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Lourenço França e a ginástica acrobática: “Portugal já é uma referência…”Exclusivo 

Lourenço França ao lado da delegação medalhada em Baku. Foto: FGP

Lourenço França é um dos profissionais mais vitoriosos no atual cenário internacional da ginástica acrobática. Diretor-técnico do Acro Clube da Maia há 17 anos e desde 2012 selecionador nacional, foi eleito pela Federação Portuguesa de Ginástica o treinador do ano em 2021 pelas inúmeras conquistas. Esteve também nomeado como um dos cinco indicados como finalistas a “Desportistas do Ano” na categoria treinador pela Confederação do Desporto de Portugal (CDP).

As congratulações pessoais não foram, nem são, em vão. Apenas na equipa maiata, Lourenço França conquistou mais de 50 medalhas no ano passado. Em 2022, a trajetória campeã segue a intensidade. Há uma semana, Portugal brilhou nos Campeonatos do Mundo de Ginástica Acrobática, disputado em Baku, no Azerbaijão. Foram sete medalhas: três de ouro e quatro de pratas.

À frente do Acro Clube da Maia, Loureço França tem se notabilizado pela formação de várias gerações de novos ginastas no país. Em entrevista à SportMagazine, o treinador falou das conquistas recentes em Baku, da evolução das ginastas Rita Ferreira e a Ana Rita Teixeira, do desenvolvimento da modalidade e, por fim, fez também uma autoavaliação do trabalho com um desejo maior: seguir a rotina de vitórias e ajudar a tornar a ginástica acrobática um desporto profissional.

Lourenço França ao lado das atletas. Foto: Acro Clube da Maia

SportMagazine (SM) – Portugal teve uma participação com três ouros e sete pódios nos mundiais de Baku este final de semana. A que se deve tão bons resultados? 

Lourenço França (LF) – Os resultados foram inacreditáveis. Também temos que pensar um bocadinho no contexto histórico. O primeiro Campeonato do Mundo de ginástica acrobática que Portugal entrou foi em 1986. E a primeira vez que ganhámos medalhas foi há um ano. Portanto, isto dá uma perspetiva que demoramos 35 anos para conseguir a primeira medalha num Mundial. É porque não é fácil, se fosse, se calhar, teríamos conseguido há mais tempo. Temos tido consistentemente, há pelo menos uma década, desde 2009, resultados com medalhas, digamos assim, em Campeonatos da Europa. Isso ajuda a pôr em perspetiva que Europeus são Europeus e Mundiais são Mundiais. Nós nunca tínhamos conseguido uma medalha até o ano passado, quando estas ginastas, quer o par feminino [Rita Ferreira e Ana Rita Teixeira], quer o trio [Bárbara Sequeira, Francisca Maia e Francisca Sampaio Maia], conseguiram duas medalhas, uma de ouro e uma de bronze [respetivamente]. Campeãs do mundo e terceiro lugar. Isso é fruto de um processo, de um projeto, de uma história que começou mais ou menos também há dez anos. Fazer um desportista de alto nível leva tempo, são dez anos de trabalho. Na ginástica não é muito diferente. 

SM – Duas atletas em especial tiveram um resultado excecional, a Rita Ferreira e a Ana Rita Teixeira. Como avalia a participação dessa dupla especificamente nesta competição? Elas estão no auge ou têm mais a evoluir? Podem ser consideradas prodígios na modalidade?

LF – Não, não são prodígios. São ginastas muito trabalhadoras. É toda a diferença. Não treino nenhum prodígio, nunca treinei e nem sei muito bem o que isso é. E prefiro não saber. Prefiro ter jovens, jovens adultos, adultos, que querem treinar muito. Com isso é perfeitamente possível fazermos tudo o que quisermos basicamente. Claro que se eu tiver 1,50m e quiser treinar muito vai ser difícil ir para a NBA. Portanto, há algumas coisas da morfologia, da genética deles que podem ser mais ou menos importantes na escolha de um determinado desporto. Se eu tiver 2,10m não vou ser piloto de Fórmula 1 porque não caibo dentro do carro. Portanto, há algumas coisas que são importantes. E na acrobática é uma vantagem grande porque preciso dos corpos grandes, do muito alto, e também do mais pequeno. Tenho ginastas que são muito mais velhos que outros e muito mais pequenos que outros.

Mas voltando às Ritas, elas estão no meu entender longe de qualquer auge. Longe de qualquer pico. É um facto que a evolução delas têm sido muito boa. Depois do último Campeonato do Mundo que venceram a primeira medalha de ouro para Portugal, somos tentados a pensar que é isto, ok, é o máximo. Mas não. Chegámos a esse Campeonato do Mundo, um ano depois, e elas têm mais dificuldades, conseguem introduzir elementos mais difíceis, mas arriscados que o ano passado. Isto quando temos um processo de crescimento físico: a Rita Teixeira, que tem 17 anos, está no processo normal de crescimento e desenvolvimento. Ano passado, quando tinha 16, eventualmente seria mais pequena, portanto seria mais fácil para ela fazer determinados elementos. Pelos vistos, não. Elas conseguem fazer coisas mais difíceis este ano, quando a volante, como dizem no estrangeito, o flyer, o que voa, é mais alto, mais pesado.

Por isso, no meu entender, elas estão muito longe de qualquer pico. Como são duas ginastas muito trabalhadoras poderão conseguir basicamente tudo o que elas quiserem alcançar. Isto é algo que é extraordinário. Nem toda a gente conseguirá alcançar aquilo que sonha. Mas elas, acho que sim. Temos agora daqui a dois meses a Taça do Mundo da Maia de Ginástica Acrobática e depois, em julho, temos a nossa competição rainha [The World Games 2022, em Birmingha], nos Estados Unidos, que é uma competição para as modalidades não-olímpicas. São os ‘Jogos Olímpicos’ das modalidades não olímpicas, que é o caso da ginástica acrobática. É uma prova que acontece de quatro em quatro anos, este ano cinco anos por causa da pandemia, já que deveria ter ocorrido em 2021 e passou para este ano. E elas obviamente vão defender as cores nacionais e tentar conseguir os melhores resultados possíveis.

SM – No meio a tantas medalhas, pode-se dizer que Portugal firma-se como uma referência na modalidade?

LF – Eu penso que Portugal já é uma referência pelo menos a nível europeu. Consistentemente, estamos dentro das medalhas mais ou menos há uma década. Nos últimos anos, é como tudo: se começamos um projeto para dez anos é de esperar que quando chega ao fim desses dez anos o projeto esteja no seu máximo. E eu acho que ele está no seu máximo agora. Sendo que depois não será para diminuir, mas para poder continuar. Mas estamos a chegar ao fim ou ao término de um projeto que começou há dez anos. Portanto, ao fim desse período, é uma planta que demora para crescer e ao fim colhemos os frutos. É o que está a acontecer agora.

Em 2018, achávamos que iríamos conseguir a primeira medalha para Portugal, tínhamos uma quadra masculina boa, consistente, com um bom nível. Mas chegámos ao Campeonato do Mundo e a prova de quadras foi de tal forma incrível, para ter uma noção, neste Campeonato do Mundo, poucos ginastas chegaram aos 30 pontos. Poucos. Só aquela final os primeiros quatro chegaram aos 30 pontos e nós ficamos em quarto. Portanto, mesmo com uma coisa extraordinária, com uma pontuação incrível, os outros três conseguiram ter um bocadinho mais do que nós, apesar de termos feito muito. Ok, não conseguimos, ficámos em quarto lugar, foi a melhor prestação de Portugal até a data.

Naquele ano, tínhamos conseguido, também no Mundial 2018, ganhar uma medalha de ouro no júnior com um trio, curiosamente, constituído pela Rita Ferreira e Beatriz Carneiro. Uma agora faz trio e outra faz par. E depois, no ano seguinte, em 2019, nós conquistamos nove medalhas no Campeonato da Europa. Nove medalhas foi algo extraordinário. Muitas delas foram de ouro, foi realmente incrível. E nós estávamos muito mais lançados para o Mundial de 2020. Muito mesmo. Tínhamos dois trios muito bons, uma quadra muito boa, e depois dia 12 de março o mundo fechou, veio a pandemia, e nós só conseguimos regressar um ano mais tarde. Um ano mais tarde, a vida mudou muito para muitas pessoas, nem toda a gente conseguiu manter-se na modalidade, e os que conseguiram estão aqui e conseguem chegar a 2022 numa forma extraordinária.

Lourenço França na Gala do Desporto. Foto: Acro Clube da Maia

SM – O Lourenço tem sido uma máquina de conquistas nos últimos anos. Apenas ano passado, no Acro Clube da Maia, conquistou mais de 50 medalhas. Foi inclusive nomeado para entre os melhores treinadores de 2021 pela CDP. Como avaliaria o seu papel na construção dessa ginástica portuguesa nos últimos anos?

LF – Só para pegar um pouco nessa nomeação da CDP, que foi espetacular. Estamos a falar de um treinador de uma modalidade não olímpica, de uma modalidade que não é futebol ou futsal, portanto que não tem a dimensão ou divulgação que essas outras têm. Fui o único treinador desses todos que treina atletas amadores. E confesso que só reparei nisso quando estava lá na Gala [do Desporto]. Porque o Fernando Pimenta é profissional, o Jorge Fonseca é profissional, o Pedro Pichardo é profissional, a equipa de futsal é profissional, e depois há as Ritas, a Bárbara, a Beatriz, que são todas amadoras. Portanto foi espetacular ser nomeado no meio daquela gente incrível, que tem uma coisa que nós não conseguimos ter: treinam como profissão. Treinam pessoas cuja profissão é aquilo. Significa que são atletas remunerados. Os meus ginastas não são remunerados. Enquanto não forem, vão continuar a ser estudantes de Medicina, Psicologia, Desporto e totalmente amadores. Isso é algo que eu ando há muitos anos a tentar batalhar para mudar.

Por mais méritos ou prémios ou seja o que for quando se fala em relação a mim, enquanto não conseguir isso, não serei nada especial. Enquanto não conseguir fazer com que os ginastas que eu treino, com o volume de horas que treinam e que conseguem ser campeões do mundo, deixem de ser amadores, confesso que não vale muita coisa. Esse é o meu grande objetivo. Fazer com que as empresas, a Federação, Confederação, COP, não sei mais quem, a Fundação do Desporto, o Ministério da Agricultura, qualquer coisa, consigam perceber que se estes ginastas forem profissionais eles conseguirão ter uma carreira muito mais longa e portanto continuar durante mais tempo a dar essas alegrias que eles conseguem dar ao país. Tenho a certeza que a Bárbara Siqueira que faz 26 anos agora, é uma jovem, que pode continuar por muitos anos no pico da carreira, não poderá continuar se tiver que começar a trabalhar. Não pode estar 30 horas por semana no hobby.

SM – E a autoavaliação do Lourenço França?

LF – A minha autoavaliação é mais ou menos como eu disse. Nós temos conseguido coisas muito boas. Acho que há muito mais para conseguir, como é óbvio. O desporto e a ginástica em Portugal, apesar de agora todas as ginásticas estarem numa Federação, às vezes ainda está um pouquinho fragmentada. São muitas modalidades. Não há muitas federações que tenham tantas modalidades como tem a ginástica e eu gostava que a ginástica pudesse beber mais do conhecimento uns dos outros porque há treinadores incríveis nos trampolins, nas ginásticas artísticas, aeróbica, rítmica, e na acrobática, claro. Se calhar, se pudessem comungar um bocadinho mais talvez fosse realmente melhor.

Eu aprendo imenso com treinadores de outras modalidades. E tento transferir para mim coisas que eles fazem. Dou um exemplo simples. Este verão conversava com um amigo treinador de basquetebol para ele me explicar uma questão que eu não percebia muito bem de um modelo de jogo. E que levei algo para a ginástica acrobática. Não consigo explicar aqui, mas digamos que consegui transpor pelo menos os fundamentos, ou a filosofia do sistema, para a ginástica acrobática. Conseguimos aprender muito uns com os outros.

Que autoavaliação posso fazer? Posso me dar uma nota positiva para já [risos], baixinha, porque ainda falta muito para fazer. Mas tem sido um caminho extraordinariamente interessante quando fazemos aquilo que amamos com as pessoas certas, com uma equipa maravilhosa como eu tenho a possibilidade de ter. Nós conseguimos coisas muito boas. Não conseguiria nada disto se tivesse só com meus ginastas no ginásio. Impossível. Mas com a coreógrafa que temos, que por sinal também é médica e por sinal também é treinadora e também foi ginasta, e com os treinadores que temos nesta equipa técnica, todos eles são ex-ginastas de alto nível. Um deles é médico, o outro é professor de Educação Física, outra está a estudar para ser médica dentista, mas todos são treinadores com grau certificado. Temos uma equipa multidisciplinar com muito conhecimento. Já passaram por campeonatos do mundo, as provas mais altas. Somos cinco na equipa técnica. Se não trabalhássemos em equipa seria impossível conseguir isso.

Lourenço França orienta a atleta Rita Ferreira durante o Mundial 2021. Foto: Acro Clube da Maia

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