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Pedro Câncio Reis e Guilherme Ribeiro e o bronze no Mundial: “O nosso festejo foi uma hora depois das regatas terem acabado”

Foto: Postal do Algarve

Pedro Câncio Reis e Guilherme Ribeiro, atletas de vela adaptada, conquistaram recentemente a medalha de bronze no Campeonato do Mundo RS Venture Connect. Para além de atletas, Pedro e Guilherme partilham a presidência da Classe Hansa da modalidade, sendo vice-presidente e presidente, respetivamente, da Associação Portuguesa de Classe Hansa. Os velejadores conversaram com a SportMagazine sobre a mais recente conquista, abordando ainda o seu início nesta modalidade, a visibilidade da mesma e os seus objetivos futuros.

De relembrar que Pedro Câncio Reis representa o Clube Naval de Cascais e o Guilherme Ribeiro pertence ao Iate Clube Marina de Portimão, sendo que foi a primeira vez que disputaram qualquer prova juntos. Pedro Reis realçou e agradeceu ainda o trabalho de Luís Brito, selecionador nacional e treinador de ambos os atletas no mais recente Campeonato do Mundo, em Omã.

SportMagazine (SM) – Como é que se iniciou todo este percurso na vela para cada um de vocês?

Pedro Reis (PR) – Eu comecei há cerca de 11 anos, na altura eu fazia natação e jogava futebol. Só que chegou a um ponto em que não seria capaz de continuar. Então, como sempre fui uma pessoa competitiva e gosto muito de puxar por mim, fui à procura de algum desporto adaptado em que eu pudesse realmente usar as minhas capacidades, ou falta delas, em prol da competição. Então foi aí que surgiu a vela. A vela surgiu porque eu vivo com os meus avós e o meu avô teve barco durante vários anos.

O meu avô ensinou-me a fazer windsurf também, quando era mais novo e, portanto, o bichinho da vela estava cá. Então entrei no Clube Naval de Cascais, com a oportunidade de fazer vela adaptada, e depois, logo no primeiro ano, comecei a competir. Fui campeão nacional, fui campeão Europeu, logo no primeiro ano, e depois nos anos que vieram daí tenho ganho diversos campeonatos nacionais. Também já fui uma vez ao pódio do Campeonato do Mundo e já fui ao pódio de, pelo menos, dois Europeus, e tem sido assim o meu percurso desportivo.

Guilherme Ribeiro (GR) – O meu percurso na vela começou há dez para 11 anos e aconteceu por um acaso. Eu tenho um amigo meu, que é o nosso treinador de vela, esteve comigo e com o Pedro agora no Campeonato do Mundo. Eu já o conhecia antes de iniciar a vela e ele lançou-me o desafio de abrirmos uma escola de vela adaptada em Portimão, onde eu resido. Na altura, pensei que aquilo não era para mim, nunca tinha andado à vela, mas tive alguma curiosidade como é lógico e iniciei. Ao princípio custou um bocado a gostar, porque quando começamos já com alguma idade num determinado desporto, a adaptação não é tão fácil. E as embarcações, neste caso a embarcação onde eu comecei, também não era muito favorável, também não ajudava em muito, que é uma embarcação, digamos assim, como uma pequena banheira. Não é, na minha opinião, o melhor barco para se iniciar, há quem diga que sim. Isto porque o barco tem características que não são tão fáceis de velejar.

Mas, após algum tempo, eu passei para outra classe, onde eu e o Pedro atualmente velejamos, que é o Hansa 303, e a partir daí comecei a sentir que o barco tem outra dinâmica, características diferentes do outro e, a partir daí comecei a gostar e integrei o mundo da vela com mais vontade e consegui estar onde estou hoje. O percurso da vela foi crescendo, depois em 2015 fiz, pela primeira vez uma prova internacional e em singular, onde me senti bastante nervoso no início, mas no fim acabei por perceber que estava melhor que o que eu pensava e fiquei classificado no meio da frota de 30 e poucos barcos. Comecei a perceber que, se treinasse, tinha condições para evoluir, e assim aconteceu. Fui participante em Campeonatos do Mundo, já levo cinco, e quatro da Europa, e conseguir chegar a um top10 do mundo por duas vezes consecutivas revela que trabalhando conseguimos chegar lá. É isso que tenho feito, é isso que o Pedro tem feito, e foi o que nos fez juntar os dois reforços para navegarmos juntos.

Foto: FPV

SM – Como foi toda a preparação para este Campeonato do Mundo?

PR – A nossa preparação foi feira só em Hansa 303. A RS não existe em Portugal ainda e esperamos que, no futuro, possamos trazer para Portugal. Nós fomos para este Campeonato do Mundo mais numa perspetiva de ver se o RS é uma embarcação boa para trazer para Portugal. Outro motivo foi, pela rivalidade e por competirmos juntos, apesar de ele estar no Algarve, acabámos por criar uma amizade. Uma amizade que foi fortalecida quando nós fomos ao Campeonato do Mundo dos Estados Unidos e é também dessa amizade que vem a presidência da Classe [Hansa]. E então tínhamos como sonho competir os dois fazendo equipa. Então, vamos lá, fomos na desportiva, ver o que conseguíamos fazer. O barco é maior, mas nós temos os nossos conhecimentos, o nosso à vontade e os nossos resultados já demonstrados nos Hansa e foi daí que veio a preparação. Não houve preparação [com a classe RS] a não ser lá, com o selecionador e treinador Luís Brito, onde realmente nos transmitiu o seu conhecimento. Sinceramente se fossemos sozinhos não teríamos o mesmo resultado.

SM – Como foi conquistar a medalha de bronze com todas essas dificuldades?

GR – Foi uma surpresa. Nós, como o Pedro referiu, tivemos quatro dias de treino intenso. Não tão intenso como queríamos, mas intenso no sentido de aproveitar todos os minutos na água para conseguir aprender mais sobre o barco e conhecer mais. Isso deu-nos o alento para ir para o início do Campeonato e darmos o melhor que conseguíssemos. Nós fomos sem expectativa absolutamente nenhuma. O que aconteceu no primeiro dia da regata foi fazermos um sexto e um quinto, e ficamos frustrados porque estávamos convencidos que íamos fazer um bocadinho melhor e não estávamos a conseguir. Mas fomos percebendo que conseguimos melhorar os nossos resultados de dia para dia, ao ponto de o penúltimo dia de campeonato, onde iriam as melhores equipas passar para o último dia de regata, ficámos num primeiro lugar que nos levou para os 10 melhores.

Nesse contexto, íamos dar o nosso melhor para tentar o pódio. Quando chegou o dia ‘D’, tivemos o infortúnio de ter um cabo preso e essa regata correu muito mal e ficámos em sexto lugar, ou seja, último, e ficamos com uma frustração enorme. Mas levantámos a cabeça e fomos fazer o nosso melhor e correu como correu. Fizemos o terceiro lugar, o que nós achámos que não nos iria dar o pódio. Mas, para surpresa das surpresas, depois de tudo finalizado, com a equipa francesa a festejar o terceiro lugar, percebemos que perdemos o pódio. A surpresa foi quando chegámos a terra, porque o sistema de classificação não era o que todos esperavam, mas sim outro sistema que a World Sailing escolheu para este Campeonato e que iria eleger o melhor resultado como o último. E, neste caso, foi o que nos aconteceu. Nós fomos a equipa que obteve o terceiro lugar. Comparativamente com a equipa francesa ficámos à frente deles, porque eles fizeram dois quartos lugares e nós fizemos um sexto e um terceiro, o que nos empurrou para o pódio. E o nosso festejo foi uma hora depois das regatas terem acabado. Foi uma surpresa diferente, boa, dada em primeira mão pelo nosso treinador. Obviamente que soube pela vida, era um resultado que nós queríamos e consegui-lo foi excelente.

PR – A vitória sabe ainda melhor, porque comparativamente com os outros países e as outras equipas, têm muito mais investimento a nível de material, as equipas têm o barco no país e já tinham tido oportunidade de andar e de treinar. Por exemplo, a equipa polaca, a campeã do mundo, treina oito horas por dia e nós estávamos ali a bater contra eles e a causar problemas a este tipo de equipas com mais investimento na vela adaptada do que nós. Nós que fomos quase como amadores, como amigos. Acho que isso valoriza ainda mais o nosso sentimento de conquista.

SM – Acreditam que esta conquista e outros pódios que tiveram, singulares ou em equipa, podem dar maior visibilidade não só à vela mas também à vertente adaptada da mesma?

GR – Qualquer conquista acaba sempre por trazer nome e por dar visibilidade nem que seja no nosso meio da vela adaptada. Mesmo internacionalmente a nossa equipa é sempre forte, somos muito respeitados lá fora e isso nota-se pela admiração e interesse de se juntar aos nossos treinos e aos estágios que organizamos a nível nacional. Agora, na perspetiva da proporção do desporto adaptado e da modalidade em si, infelizmente, e falo mais no nosso panorama [português] é mais virado para o futebol, o futsal, e a vela em Portugal não é um desporto que seja muito visto.

As pessoas vêm uns barquinhos lá ao fundo e 90% delas não sabe o que se está a passar ali. Isso também traz um bocado de desinteresse das pessoas e das marcas. Não sinto que estes resultados tragam visibilidade porque falta promoção dos próprios meios, neste caso, media, para darem um back up e interesse.

SM – Quais os objetivos futuros enquanto dupla e a nível individual?

PR – Como equipa, como foi dito, foi tudo uma novidade, foi a primeira vez que nos juntámos, que andámos neste barco, e nós próprios não estávamos à espera, sendo sinceros, de obter o resultado tão bom como foi. Como é óbvio já temos estado a pensar no que fazemos para 2023. Sabemos que vai haver o Campeonato do Mundo na Holanda em que estamos a ponderar seriamente em entrar, temos um título para ir buscar. Se conseguimos o terceiro agora, tentar buscar o primeiro, quem sabe.

Mas também, daqui a dois meses, vai-se saber se a vela entra outra vez nos Jogos Paralímpicos. A vela saiu nos Jogos do Rio de Janeiro, foi retirada como modalidade paralímpica, e poderá ter a possibilidade de integrar os Jogos de Los Angeles 2028. Daqui a dois meses, caso haja uma resposta positiva para a modalidade entrar, as coisas mudam muito de panorama, ou seja, porque em termos de apoio do IPDJ por exemplo, podemos começar a receber apoios e a tal visibilidade por completo.

Os objetivos também vão mudando. Se vela não for modalidade paralímpica, poderá ser um investimento trazer a embarcação para cá, mas também uma perspetiva de apostar nesta RS, fazer equipa com o Guilherme neste barco, talvez não seja tão benéfico. Porque é um investimento com muito dinheiro à volta. Pessoalmente, tenho como objetivo em 2023, ser campeão nacional em Hansa 303, vai haver um Campeonato do Mundo de vela adaptada pela primeira vez em Portugal, em que eu gostava de ter como objetivo entrar no top5, e de participar com o Guilherme no Campeonato do Mundo de RS Major e depois logo se vê consoante o resultado que sair do Comité Paralímpico e Olímpico internacional.

GR – Eu faço minhas as palavras do Pedro. Enquanto equipa é pensarmos no próximo Campeonato do Mundo, percebermos se temos apoio para o fazer ou não, porque como o Pedro disse esta Classe não existe em Portugal e a única hipótese é irmos a Espanha e fazermos um treino com uma embarcação emprestada e depois ir aos Países Baixos em agosto de 2023 e tentar ir ao pódio e, quem sabe, arrecadar o título de Campeões do Mundo. E depois, a maior prova alguma vez realizada e Portugal de vela adaptada que será em Portimão, em outubro de 2023, do qual eu faço parte da organização. Queremos fazer o melhor Campeonato do Mundo alguma vez realizado, isto porque nós já tivemos em vários campeonatos do mundo e sabemos a realidade do que se passe nesses mesmos campeonatos e nós queremos o melhor. Queremos proporcionar aos velejadores que vão cá estar, que irão ser, provavelmente, mais de 150 velejadores que vão cá estar daqui a um ano, e queremos proporcionar-lhes a melhor experiência da vida deles. E o objetivo é o mesmo, chegar aos cinco melhores com o alento que queremos, com isso, mostrar que queremos fazer mais, que podemos fazer mais, e esperar que os apoios apareçam para que possamos mostrar que Portugal tem os melhores do mundo.

1 Comentário

1 Comentário

  1. Iuan

    Dezembro 17, 2022 at 11:01 am

    Wonderful achievement by Pedro and Guilherme. They are a credit to their sponsors, the sailing federation of Portugal and their wonderful coach.

    Here in South Africa we follow your achievements with great interest after we met with you all those years ago at the PDP in Weymouth, England.

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