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Skateboarding: da surpresa da presença olímpica aos desafios do crescimento da modalidade

Gustavo Ribeiro, referência nacional na modalidade. Foto: Federação de Patinagem de Portugal

Diretor Técnico Nacional da Federação Portuguesa de Patinagem (FPP), Nuno Ferrão recorda como o skate (abreviatura de skateboarding) passou para a chancela do organismo e o que falta a esta nova modalidade olímpica para crescer intramuros, quando lá fora tem um português, Gustavo Ribeiro, a dar cartas aos 21 anos. Desde logo, tentando criar uma dinâmica propícia à massificação de skaters federados. A entrevista abaixo fez parte da edição n. 3 da Revista SportMagazine.

SportMagazine (SM) – O skate nem sempre integrou as disciplinas da FPP, no entanto, é agora modalidade olímpica. Pode recuar no tempo e situar como se deu esta transição?

Nuno Ferrão (NF) – O skate aparece na FPP depois de a World Skate [WS], antiga FIRS, querer acoplar tudo o que eram modalidades com rodas na patinagem. Neste momento, a WS tem 13 disciplinas, desde as trotinetes aos patins em linha. A última que foram buscar foi o skate, que já existia fruto de organizações de amigos. A WS vai, assim, buscar o poder e a força ao Comité Olímpico Internacional [COI] que reconhece o skate como modalidade da WS, passando assim a ser uma das federações olímpica. Já tinha detido esse estatuto pelo hóquei, mas como exibição, assim ganha esse poder e faz toda a promoção do skate para os Jogos Olímpicos.

SM – E em Portugal essa transição foi pacífica?

NF – Em Portugal surge um conflito de interesses. Quando se ouve falar do skate nos Jogos Olímpicos de Tóquio, estávamos em 2012/2013, porque as modalidades são escolhidas sensivelmente oito anos antes. O skate em Portugal era organizado por entidades individuais e alguém tinha conseguido associá-lo à Federação Portuguesa de Surf [FPS] que utilizava os recursos que tinha para fazer algumas provas. Quando se assumiu que o skate teria a chancela da WS, a FPS reivindicou o trabalho que vinha a fazer, mas acabou por ser a FPP a ficar com o skate. Para tal, precisou de auscultar várias pessoas, ouvir alguns intermediários para fazer a transição para o skate. A FPP começou a criar campeonatos nacionais e Taça de Portugal. Não foi muito fácil, mas depois estabilizou com a criação de um comité.

SM – Basicamente, foi como fazer nascer em casa uma modalidade quase desconhecida… Quais as maiores dificuldades e o que já foi feito?

NF – Agora já fizemos uma ação complementar para formação de juízes e de treinadores. Neste momento, temos cerca de 30 treinadores certificados, temos juízes e o desporto reconhecido. Antes, porém, foi criar uma modalidade nova dentro da casa, porque eles não tinham normas. Mas fizemo-lo. Sempre alinhados com o Instituto Português do Desporto e da Juventude, estamos a transformar o skate de um grupo de amigos que promovia competições, numa modalidade organizada, com atletas federados. Não foi fácil incrementar o conceito de ser federado. Explicar aos skaters que têm de fazer exames médicos, precisam de ter um seguro de saúde e desportivo não tem sido fácil de implementar.

Nuno Ferrão, diretor técnico da FPP. Foto: FPP

SM – Paradoxalmente, os irmãos Gustavo e Gabriel Ribeiro têm poderosa dimensão internacional, com o Gustavo inclusive a conquistar diploma olímpico…

NF – Tivemos de construir dois caminhos. De um lado o skate de base, do outro dar apoio a um conjunto de atletas e estimular o projeto olímpico. Tivemos uma Seleção Nacional que, no projeto para Tóquio-2020, se baseava em quatro atletas. O Gustavo apurou-se para os Jogos. Neste momento, já participámos numa etapa de apuramento, um Pro Tour, para os Jogos de Paris-2024, em Roma, e conseguimos introduzir atletas individuais. A FPP teve bons resultados nesta etapa. O Gustavo foi 3.º, o irmão Gabriel e a Rafaela Costa chegaram aos quartos de final. Foi a primeira vez que tivemos uma atleta feminina, uma das nossas apostas. Estamos a preparar a ida ao Mundial [2 a 16 de outubro, no Rio de Janeiro] e promover a participação de Portugal nas provas de park, que é outra competição de skate além da de street. Esta é a dinâmica que estamos a trabalhar para tentar chegar aos Jogos Olímpicos. Claramente o nosso objetivo é apurar o maior número de atletas. Neste momento, o ranking ainda é prematuro, mas temos o Gustavo em condições e outros atletas como o Gabriel que está no top-25.

SM – Perante os resultados dos gémeos Ribeiro e da Rafaela Costa sonha-se alto para os Jogos Olímpicos de Paris-2024?

NF – O sonho da medalha olímpica existe. O Gustavo conseguiu o diploma, mesmo com a lesão a não ajudar, de acordo com o que tem demonstrado, com presença assídua em finais, com segundos e terceiros lugares, é sempre candidato, desde que esteja em plenas condições físicas. As lesões são recorrentes no skate, o grau de risco é grande, mas o objetivo é uma medalha. Quem tem um diploma aos 21, a meta é consolidar, mesmo sendo uma modalidade na qual de um momento para o outro aparece um sobredotado. O objetivo é apurar mais alguém, com objetivos realísticos. Vamos trabalhar com atletas com nacionalidade portuguesa, mas que vivem fora de Portugal. Apostaremos no sentido de participarem em park, uma das variantes olímpicas.

SM – O que tem sido mais desafiante desde que a FPP passou a ter o skate debaixo da sua alçada?

NF – Conseguimos desenvolver o modelo competitivo, primeiro de provas pontuais, com um circuito nacional no qual participam os nossos melhores atletas internacionais, o que também é estimulante para chamar mais atletas. É a Liga Pro Skate. São entre três e cinco etapas e uma finalíssima. Tem sido o modelo de competição formal para estimular e cativar os skaters a tornar-se federados. E este tem sido o grande desafio. No skate, há o skate lifestyle e o skate competição. De um lado há uma filosofia de vida dos skaters, com os patrocinadores, do outro o desporto. E o trabalho da FPP, nos últimos anos tem sido conseguir fazer com que os skaters de lifestyle se tornem atletas e também adaptar o desporto o lifestyle aos atletas. A FPP criou a cultura de atleta federado, nomeadamente pagando uma taxa, do seguro de saúde e exame médico, pagando nos primeiros anos essas despesas. Tínhamos gente a fazer exames médicos à porta das provas para se poderem inscrever, precisavam ser federados, legalizados por assim dizer. Não foi fácil mudar a mentalidade, agora já está interiorizada importância de ser atleta federado.

SM – Não se ouve falar muito de clubes de skate. Essa é uma outra especificidade da modalidade?

NF – Não é fácil as escolas de skate existentes tornarem-se clubes e não se verem apenas como negócio. A vertente desportiva não é negócio. Precisamos de treinadores de skate, não de professores, para desenvolver atletas. Tem sido um trabalho que temos vindo a fazer para converter escolas em clubes. Basicamente, tem sido a coabitação entre skate lifestyle/desporto.

SM – Falava-se em chegar aos 10 mil federados até aos Jogos de Paris-2024. Esse é um número exequível?

NF – Desportivamente, há muita gente a andar de skate, não significa que sejam atletas federados, esses rondam os 200 ou 300. São skaters do lifestyle a converterem-se em atletas para participarem em provas oficiais. Lá por termos 50 mil skates vendidos, não significa que temos outros tantos skaters. Era um sonho chegar aos 10 mil em 2024, mas neste momento o objetivo ir aumentando e criando hábitos de desporto. Estamos a sentir algumas dificuldades, porque quem está a carregar o skate ao nível desportivo é a federação. No próximo ano, vamos desenvolver mais atividades a nível regional, de forma a estimular mais competição e atividade interna. Falta-nos entrar na massificação dos federados e parte muito pelo trabalho a nível regional.

SM – Como se situa Portugal ao nível das infraestruturas para a vertente desportiva do skate?

NF – Essa é uma das grandes lacunas. Os skate parks que temos são preparados para o enquadramento paisagístico, mas falta para a competição. Falta-nos skate parks para prepararmos as nossas seleções nacionais. O skate park para um atleta de alto nível não pode ser aberto ao público, sob o risco de contraírem lesões graves. As infraestruturas existentes estão adaptadas para a população, mas falta fazer o salto qualitativo, preparando-as para a vertente desportiva. Esse salto terá muito a ver com a sensibilidade das câmaras e de melhorias na legislação. Não há normas, quem muitas vezes faz os skate parks são os pelouros urbanísticos camarários. Um skate park é mais uma instalação desportiva. Já temos em Coimbra, Porto e Aveiro algumas com qualidade.

SM – Nos Jogos de Tóquio, falou-se muito no skate como uma lição de fair-play e desportivismo. Esse sentimento faz parte do lifestyle da modalidade?

NF – Sem dúvida. Muitas vezes, quando não há juízes, a função é desempenhada pelos skaters que estiverem lesionados e tiverem ficado fora de prova. É a cultura deles. Há uma coisa extremamente interessante, têm um código de conduta muito vincado, se houver alguém que faz uma grande manobra e ganha, todos aplaudem e valorizam. Ajudam-se muito, são solidários. O desafio deles é criar manobras novas e diferentes e sempre que alguém faz algo bem, é valorizado pelos outros que são conhecedores das dificuldades.

O gémeo maravilha
Reza a história, mesmo com muitas imprecisões, que o skateboarding terá nascido na década de 1960 por intermédio dos surfistas da Califórnia que recorriam a pranchas na rua para ocupar o tempo quando as ondas não eram propícias à prática do surf. Chamaram-lhe sidewalk surfing e, em 1965, surgiram os primeiros campeonatos. O entanto, só uma década mais tarde, a modalidade ganhou espaço também nos Estados Unidos.

Em Portugal, a modalidade manteve a associação ao surf, até Gustavo Ribeiro, de 21 anos, se ter profissionalizado e rumado aos Estados Unidos, El Dorado do skate. O lisboeta, também conhecido por ter um irmão gémeo, Gabriel, dedicado à modalidade, representou Portugal nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, tendo deixado o Japão com um diploma olímpico, graças ao oitavo lugar na prova de street. Gustavo iniciou-se no skate aos cinco anos, quando o tio lhe ofereceu uma tábua pelo Natal. Aos oito já estava rendido às manobras. Foi o primeiro português a vencer o Tampa AM, o mais antigo campeonato de skaters amadores, em 2017, sucesso que lhe rendeu entrada no SLS Pro Open 2018, em Londres, onde chegou às finais após surpreender nas qualificações, terminando na sétima posição.

Um 3.º lugar no AM Street Dew Tour, em Long Beach, e a vitória no ‘O Marisquiño’, um dos mais importantes campeonatos de skate da Europa, figuram no currículo do português que, em 2019, se qualificou para os SLS World Championships e chegou às meias-finais, registando o seu primeiro 9. Em 2021, Gustavo Ribeiro subiu ao terceiro lugar do pódio no Super Crown World Championship, em Jacksonville, EUA, pela segunda vez consecutiva. É um dos candidatos a medalha olímpica em Paris-2024.

Foto: Gustavo Ribeiro/Instagram

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