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Raul Pinto e o regresso aos estágios de Aikido em Portugal: “Depois de quase dois anos”Exclusivo 

O professor Raúl Pinto iniciou a prática no Ten-Chi em 1989. Foto: Federação Portuguesa de Aikido.

A Associação de Clubes de Aikido Ten-Chi (ACAT) e a Federação Portuguesa de Aikido promoveram este fim de semana o primeiro estágio de Aikido em 2022 no país. O evento aconteceu sob a direção do professor Raul Pinto, um dos praticantes mais antigos (com prática iniciada no Ten-Chi em 1989) e respeitados da modalidade. Dirigente da ACAT e 5º Dan Aikikai e Ten-Chi, Pinto falou sobre o encontro realizado no Centro de Alto Rendimento, em Oeiras, além de também detalhar a história do mestre Georges Stobbaerts, fundador do Aikido em Portugal, e os desafios impostos pela pandemia causada pela Covid-19. “Voltamos a reencontrar, depois de quase dois anos de interregno”, destacou. Confira a entrevista.

O professor Raul Pinto pode descrever-nos como foi a decisão de realizar este encontro?
Raul Pinto (RP) – Três razões contribuíram para esta decisão. Primeiro a realização do tradicional Kangeiko, ou seja, literalmente treino (keiko 稽古) de inverno (kan 寒) que é realizado na época do grande frio. Esta prática, comum a várias artes marciais, teve como objetivo, a superação, através de exercícios físicos e técnicas básicas, o aumento da resistência física através do desempenho em condições difíceis, de forma a contribuir para o fortalecimento do corpo e da mente. Este local e esta data pareceram-nos, por isso, apropriados. O convívio serviu também para lembrar o Kagami Biraki, a tradicional festa de receção do novo ano. A segunda razão é assegurar que é possível treinar uma arte marcial dentro das regras sanitárias existentes, em segurança e de forma responsável. As restrições impostas, dificultaram muito a prática normal e a realização dos encontros previstos no nosso calendário de atividades. Finalmente, para ter uma oportunidade de praticar com pessoas que fazem parte da nossa Associação, e não só, e que se encontram espalhadas pelo país e que voltamos a reencontrar, depois de quase dois anos de interregno. Não sendo ainda um estágio com as condições ideais de prática, é o que de momento é possível.

Pode então explicar-nos como surge a vossa Associação e como tem desenvolvido a vossa prática nestes últimos dois anos?
RP – A ACAT nasce de uma vontade manifestada por um grupo de clubes e associações, que praticavam já há alguns anos, integrados numa outra associação, a Associação Ten-Chi Internacional, que seguia o ensino da Escola Ten-Chi e do seu fundador o Mestre Georges Stobbaerts. Atualmente temos cerca de 12 Dojos dispersos pelo país, de norte a sul do continente e ilhas (Açores). O desenvolvimento da prática tem sido apoiado num ensino que pretendemos que seja de qualidade, um dos nossos principais objetivos ao longo dos perto de 13 anos de existência, traduzindo-se num número de praticantes que se aproximou das três centenas. A crise pandémica levou a uma grande redução de praticantes, creio que aconteceu com todas as Associações e Clubes de praticantes. No ano de 2020, a prática foi muito através de sistemas online, mantendo a ligação com uma larga maioria de praticantes. Em 2021 continuámos com muitas restrições e apenas a trabalhar “online” com actividades esporádicas ao ar livre. Em Dojo só no final do ano 2021 e ainda com muitas limitações.

E quais as consequência deste afastamento da prática?

RP – Tudo isto levou ao abandono de muitos jovens para outras práticas onde as restrições não eram tão fortes. As crianças, quase desapareceram dos nossos dojos. Creio que o medo que se instalou levou ao afastamento de um número elevado de praticantes. Os convites que dirigimos a alguns reconhecidos Mestres, para dirigirem estágios em Portugal, foram também suspensos. Só agora começamos a ver alguma aproximação, a confiança e segurança que podemos transmitir são fatores motivadores de regresso á prática. A ACAT, desde o seu início, filiou-se na Federação Portuguesa de Aikido, com quem colabora de forma direta na Formação Inicial e Contínua dos seus treinadores, propondo ações de formação e participando com os seus formadores em outras ações específicas conforme solicitação da FPA, e fomentando o intercâmbio com outras associações e clubes de Aikido, tanto em Portugal como no estrangeiro. Na FPA, estes dois últimos anos deixaram, tal como nas Associações suas filiadas, todos os projetos em suspenso, estando agora a recuperar as atividades de forma lenta, mas segura.

A propósito do Mestre Georges Stobbaerts, pode descrever-nos um pouco quem foi e a sua importância para o Aikido em Portugal?

RP – Não é fácil de falar do fundador do Aikido em Portugal, resumindo uma vida tão rica e com tanta relevância para a prática do Budo, sem correr o risco de algo ficar por dizer. O Mestre nasceu em Casablanca em 30 de novembro de 1940 e estudou na Bélgica e em Marrocos, pratica Judo, Aikido, Kendo, Iaido, e Yoga sob a orientação de eminentes mestres orientais. Fascinado pelas artes do oriente, pratica com Mestres japoneses que o iniciam na meditação Zen e com mestres indianos aprofunda o Yoga. Funda o primeiro Dojo de Aikido e de Kendo em Marrocos (Budo Club du Marroc), aí ensina as Artes Marciais e o Yoga durante uma dezena de anos, insistindo particularmente no lado espiritual destas disciplinas sem esquecer o seu aspeto educativo.

E como o Aikido chegou a Portugal

RP – Em 1967 [Stobbaerts] vem a Portugal pela primeira vez a convite da União Portuguesa de Budo e dirige um estágio de Aikido em Bucelas, lançando a primeira pedra para a fundação do Aikido. Pouco depois instala-se definitivamente em Portugal, criando o Budokan de Cascais, onde se formam numerosos alunos, agora professores nas diferentes disciplinas. O Teatro também não lhe foi indiferente, lecionando durante vários anos na Escola Profissional de Teatro (Cascais) e colaborando na encenação de algumas peças e na movimentação cénica dos actores. Escreve o livro “O Corpo e a Expressão Teatral” que ainda hoje é uma referência nas escolas de Teatro. Cria o TenChi Tessen, a Arte do Leque, baseado no seu profundo conhecimento do movimento e das artes marciais. É ainda fundador do projeto Ten-chi, Centro Cultural de Investigação na Arte e no Movimento que edifica, com a ajuda dos alunos, um espaço único em Sintra para a prática do Aikido e outras artes marciais: o Dojo Ten-Chi. Ligados a esta escola criaram-se vários dojos do Norte a Sul de Portugal e também no estrangeiro. É nomeado representante para Portugal do “Tokoshima Budo Council” e da “Dai Nippon Butoku Kai”, a mais antiga escola de artes marciais japonesa. Em 1995 o Mestre Georges Stobbaerts recebe o 8º Dan da Dai Nippon ButokuKai, que lhe atribui o título de Soké, fundador de um estilo e escola. Dirigiu vários estágios a nível nacional e internacional. Manteve sempre uma relação próxima com a Aikikai de Tóquio através de várias visitas ao Japão, conhecendo pessoalmente o anterior e o actual Doshu, Kishomaru Ueshiba e Moriteru Ueshiba (filho e neto de O-Sensei). Sempre que possível convidou Mestres Japoneses e outros de reconhecido valor internacional, para no seu Dojo dirigirem estágios, proporcionando uma visão mais global do aikido europeu e mundial. Escreveu diversos livros e textos sobre o movimento e a espiritualidade, estabelecendo pontes entre culturas e tradições. Faleceu em 6 de janeiro de 2014 deixando uma vasta obra material e imaterial, um legado que procuramos recordar e fortalecer.

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