que a maioria das lesões acontece quando a equipa está com a posse de bola no meio-campo do adversário. O risco de lesão relacionado com a perda de tempo (ou seja, lesões que levam à ausência de um treino ou jogo por pelo menos 1 dia) parece ser o mais comum. Para além disso, a taxa de lesões pode variar de acordo com a posição, idade e/ou sexo do jogador (1,2)(1) (2).
Se observarmos outras modalidades, o cenário é semelhante. Um trabalho de investigação (3) onde colaboraram vários especialistas na área do desporto de elite concluiu alguns pontos-chave que se deve ter em atenção para a redução do risco de lesão:
- Qualidades físicas como a capacidade de sprint, corrida de alta velocidade e exercícios excêntricos foram destacados como particularmente importantes num programa de prevenção de lesões;
- Parecem existir alguns métodos de treino que são considerados eficazes e devem ser considerados ao projetar programas de treino. Por exemplo, é o caso do método pliométricos, treino com plataforma instáveis, treino de velocidade, entre outros;
- Estratégias que incluam unidades de treinos multidimensionais.
Para explicar o desenvolvimento do andebol português, teríamos que começar pela base aqui explicada. Acreditamos que os clubes têm melhorado em larga escala a qualidade do processo de treino. O foco dado ao desenvolvimento das qualidades físicas, onde a fisiologia, anatomia e biomecânica têm uma enorme importância para o desenvolvimento de unidades de treino com mais qualidade e sentido.
O estado da arte
Ao observarmos a atual ciência publicada internacionalmente, percebemos que é necessário continuar a melhorar o nosso conhecimento sobre os aspetos, que não sendo treino, assumem grande relevância neste processo.
Por exemplo, uma investigação na área nutricional (4) revelou que os suplementos de proteína tomados agudamente, apesar de contribuírem para o aumento da síntese de proteínas e sinalização intracelular anabólica, não fornecem reduções consideráveis no dano muscular induzido pelo exercício, traduzindo-se na ausência de melhoria na recuperação da função muscular. Esta falta de efeito pode ser explicada pelos diferentes cursos de tempo entre uma lesão muscular aguda e o turnover da proteína muscular, já que as adaptações ao turnover da proteína muscular são um processo relativamente lento.
Outro aspeto importante prende-se com o balanço energético. De facto, este tem uma posição de destaque na sustentação da massa muscular. Assim, tendo em conta que um atleta lesionado diminui sua atividade física, as suas necessidades de consumo de energia também serão menores. Em suma, a ingestão adequada de energia por parte do atleta deve ser a primeira consideração nutricional, pois o balanço energético negativo acelera a perda muscular, especialmente no período de desuso/imobilidade (5). Estes são só alguns exemplos focados no campo nutricional, onde ainda existe um longo percurso a fazer. Não pela falta de profissionais especializados (Nutricionista) – felizmente contamos com excelente formação reconhecida – mas, sobretudo porque continuamos, muitas vezes, a descuidar estas áreas que, na verdade, são grandes pormenores que fazem a diferença, não só no rendimento desportivo, como também na redução do risco de lesão. Outra área de grande interesse por parte a ciência no que se refere às lesões desportivas passa pela monitorização da carga de treino. Existem, hoje, diversas ferramentas que podem ser utilizadas pela equipa multidisciplinar de carácter subjetivo ou objetivo. No âmbito subjetivo, incluem-se:
1) Questionários de bem-estar: São questionário dados ao atleta para que ele avalie como se sente. Geralmente contêm um conjunto de perguntas relativas à qualidade de sono, ao nível de stress atual, dores no corpo (musculares) ou fadiga generalizada (6)
2) Escala de perceção subjetiva de esforço (muito conhecia como RPE – sigla em inglês para “rate of perceived exertion”). Trata-se de uma escala utilizada na sessão de treino ou jogo que tem sido proposta como um método válido, simples, não invasivo e de baixo custo para a monitorização da carga de treino. O uso do método RPE na sessão de treino é considerado uma ferramenta prática, já que apresenta fortes correlações com a frequência cardíaca, VO2 máx e lactato sanguíneo. Assim, por meio da pergunta “como te sentes agora?”, é possível identificar de maneira subjetiva como se encontra o sistema nervoso central. Este método é utilizado hoje por mais de 950 estudos científicos, sendo também utilizado na maioria dos clubes de elite (7)
Relativamente às ferramentas objetivas, podemos utilizar, por exemplo, o salto contramovimento (conhecido por CMJ, do inglês “countermovement jump”). Representa um método bastante utilizado para monitorizar a fadiga periférica devido à sua simplicidade e ao facto de a sua utilização ser eficiente em termos de tempo. O teste CMJ pode ser usado para medir potência, velocidade e/ou deslocamento de salto. Uma meta-análise que incluiu 151 artigos, verificou que a altura média no CMJ é mais sensível à fadiga neuromuscular do que a maior altura identificada no CMJ. Este teste tem, normalmente, como critério a realização de 3 tentativas (8).
Resumindo, o importante é escolher métodos de avaliação/monitorização válidos, consistentes e práticos.
A monitorização é, simplesmente, um método de avaliar a aptidão de um atleta para treinar ou competir. É fácil perceber como isso pode ser extremamente importante para os profissionais que procuram levar o atleta/equipa ao próximo nível. No entanto, monitorizar não é uma tarefa simples. Existem inúmeras práticas subjetivas e objetivas que podem ser usadas para monitorizar cada atleta, variando no grau de complexidade e na validade científica.
Deste modo, antes de implementar um sistema de monitorização, a equipa técnica deve determinar quais os métodos apoiados pela investigação, quais deles são passíveis de ser usados no seu contexto, bem como qual o mais adequado para os atletas ou equipa. Ter um conjunto de dados consistentes e precisos para trabalhar dará os melhores resultados e, por sua vez, terá um efeito positivo no rendimento de cada atleta, melhorando, assim, a qualidade do treino.
Ensino académico, grau de rigor
Isto pode ser um problema, não pela falta da ciência produzida em Portugal, mas sim, no que se refere à discussão crítica e reflexão da ciência lida. Tenho presente para mim, a definição de ciência como “um conjunto sistemático de acontecimentos validados pela prática”. Lembro-me de ler esta frase há já alguns anos mas, para mim, continua com um carácter muito atual. De facto, quando estamos a ler ciência, devemos 1) perceber o enquadramento do estudo; 2) refletir sobre a sua metodologia, (nº de participantes, métodos de avaliação, população alvo…); 3) perceber a sua validade e utilidade na prática; 4) fomentar uma discussão crítica para perceber a sua exequibilidade e pertinência no contexto em que estamos inseridos. A ciência é um guia de orientação, não devendo ser observado como uma receita.
Analisando friamente a ciência desenvolvida na área das ciências do desporto, podemos observar um crescente rigor na sua elaboração, com cada vez mais artigos a terem revisão por pares. Este facto traduz-se numa melhor da qualidade metodológica e maior segurança para o leitor. Em Portugal vários investigadores tanto provenientes de contextos académicos, como da prática profissional (no terreno) desenvolvem ciência com muita qualidade, que tem vindo a ser cada vez mais publicada em revistas de referência internacional (9) (10) (11)…
Contudo, é importante realçar que a ciência produzida, quando mal interpretada ou, até, não observada criticamente, não vai melhorar, por si só, a qualidade do treino. Existe um outro campo de intervenção que é de extrema importância para a redução do risco de lesão, a educação atlética. Apesar de ainda não haver muita investigação neste âmbito, há cada vez uma maior ênfase na educação atlética, já que pode trazer benefícios a longo prazo. Mais do que uma bola de cristal para adivinhar quando vai ocorrer a lesão ou qual o exercício milagroso capaz de a prevenir, a sensibilização para um processo de treino informado por parte do atleta é cada vez mais aceite. De facto, um atleta que perceba porque está a fazer determinado teste, exercício ou a pertinência de um dado método vai 1) estar mais motivado para treinar; 2) melhorar a sua qualidade de treino.
Em princípio, os atletas mais cientes da importância da nutrição ou do sono, terão mais facilidade em adotar os comportamentos desejados, nomeadamente a ingestão alimentar devida em função do momento da época; bem como a importância de não estar ligado a atividades de ecrã até tarde, garantindo uma boa noite de sono. Continuamos, portanto, a focar nos grandes pormenores que são bases para a diminuição do risco de lesão.
Contudo, não podemos correr o risco de dizer que existe uma estrutura (receita) para prevenir lesão. O que existe é a melhoria da qualidade de treino e dos aspetos que o influenciam (qualidades físicas, nutrição, recuperação). Se respeitarmos esta base, temos tudo para reduzir o risco de lesão.
Incidência de lesões no andebol
Várias investigações analisaram a incidência de lesões no andebol em atletas amadores. No entanto, o seu estudo em atletas de alto rendimento é ainda muito limitado. Um estudo analisou as lesões em competições internacionais de andebol, de ambos os sexos, ao longo de seis meses, usando um relatório de lesões pré-concebido. Os médicos de todas as equipas presentes nas competições foram solicitados a relatar todas as lesões após cada jogo num formulário padronizado. A taxa média de resposta foi de 87%. Os resultados indicaram que a incidência de lesões foi, em média, 108 lesões/1000 horas de jogo. Os membros inferiores (42%), a cabeça (23%), os membros superiores (18%) e o tronco (14%) foram as localizações das lesões mais frequentemente reportadas. O diagnóstico mais frequente foi contusão de cabeça (14%) e a entorse de tornozelo (8%). A maioria das lesões foi causada pelo contacto com outro jogador e em jogo. A incidência de lesões com perda de tempo foi, em média, 27/1000 horas de jogador, sendo significativamente maior em homens do que em mulheres (12).
Numa outra investigação, 186 jogadores de 16 equipas de 2 divisões principais de andebol masculino foram observados durante uma época para estudar a incidência de lesões em função das horas de exposição a jogos e treinos. Noventa e uma lesões foram registadas.
A incidência de lesões foi avaliada em 2,5 lesões por 1000 horas de jogo, com uma incidência significativamente maior em lesões de jogo. De um modo geral, observou-se que a incidência de lesões foi maior no grupo com um nível de rendimento inferior. Por outro lado, a incidência de lesões em jogos foi maior no grupo de alto nível. O membro superior foi identificado em 37% das lesões e o membro inferior em 54%. O joelho foi a articulação mais lesada, seguido pelos dedos da mão, tornozelo e ombro.
Lesões no joelho foram as lesões mais graves e foram mais frequentes em jogadores de alto rendimento. O mecanismo de lesão revelou um grande número de lesões ofensivas, um terço delas ocorrendo durante o contra-ataque. O padrão de lesão mostrou certas variações em relação à posição do jogador e nível de desempenho (14).
Se observarmos outras modalidades coletivas, conseguimos perceber que existem alguns padrões semelhantes ao andebol, com o membro inferior a ser o mais afetado (com foco no tornozelo e joelho). (13)
Devido à natureza complexa das lesões desportivas, a responsabilidade pela gestão do risco de lesões não deve ser focada isoladamente num único domínio da prática profissional. A colaboração interdisciplinar entre treinadores técnicos/táticos, fisiologista do exercício, médicos e fisioterapeutas provavelmente terá um impacto significativo na diminuição do risco de lesões (15).
*Sérgio Monteiro é fisiologista e coordenador da Unidade Saúde e Rendimento da Federação de Andebol de Portugal.
Bibliografia
1. MECHANISMS OF INJURIES IN HANDBALL.
2. Swain M, Kamper SJ, Maher CG, Broderick C, McKay D, Henschke N. Relationship between growth, maturation and musculoskeletal conditions in adolescents: a systematic review. British Journal of Sports Medicine. 2018;52(19).
3. McCall A, Pruna R, van der Horst N, Dupont G, Buchheit M, Coutts AJ, et al. Exercise-Based Strategies to Prevent Muscle Injury in Male Elite Footballers: An Expert-Led Delphi Survey of 21 Practitioners Belonging to 18 Teams from the Big-5 European Leagues. Sports Medicine. 2020;50(9).
4. Nutrition for the Prevention and Treatment of Injuries in Track and Field Athletes.
5. Sousana K. Papadopoulou. Rehabilitation Nutrition for Injury Recovery of Athletes: The Role of Macronutrient Intake. Nutrients. 2020;
6. Anna E Saw MKLCMPBG. Athlete Self-Report Measures in Research and Practice: Considerations for the Discerning Reader and Fastidious Practitioner. Sports Physiol Perform . 2017;
7. Monoem Haddad GSLDAD and KC. Session-RPE Method for Training Load Monitoring: Validity, Ecological Usefulness, and Influencing Factors. Frontiers in Neuroscience.
8. João Gustavo Claudino countermovement jump to monitor neuromuscular status: A meta-analysis. Journal of Sports Science & Medicine. 2015;
9. Silva NTBGBBJAE. Pre-match Warm-Up Dynamics and Workload in Elite Futsal. 2020;
10. Eduardo Abade, Nuno Silva,Ricardo Miguel Gonçalves Ferreira,Jorge Baptista,Effects of Adding Vertical or Horizontal Force-Vector Exercises to In-season General Strength Training on Jumping and Sprinting Performance of Youth Football Players. The Journal of Strength and Conditioning Research. 2019;
11. Portuguese Football Federation consensus statement 2020: nutrition and performance in football. Sport & Exercise Medicine.
12. G. Langevoort GMJDAJ. Handball injuries during major international tournaments. The Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports. 2006;
13. Seil R RSTSKDSI in THandballTAJ of SMedicine. Sports Injuries in Team Handball – Seil R, Rupp S, Tempelhof S, Kohn D. Sports Injuries in Team Handball. The American Journal of Sports Medicine. The American Journal of Sports Medicine. 1998;
14. Malin Åman MF& KL. National injury prevention measures in team sports should focus on knee, head, and severe upper limb injuries. SPORTS MEDICINE. 2018;
15. Jason C. Tee SBRCJKI van RD van WKT and BJ. The efficacy of an iterative “sequence of prevention” approach to injury prevention by a multidisciplinary team in professional rugby union. Journal of Science and Medicine in Sport. 2019.