Angélica Maria Ribeiro André nasceu a 13 de outubro de 1994. Natural de Matosinhos, cedo a natação entrou na vida da nadadora que se estreou em Jogos Olímpico em Tóquio-2020. “A natação surgiu no infantário aos três anos. Mais tarde, no primeiro ano, os meus pais perguntaram-nos, a mim e aos meus irmãos, o que queríamos seguir. Eles optaram por outro desporto, eu fui sempre natação e as coisas foram evoluindo naturalmente”, relata a nadadora, de 27 anos, que conta no currículo com vários títulos nacionais tanto em águas abertas como na natação pura.
Foi, todavia, fora das piscinas, que conquistou a segunda medalha para Portugal em Europeus de águas abertas, depois da prata de Arseniy Lavrentyev nos 25 km, em 2012. Curiosamente, as águas abertas nem começaram da melhor maneira.
“Desisti nas duas primeiras vezes. Tinha um pavor muito grande, receava que aparecessem peixes, mas na terceira vez insisti, porque o meu treinador da altura, Rui Borges, assim o quis. E lá fui eu, juntamente com atletas do Leixões, meu clube da altura. Competimos numa prova aberta em Setúbal e, a partir daí, fui convocada para seleções de treino e apareceram as provas. Fui gostando e crescendo”, resume, com simplicidade a licenciada em treino desportivo – “o meu plano B para ficar ligada à natação preferencialmente” -, que representa o FC Porto pela batuta de José Manuel Borges.
Treinador que é um dos visados quando instada a dedicar este bronze europeu de Roma. “Dedico aos meus pais, àqueles que já partiram, que foram peça fundamental, principalmente o meu pai. À família, que está sempre perto, ao clube e ao José Manuel Borges. O Rui Borges também merece porque, apesar de já não ser treinada por ele, foram muitos anos juntos e também faz parte deste processo”, ressalva Angélica que, a seco, não dispensa uma boa ida ao cinema, “muito descanso e desligar”.
Em entrevista publicada na edição n.º 3 da revista SportMagazine, a nadadora de Matosinhos deu-se a conhecer melhor. Confira abaixo.
SportMagazine (SM) – Num Europeu notável para as cores portuguesas, com três medalhas, esta de bronze nos 10 quilómetros em águas abertas tem que significado nesta fase da carreira, tendo em conta que, um dia antes, ficara a um décimo de segundo do bronze nos 5 km?
Angélica André (AA) – Este é um momento muito bom da minha carreira. Digo que cada ano tem sido melhor do que o ano anterior e este, sem dúvida, que também foi outro ano em que eu posso dizer o mesmo. Há momentos em que acredito que ainda estou em progressão e que ainda posso continuar a dar o melhor. É tudo muito positivo.
SM – Como é feita a sua preparação habitual para conseguir estes resultados de excelência?
AA – A minha preparação são dez treinos semanais em água, mais uma sessão de ginásio uma vez por dia. São mais ou menos duas horas e meia na água e uma hora de ginásio. São 10 ou 11 quilómetros por treino e pode chegar aos 100 quilómetros por semana.
SM – Há, na génese, diferenças entre a natação pura e a natação em águas abertas. Embora a preparação destas últimas seja feita na piscina, em ambiente de treinos há igualmente diferenças?
AA – Por exemplo, uma das coisas que difere logo da natação pura para a de águas abertas, é o facto de, na natação pura, as coisas serem um bocado garantidas. Aquele nadador tem aquele tempo, o outro tem o seu registo e o lugar já é um bocado mais garantido na classificação, pois as condições são completamente neutras. É água parada, aquele que está mais desenvolvido e psicologicamente apto é o que ganha. Nas águas abertas, isso já não é bem assim. Há outras variantes. O resultado final varia, não é aquele resultado fixo.
SM – Essa imprevisibilidade torna as águas abertas mais desafiantes?
AA – É um momento em que nós até podemos chegar preparados para fazer esta prova, mas não podemos chegar com aquela expectativa garantida de ir ganhar por ter melhores tempos. Temos que chegar lá com concentração a duas horas da prova, saber onde estamos. Aqui a experiência também nos vai dar alguns feedbacks durante a prova de como agir, como nos colocarmos.
SM – Contrariamente à natação, nas provas de águas abertas há mais riscos. Como se lida, por exemplo, com as entradas na água que podem ser caóticas?
AA – No Mundial, estivemos 63 a entrar na água, naquele momento foi caótico, mas eu acho que quando chegamos a um patamar alto, ao patamar de seniores, quando estamos dentro da água sabemos, pela experiência de competir com os mesmos atletas, quem são os mais preponderantes a “dar porrada”, mesmo que não seja deliberada. Mas também há fair-play, também sabemos como nos respeitar lá dentro de água, o que é bonito. Sem querer já dei toques na cabeça, nada de murros e debaixo de água já levei propositadamente, mas são raros esses casos.
SM – Para quem teve medo nas primeiras experiências em águas abertas, o que se sente dentro de água em plena competição?
AA – Não dá para sentir muita coisa. É tentar chegar, fazer o percurso e voltar. Já estamos num ponto em que não há essa preocupação, agora penso que estamos numa prova disputada num sítio seguro, somos acompanhados por caiaques, embarcações. A minha mentalidade agora é se está a decorrer aqui é porque é seguro e, quando em competição, não há tempo, tenho de concentrar-me.
SM – Ainda assim, nestes anos na disciplina há algum susto a relatar?
AA – Já fui picada por alforrecas [sorrisos]. Não eram das piores, se fosse uma caravela portuguesa teria sido mais grave.
SM – Apesar de ter resultados também ao nível da natação pura, o que a levou a enveredar por esta variante de fundo?
AA – Neste momento, o que me move é ter a certeza que ainda dou para mais. Os Jogos Olímpicos fazem claramente parte deste mais. Uma medalha olímpica? O sonho de uma medalha olímpica passa sempre na mente de cada atleta, mas ainda é cedo. Se fosse mais perto, talvez pudesse sonhar, de acordo com os resultados que viesse a ter. Ainda falta… Primeiro ainda tenho de que qualificar. O primeiro passo passa por fazer a melhor classificação de sempre nas águas abertas.
SM – Mas este terceiro lugar em Itália, dá alento para sonhar mais alto, presumo?
AA – Sim, até porque neste Europeu esteve toda a elite europeia, só não esteve a Mundial porque, naturalmente, o Brasil e os Estados Unidos não estiveram representados. Mas saber que estive lá confere um significado ainda maior.
SM – Este bronze teve direito a celebração especial?
AA – Em primeiro lugar, já não foi de sabor agridoce. Festejei para mim, com as pessoas que estão à minha volta e foram ao aeroporto receber-me. Receber aquele carinho de quem reconhece que trabalhei e batalhei para me superar é o melhor.