Quebrar uma barreira, ganhar uma medalha. Se a carreira desportiva de Telma Monteiro fosse aritmética simples, a fórmula estava encontrada. A melhor judoca portuguesa de todos os tempos é uma “serial winner” que trabalha para ser a única atleta na história do Desporto a competir em seis Olimpíadas. Ser campeã em Paris 2024? Impossível não é palavra que se ajuste ao léxico de quem a um dia disseram que ‘quando terminasse a carreira tinha que ir aprender judo…’.
Abaixo, pode-se ler uma parte da entrevista publicada originalmente na edição número 1 da nossa revista, que teve justamente a judoca Telma Monteiro como protagonista na capa. A entrevista completa está disponível para assinantes. Se ainda não é, saiba como fazer para integrar o nosso grupo de leitores e colaborar com o nosso projeto.
SportMagazine (SM) – Olhando hoje para a linha do tempo, como é que a Telma foi percecionando e planeando a sua carreira?
Telma Monteiro (TM) – Na minha carreira sempre dei prioridade às grandes competições. A partir do momento em que entrei no circuito mundial sénior, essa passou a ser a minha prioridade. Quando comecei a fazer judo tinha consciência das etapas que tinha que percorrer: ser campeã nacional, começar a viajar com a seleção nacional e a partir daí pensar nas grandes competições. A partir do momento em que me tornei uma atleta capaz de ganhar medalhas passou sempre a ser a minha prioridade competir em campeonatos da Europa e do Mundo, no Masters e, claro, nos Jogos Olímpicos. Entre isso há competições em que nos interessa ser bem-sucedidos e que importam para o ranking mundial, como os Grand Prix e os Grand Slam. Eu sempre tive em mente competir nos Grand Slam, que são prestigiantes e ao mesmo tempo permitem-me manter um ritmo competitivo para ter uma boa performance nos Europeus e nos Mundiais.
SM – Houve sempre uma relação entre esse planeamento e as suas diferentes idades e pesos?
TM – Sim. Há um aspecto que tive que ir gerindo sempre, que é a questão do peso. Agora menos pois estou na categoria -57Kg há já algum tempo e perder dois ou três quilos não afeta de modo relevante a minha a performance. No entanto, quando estava na categoria -52Kg perdia muito peso e tinha que gerir essa oscilação entre competições. Isso era muito desgastante. Então, também geria as competições que fazia com base nessa dificuldade que, para não ter que fazer perdas bruscas de peso.
SM – A Telma tem já uma carreira académica relativamente invulgar em relação à média. Licenciou-se em Educação Física e tem uma pós-graduação em Gestão e Marketing Desportivo. Como é que foi conciliar uma carreira desportiva, no seu nível de exigência, com os estudos?
TM – Não foi fácil mas tive que ir fazendo uma adequada gestão do tempo. No primeiro ano foi o contacto com a realidade, não me consegui ajustar logo e fiz só um semestre. Mas a partir daí, sempre que fui à Faculdade conseguia fazer um ano completo. E assim foi até acabar. Não foi fácil, mas sabia que tinha que estar focada naquelas duas dimensões da minha vida, treinos e Faculdade. E geria o meu tempo para as duas. Nos períodos de pausa entre treinos aproveitava para estudar, ia mais cedo para a Faculdade, estava a fazer o curso na Lusófona, eles tinham ginásio e treinava lá. Depois frequentava as aulas e estudava. Ao final do dia voltava a treinar. Foi psicologicamente muito exigente.
SM – Sentiu que os sistemas, desportivo e de ensino, estavam adequadamente desenhados para a sua situação, ou seja, uma atleta de alto rendimento que em paralelo estava a completar a sua formação académica?
TM – Os sistemas de alta competição e o educativo não são os sistemas ideias, se pensarmos que existem países como a França, que tem o INSEP [Instituto Nacional do Desporto, Perícia e Performance] onde os atletas treinam e estudam, ou em Espanha, onde fazem o mesmo. Em Portugal é muito difícil, pois nós somos atletas de alta competição com uma rotina completamente diferente que tem que se encaixar num sistema desenhado para uma pessoa que só faz uma das coisas. As leis existem mas nem sempre são facilmente aplicáveis e temos sempre que depender da boa vontade dos professores que podem, ou não, ser mais flexíveis. O sistema ideal para que um atleta possa treinar e estudar ainda está muito longe de acontecer.
SM – Escreveu no seu Instagram: “Fui sempre atraída por quebrar barreiras”. Sente muitas vezes que ‘aquela’ barreira já está naquela fase da superação de que falámos?
TM – Por vezes não é bem o fazer algo que nunca fizemos. Agora, continuar neste nível de exigência nos treinos é muito difícil. Ai é que está a superação, continuar a manter esse nível de procurar sempre melhor porque já somos atletas a um nível tão afinado e tão específico e tão completo, que melhorar aquele bocadinho que vai fazer a diferença exige muita concentração. Exige muita dedicação, muita paciência e isso está mais no trabalho do que na competição propriamente dita. A competição é uma vez por mês, o trabalho e o treino é todos os dias, de manhã, à noite, o descanso e o cansaço, as lesões, enfim, esse trabalho tem que se fazer. Era maravilhoso se me dissessem que até aos 50 anos ia competir duas vezes por mês mas que não precisava de treinar para manter a forma… Competir é o meu habitat natural. Mais difícil é esta exigência diária de darmos o nosso melhor. Conta muito a intenção com que se treina, a vontade em cada exercício, em cada luta, em tudo o que fazemos, mesmo que isso seja desconfortável. Temos que provocar esse desconforto a nós próprio e para isso é preciso querer muito.
SM – Já pensou no que vai fazer depois de terminar a sua vida desportiva? Quer ser treinadora?
TM – Não sei. Não tenho a certeza do que quero fazer, mas tenho a certeza dos critérios que vou seguir para aquilo que fizer. Quero alguma coisa em que possa dar o meu contributo, em que faça a diferença, não apenas como imagem mas com uma participação ativa. Quero alguma coisa que me pague as contas mas que também me faça feliz.