João Geraldo, português número 62 do ranking mundial, alcançou um novo patamar na carreira. Ao eliminar o número 3 do mundo, na última sexta-feira, apresentou ao universo do ténis de mesa as qualidades que o credenciam a se tornar um adversário duro de ser superado. Mais do que isso: confirmou que vive a melhor fase da carreira e está pronto para disputar com os principais mesatenistas, ponto a ponto, qualquer prova no circuito internacional.
Em conversa com a SportMagazine, o atleta transmontano, natural de Mirandela, não esconde o sabor especial do momento. Após superar o brasileiro Hugo Calderano (3.º) no Smash de Singapura, fez um jogo equilibrado com o sueco Kristian Karlsson, número 28 do mundo, mas acabou eliminado nos 16 avos de final da prova. O principal já estava cumprido: “Depois de uma vitória sobre ele [Hugo Calderano] senti que tinha feito um grande torneio”, avalia.
O português de 26 anos não tem dúvidas que está a ser a sua melhor época de sempre. Em 2021, conquistou o campeonato francês pelo Loups d´Angers, a equipa que representa desde 2018. Além disso, foi também campeão nacional individual em Portugal. Nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, acabou por ser ficar como suplente da equipa formada por João Monteiro, Marcos Freitas e Tiago Apolónia. João Geraldo não esconde o sonho de ir além em Paris 2024.
Na sequência de um momento positivo, inicia na próxima sexta-feira o WTT Contender Doha, competição que vai ter lugar no Lusail Sports Arena em Doha, no Qatar. Apesar de saber que a partir de agora esperarão de si novas surpresas, o mirandelense tratou com cautela e serenidade os próximos desafios. Confira na entrevista.
SportMagazine (SM) – Como avalia a participação no Smash de Singapura, especialmente após sair da competição com uma vitória diante do Hugo Calderano?
João Geraldo (JG) – Avalio que é muito positivo. Só o facto de ter entrado no mapa final, ter passado da fase de qualificação. Toda a gente sabe que a fase de qualificação é muito difícil e depende também um pouco do sorteio. Tive um primeiro jogo muito difícil na ronda de qualificação em que estive a ganhar por 2-0, entretanto o Marcos Madrid (89.º), jogador mexicano, empatou e eu acabei por conseguir ganhar no quinto set. No jogo a seguir já foi mais acessível e só o facto de entrar no mapa já era uma participação positiva. Depois, quando veio o sorteio o Hugo era um dos mais complicados que poderia calhar. Mas encarei o desafio e depois de uma vitória sobre ele senti que tinha feito um grande torneio já. Mas isso também não implicou que eu baixasse a minha motivação ou a minha ambição no jogo seguinte.
SM – Mas esperava que pudesse passar do número 3 do mundo?
JG – É óbvio que antes do sorteio sabia que tinham oito jogadores que poderiam me calhar e na minha cabeça tinha selecionado quatro que eram difíceis e quatro que eram acessíveis. O Hugo era um dos que era difícil. Mas quando passou um tempo após o sorteio, analisei os jogos dele, vi uns dez vídeos só para tentar perceber como é que eu poderia complicar o jogo dele ou até equilibrar. Mas eu senti-me bastante confiante antes de começar o jogo. Também sabia que seria o primeiro jogo dele. Senti-me bastante relaxado, no fundo quem tinha a pressão era mais ele do que eu. E eu senti que precisava fazer o meu jogo, queria dar o meu melhor e acima de tudo eu sabia que tinha nível para competir com jogadores assim. Já há algum tempo que tenho feito bons torneios, bons jogos contra jogadores do top-20, mas infelizmente tenho perdido sempre, embora com jogos equilibrados. Nunca houve uma vitória marcante no último ano que pudesse prever essa vitória. No entanto, fiz bastantes jogos em que estive muito próximo de ganhar e agora acabou por ser o mais forte que eu defrontei nos últimos anos, pelo menos na lista do ranking, e acabei vitorioso.
SM – Ano passado viveu a sua melhor época juntando o campeonato francês ao título de campeão nacional individual em Portugal. Avalia que está a passar pelo melhor momento na carreira?
JG – Sim, sem dúvida. Sinto que neste momento estou a ter o meu melhor desempenho, a melhor performance da minha carreira é sem dúvida agora. Quando digo agora, digo desde o último ano e tudo o que está a decorrer agora. Sinto também que quando iniciou-se tudo isso do Covid-19, pandemia, quarentena, sinto que foi um pouco um reset para mim em que comecei a encarar as coisas de uma maneira diferente. Sinto que comecei a dar mais de mim para a minha carreira. Sinto que isso me ajudou. Agora estou num bom caminho e é só continuar.
SM – Agora já se prepara para WTT Contender Doha. Podemos esperar novas surpresas nessa competição?
JG – É óbvio que após ganhar a um top-5 mundial, as pessoas poderão estar a espera que eu comece a ganhar tudo e mais alguma coisa ou que eu possa conquistar mais vitórias assim. Mas é preciso perceber o que eu disse relativamente ao nível de jogar contra jogadores top-20: o nível é muito parecido. Também acontece com os jogadores de nível mais baixo. O meu ranking é D-60. Isso não implica que eu jogando com jogadores top-100 que eu não posso perder. O nível em que nós estamos é mesmo muito semelhante, muito parecido e basta um dia estarmos menos bem ou outro jogador estar inspirado e é claro que pode acontecer ter uma derrota pior e temos que encarar isso com naturalidade. É óbvio que depois do resultado que fiz vou estar com expetativas que posso fazer algo mais, mas é preciso ter os pés no centro da terra e encarar os jogos com naturalidade e com calma. Com o decorrer do torneio também poderei formar novas expetativas.
SM – A longo prazo é possível pensar já em Paris 2024?
JG – Sim, claro que eu penso, sem dúvida. Sinto mesmo que estou num nível para me qualificar para Paris 2024. É óbvio que primeiro temos que nos qualificar como equipa. Mas sinto que sou uma das opções para representar Portugal lá. Estou a fazer por isso, os meus resultados falam por isso neste momento, tendo em conta o panorâma nacional e internacional. Penso que sou um dos que deveria, ou pelo menos neste momento, que deveria ser uma aposta para estar em Paris 2024.
SM – Por fim, como avalia o desenvolvimento do ténis de mesa em Portugal e o que podemos ainda melhorar para aumentar o nível?
JG – Eu comparo com Alemanha, França, os países asiáticos, e Portugal está sem dúvida uns passos atrás desses países. Eu sei que na Alemanha eles podem ter um leque de 15 jogadores, tirando os quatro ou cinco melhores, tem outros 15 com nível altíssimo e só entre eles conseguem melhorar, treinar e ter um nível de treino elevadíssimo. Isso sem falar nas camadas jovens. O mesmo acontece no Japão, China, Coreia do Sul, França. Esses países têm uma cultura que os permitem treinar com alta qualidade, alto nível dentro do país. Nós claramente estamos um passo atrás e temos alguma dificuldade. Se precisarmos, por exemplo, de mais portugueses que estejam logo na segunda linha, o nível é muito diferente. Digamos que os seis melhores portugueses para os que vêm logo a seguir há uma distância grande. Isso nota-se e é um problema que teríamos que trabalhar. Mas isso começa tudo na cultura dos mais jovens e é aí que se inicia o processo para um dia, mais tarde, conseguirmos ter um nível que a nossa equipa A tem. Se estamos nesta situação agora, é muito difícil em três, quatro anos termos agora um leque de jogadores que permite termos um grande nível. É algo que demora anos, dez, quinze, vinte anos, para conseguirmos ter o mesmo sistema que têm esses países citados.