Lorene Bazolo foi, ao longo da carreira, uma atleta especialista em superar obstáculos. Mais do que recordes dentro das pistas, alcançou resultados que fazem da atleta brilhante também na vida. A poucos dias de completas 39 anos (a 4 de maio), a velocista do Sporting conversou com a reportagem da SportMagazine sobre o percurso realizado na carreira, a rotina atual (dividida entre treinos e estudo) e os planos para o que há de vir.
Imparável, embora admita já pensar no fim da vida de atleta, Lorene Bazolo segue a quebrar recordes. A cada nova corrida, um sonho é alcançado na carreira da atleta que começou a correr aos 24 anos. Natural do Congo, onde deixou uma guerra civil para trás ainda na adolescência (assunto este, que ela optou por não tratar), desde 2013 vive em Portugal. A velocista esteve nos últimos três Jogos Olímpicos (Londres 2012, Rio de Janeiro 2016 e Tóquio 2020, sendo os dois últimos já naturalizada portuguesa).
Nas pistas, Bazolo segue a sonhar. Ou melhor, a quebrar recordes. No último ano, bateu três vezes o recorde nacional dos 100 metros. Tornou-se também a mais rápida de sempre a cumprir os 200m (este último, de Lucrécia Jardim, tinha 25 anos).
No mês passado, derrubou mais um recorde nacional que durava desde 7 de fevereiro de 1998, quando correu os 60 metros em 7,18 segundos (a segunda melhor marca portuguesa de sempre), chegando ao top-25 mundial neste ano. Foi este ano ainda medalha de bronze no Meeting de Mondeville.
Agora espera, em Paris 2024, alcançar mais um sonho e chegar aos 41 anos à quarta participação em olimpíadas. “Há que acreditar no sonho porque nada é fácil”, afirma.
SportMagazine (SM) – Às vésperas de completar 39 anos, continua a bater recordes e conquistar medalhas. Como explica viver tão bom momento com uma idade que, em geral, para atletas, é uma fase de queda nos rendimentos?
Lorene Bazolo (LB) – Para mim é simplesmente fantástico chegar aos 38 anos e seguir conseguindo fazer boas marcas, a superar-me todos os dias e a inspirar à nova geração de atletas. Posso mostrar que o impossível existe apenas na nossa cabeça e que com o trabalho, paciência, persistência, fé, e saúde acima de tudo, nós conseguimos concretizar os nossos objetivos e sonhos. A idade é só um número “pesado” na cabeça do outros.
SM – Como funciona a sua rotina de treinos?
LB – Este ano a minha rotina mudou por completo. É cada vez mais difícil e complicada de gerir. Mas, graças a Deus e ao meu treinador quem está saber gerir o meu novo desafio, estou a conseguir ser no alto rendimento. É assim que conseguimos mais um recorde nacional e uma meia final no campeonato do mundo. Voltei a estudar de manhã, das 9h00 às 14h00, de segunda a sexta-feira. Entre as 15h00 e às 18h00, por seis vezes na semana, estou nos treinos. Depois das 18h, faço a minha rotina de recuperação, com massagem, fisioterapia etc., até quase às 19h30. Depois, volto para casa para estudar, organizar o próximo dia de aulas e treinos. É mais ou menos assim que funciona.
SM – Já afirmou em outras entrevistas que aprendeu muitas coisas novas quando chegou em Portugal aos 30 anos. Qual a relevância do vosso treinador, o Rui Norte, no seu desenvolvimento e o que aperfeiçoou quando cá chegou?
LB – Sim, aprendi muito como profissional com o Rui Norte. Eu posso afirmar que quando comecei a treinar com ele tinha talento e era a melhor nacional com 7’30” nos 60m, 11’38” nos 100m e 23’34” nos 200m. Mas, tecnicamente, na pista era péssima. No ginásio, também havia muita coisa que não sabia fazer como velocista. Houve mais coisas, mas esses são os pontos chaves. Só posso dizer que desde que começámos a trabalhar, eu aprendi e continuo a aprender com ele, sobretudo com a técnica na pista e no ginásio.
SM – Já bateu recordes e é campeã nacional nos 60m, 100m e 200m. Tem alguma prova que diria ser mais a sua especialidade? E qual a diferença técnica entre cada uma delas?
LB – Não, a minha especialidade é mesmo a velocidade. Sinto-me bem e feliz como especialista de velocidade curta e acho que desde o início fui bem orientada nisso. Tecnicamente, não há uma grande diferença entre as provas. Acho que a diferença é mais no nível de exigência de cada prova. Por exemplo, os 60m é uma corrida muito mais rápida e muito explosiva que não dá tempo para corrigir erros e voltar a estar na luta com os teus adversários. Tudo tem que estar perfeito. Mas no 200m, eu consigo corrigir rapidamente um erro e voltar a estar dentro duma corrida e ir à luta.
SM – Quais os objetivos a curto prazo da Lorene para este ano? Superar mais marcas pessoais?
LB – O meu objetivo a curto prazo é continuar a trabalhar, a dobrar, e mesmo triplicar os trabalhos para conseguir estar ao meu melhor nível nas provas internacionais de Verão, principalmente no Mundial e nos Europeus, onde eu estava entre as seis melhores do continente nos 100m e nos 200m no fim da época passada. Quero lutar para estar mais uma vez neste nível, mas tudo depende também de Deus e não só de nós. Por entanto, eu e o meu treinador vamos fazer a nossa parte, trabalhar duro e ter fé para que isso se concretize.
SM – Paris 2024 é um sonho possível?
LB – Paris 2024! Nada é impossível com Deus, fé, saúde e trabalho tudo é possível. Que a vontade de Deus seja feita. Mas até hoje estou e trabalho nesta direção: Paris 2024!
SM – Tem em mente quando pretende encerrar a carreira ou não pensa nisso ainda? E já agora, o que pensa fazer em seguida?
LB – Penso e não penso nisso. Só Deus saberá o dia, as horas e o ano certo. Por enquanto, estou aqui a aproveitar da minha boa forma física e mental para fazer aquilo que gosto de fazer. Mas para o meu futuro estou também numa boa direção e trabalho para isso.
SM – Patrícia Mamona e muitos atletas já elogiaram a sua longevidade. Sente que é um exemplo a ser seguido para os mais jovens?
LB – Fico contente de saber, mas a Patrícia e vários outros atletas, como o Francis [Obikwelu] e a Naíde [Gomes, ambos atletas históricos de Portugal], e mesmo alguns mais jovens, também me inspiram. Já recebi várias mensagens de jovens que se inspiram em mim e fico feliz que seja assim. Sim, acho que não só por bater recordes, mas também por ser aquela pessoa que apesar de seguir o sonho de atleta, nunca deixei de estudar. Tive um mestrado e só depois segui o meu sonho. Acho é bom para os jovens perceberem isso, que é possível fazer as duas coisas e ter sucesso. E que a vida é uma luta, nada fácil, mas possível com trabalho.
SM – Está desde 2013 em Portugal. Qual o maior desafio em ser imigrante?
LB – O melhor desafio é de estar aqui sem a minha família, ter que aprender uma nova língua. Há vários, mas esses são os dois principais.
SM – Gostaria de deixar uma mensagem para os jovens que admiram a Lorene e gostaria de um dia ser uma atleta como você?
LB – Gostava de dizer aos jovens que me admiram que eles um dia podem ser melhores do que eu. Espero que possam aproveitar todas as oportunidades que há hoje para trabalhar. Há que acreditar no sonho porque nada é fácil. Não se pode baixar os braços ao primeiro fracasso, mas com a paciência, persistência, todos podem chegar muito mais longe que eu, seja no desporto ou no estudo. É possível ter sucesso nas duas coisas.