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Tamila Holub: “Foi uma época muito complicada em todos os sentidos e estava realmente preparada para que as coisas não corressem bem…”Exclusivo 

Foto: SC Braga

Tamila Holub, nadadora portuguesa de 23 anos, nascida na Ucrânia, participou recentemente nos Europeus de Roma, onde alcançou duas finais, terminando em sexto lugar nos 800 metros livres e num quinto lugar inédito nos 1500 metros livres, igualando a melhor participação de sempre de nadadoras portuguesas em Europeus – iguala Catarina Monteiro nos 200 metros mariposa e Camila Rebelo, nos 200 metros costas. De recordar que a atleta já participou em duas edições dos Jogos Olímpicos. Em 2016, no Rio de Janeiro, no Brasil, onde ficou em quarto nas eliminatórias dos 800 metros livres e, em 2021, nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020, terminando a sua participação novamente nas eliminatórias da mesma categoria. De recordar ainda que, em ano de estreia nos Jogos Olímpicos, Tamila Holub foi campeã europeia júnior de 1500 metros livres, batendo o recorde nacional (16m38,60s, na altura), fazendo um tempo de 16m20,80s, ou seja, cerca de 18 segundos a menos que o anterior.

Tamila conversou com a SportMagazine acerca do seu mais recente momento da carreira, sobre como tudo começou e ainda falou do que ambiciona para o seu futuro. Após uma época com bons resultados, nomeadamente nos Europeus de Roma, a nadadora portuguesa faz uma análise positiva da sua prestação.

“Faço uma análise muito positiva porque, sendo honesta, estava à espera de resultados piores. Foi uma época muito complicada em todos os sentidos e estava realmente preparada para que as coisas não corressem bem e acho que isso ajudou um pouco a tirar a pressão de mim mesma. Estava pronta para tudo, ou seja, corresse bem, corresse mal, ia ver conforme a competição ia andando. Realmente, e felizmente, correu tudo muito bem, por isso faço uma avaliação extremamente boa, tanto a minha participação como de toda a comitiva portuguesa”, disse.

Numa época pós-Jogos Olímpicos, Tamila sentiu o cansaço e teve mesmo alguns problemas físicos. No entanto, a nadadora pertencente aos quadros do Sporting Clube de Braga, “não diria que são muito físicos, diria que são muito psicológicos”.

“Estamos a falar de um ano pós-Jogos Olímpicos. Este ciclo foi até pior do que o normal porque foram cinco anos, tivemos ali mais um ano extra de reta final e sinto que custou muito aos atletas. Sinto que o pessoal que fez estes cinco anos está assim num ano de ressaca porque foi, emocionalmente, muito complicado. Uma pessoa já nem sabia sequer se ia haver Jogos [Olímpicos], ou seja, ‘para que é que estou a treinar’, não é? É mais uma questão, duvida-se de tudo, e realmente foi bastante complicado. E agora este ano após os Jogos Olímpicos acho que é bastante importante. Se uma pessoa vir que está bem e que está a conseguir fazer uma transição boa, muito bem. Mas acho que não deve haver pressão demasiado grande num ano após os Jogos, porque realmente é preciso deixar a cabeça descansar um pouco. Mas cada um é um caso e há atletas a quem isso corre tudo muito bem”, afirmou.

De um início complicado para um presente feliz

Tamila veio da Ucrânia para Portugal com apenas três anos de idade. E, aos seis, iniciou o seu trajeto na natação. Foram as piscinas municipais de Maximinos que viram as primeiras braçadas da nadadora portuguesa. A mesma explica o porquê da escolha desta modalidade.

“Eu tive bastantes doenças respiratórias e aconselharam os meus pais e experimentar modalidades aquáticas, ou seja, natação e também para aprender a nadar, no fundo. E pronto, eles queriam realmente experimentar, levaram-me, comecei a minha carreira nas piscinas de Maximinos, piscinas municipais, e passado algum tempo fui para o Sporting Clube de Braga”, explicou, em conversa com a SportMagazine.

No entanto, o início não foi fácil. Segundo Tamila, as primeiras braçadas não foram promissoras, dizendo mesmo que “era uma das atletas mais fracas, quando era cadete e quando era infantil”. A aposta na atleta portuguesa começou a ser constante apenas a partir do escalão infantil A, quando teria os seus 12 anos.

“Às vezes nem me levavam para as competições, porque realmente nem eu tinha vontade nem as coisas estavam a correr bem nos treinos. E só a partir de infantil A, em que eu teria 12 anos , algo do género, é que eu realmente comecei a querer mais. Também tinha sempre o apoio dos meus pais, os treinadores também notaram que eu estava a esforçar-me e foi aí, numa certa brincadeira, que era basicamente tentar ganhar primeiro às raparigas, depois, quando já ganhava às raparigas todas, era ganhar aos rapazes, e era sempre aquela competição”, disse.

Apesar de vir de um país de leste, Tamila trouxe consigo uma outra cultura: a soviética. Cultura esta que, segundo a própria, “é de sacrifício (…) é uma cultura de trabalho, ou seja, tens realmente de trabalhar para que as coisas corram bem”. Contudo não é apenas isso. ” A cultura soviética, no fundo, é o apoio dos pais, porque quando tens 12, 13, até 14 anos, não sabes bem o que queres”. Com isto, Tamila acaba por afirmar que se não fossem os pais a obrigá-la, de certa forma, a continuar com a natação, talvez hoje não fosse nadadora.

“Eu sei que há sempre aquela discussão de até que ponto os pais devem obrigar os filhos, até que ponto não devem. E no meu caso, posso garantir, que se os meus não me tivessem obrigado ali um pouco, eu claramente teria desistido ou nunca chegaria a este ponto. E se formos a ver os miúdos hoje em dia, eles não querem estar numa piscina e treinar, é muito mais fácil estar em casa no computador. Por isso, para mim a cultura soviética foi mesmo aprender a trabalhar, aprender a cultura desportiva e valorizar o trabalho”, realçou.

Tamila destacou ainda que não sentia uma grande pressão vinda de fora. Aliás, diz mesmo que a pressão de existir não provinha dos seus pais ou do treinador, mas sim dela mesma.

“Se havia alguma pressão era só a partir de mim própria. Porque acho que é isso que é necessário para um atleta, temos que vir a ser sempre melhores. Assim é que uma pessoa evolui. Eu própria, exigente comigo mesma e era também muita falta de confiança, no fundo, aí os meus pais ajudaram. Mas nunca foi pouco saudável, eu tinha sempre muitas dúvidas em mim mesma e eram sempre os meus pais e o meu treinador que me diziam ‘tu consegues’ ou ‘tu és tão boa como elas, ou melhor’, e era mais ou menos assim”, disse a nadadora portuguesa.

Tamila Holub no SC Braga. Foto: SC Braga

Conciliação e rotina de treinos

Aquando perguntada acerca de como conciliava os seus estudos com treinos e vida social, Tamila afirmou ter sido bastante complicado. Diz mesmo que “manter todas as três [vida social, desporto, estudos], pelo menos atletas de natação e que sejam de alto rendimento, de alto nível, não conheço muitos”. A nadadora destaca o 11º ano de escolaridade como o mais complicado, pois em ano de imensa carga horária e exames nacionais, era também ano de se tentar qualificar para os primeiros Jogos Olímpicos da carreira. Proeza que acabou por concluir com sucesso, pois “foi o arriscar tudo, não sabia se ia resultar. Aí realmente foi o ano em que eu andei mais cansada o tempo todo, foi complicado”.

“Foi péssima, não houve conciliação [risos]. Nos tempos de estudo, ou eram os estudos ou era a vida social, era complicado manter as três vertentes, ou seja, treino, estudos e vida social (…) Dá para jantar com os amigos, almoçar, mas garanto que não o fazemos com tanta frequência, como se calhar uns jovens normais”, disse.

Esta conciliação era complicada devido a toda a rotina não só de estudos mas também de treinos. Em fases de preparação para grandes competições, Tamila, cujo treinador é Luís Cameira, chega a treinar cerca de cinco horas por dia, levantando-se bastante cedo para correr ou, neste caso, nadar, atrás de um sonho de criança.

“Depende da fase da época, se estivermos a falar numa fase de carga, ou seja, estarmos a treinar muito para preparar o corpo para as grandes competições internacionais, eu diria que é acordar por volta das 6h00. Faço uma caminhada até à piscina, às 7h00 estou na água. O treino pode ser das 7h00 às 9h00, de manhã. Depois vou para a faculdade, depende do dia. À tarde tenho uma hora de ginásio ou de core, abdominais, preparação física. E depois mais duas ou três horas de natação, têm sido duas e meia. Ou seja, no fundo, são certa de cinco horas por dia de treinos”, descreveu.

Com toda esta carga física e até emocional, Tamila Holub via-se, por vezes, com duvidas sobre ela própria. A atleta diz ser “muito importante ter as pessoas certas a teu lado, tal como a família, o treinador, a mesma coisa com a equipa”. Apesar de a natação ser uma modalidade individual, Tamila destaca a importância do espírito de equipa dentro dela.

“É um grande problema meu duvidar muito de mim mesma. Eu estive nos Estados Unidos, ele até disseram um termo, o overthinking. Penso demasiado nas coisas e começo a duvidar, e é muito importante ter uma pessoa que antes da prova consegue falar comigo e relembrar-me que eu não tenho motivos para estar preocupada ou ter duvidas de mim mesma, porque o treino está lá, como ele diz, ele não desaparece, não se evapora (…) Os dirigentes também fazem diferença, porque são as pessoas responsáveis pelas condições, pelo clima da equipa muitas vezes, e é bom quando é uma pessoa que teve experiência como atleta, porque assim as coisas costumam correr melhor, costumamos falar a mesma língua e percebemos os dois o que se está a passar”, afirmou Tamila Holub.

O treinador Luís Cameira ao lado dos nadadores José Paulo Lopes e Tamila Holub. Foto: Cameira /Instagram

Os objetivos futuros

Apesar de já ter estado presente em dois Jogos Olímpicos, a jovem nadadora portuguesa, de 23 anos, não ficou feliz com os resultados na edição passada, por isso, ambiciona mais. Tamila já pensa em Paris 2024 e diz que esse é um “defeito” não só dela, mas sim de todos os atletas.

“É assim, nós atletas, temos esse defeito que mal os Jogos Olímpicos acabam estamos já a pensar nos outros. Felizmente para nós estes são só três anos de intervalo e agora já só faltam dois anos, no fundo, duas épocas. E, vou ser honesta, mal os outros Jogos Olímpicos acabaram, estava a pensar nos próximos. Os Jogos não correram da maneira que eu queria e tinha umas certas duvidas na natação e tudo, mas sabia que, em principio, ia apostar em mais uns Jogos Olímpicos, sim”, disse.

A situação ucraniana

Aquando perguntada acerca da atual situação da Ucrânia, país onde nasceu e viveu até aos seus três anos de idade, Tamila Holub mostrou-se claramente triste com a situação. Contudo, com poucas palavras e de forma simples, afirmou não misturar o desporto com a política mas que, no entanto, se vai mantendo a par.

“É assim, vou ser honesta, eu tenho-me separado totalmente de todas as questões políticas, porque a minha opinião é que os atletas têm um trabalho que é competir e treinar e não faz sentido, não se deve misturar política, com desporto, com cultura. Acho que é errado. Depois acontecem coisas feias e ninguém ganha. Tenho-me metido um bocado a par e tem sido isso”, reiterou Tamila Holub.

 

 

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