A partir de 1 de março estará oficialmente aberta a temporada para obtenção de mínimos para os Jogos Olímpicos de Paris 2024. Num ano especial como é o pré-olímpico, o diretor técnico nacional da Federação Portuguesa de Natação (FPN), José Machado, destacou que Portugal pretende levar pelo menos seis atletas na natação pura e alcançar dez mínimos A para a principal competição do mundo. O desejo principal é claro: voltar a recolocar Portugal numa final de olimpíada após 40 anos – em 1984, nos Jogos de Los Angeles, Alexandre Yokochi tornou-se o primeiro (e único) português a chegar a uma final olímpica de natação (7.º classificado nos 200 metros bruços).
Em conversa com a SportMagazine, o experiente comandante da natação nacional passou sobre vários pontos relativos ao Plano de Alto Rendimento da FPN para 2023, sem deixar de mencionar nomes como Diogo Ribeiro, Miguel Nascimento, Gabriel Lopes, João Costa, Camila Rebelo, entre outros, como potenciais nomes para conseguirem o apuramento. Antes, numa primeira e segunda partes da entrevista, publicámos a avaliação de José Machado sobre a natação em águas abertas e a natação artística.
SportMagazine (SM) – Relativamente a 2023, qual diria que são os principais objetivos para Portugal no âmbito da natação pura?
José Machado (JM) – A natação pura em 2023 divide-se em dois momentos essenciais. O primeiro é o final de março [31 de março a 2 de abril – Campeonato Nacional de Juvenis e Absolutos, Open de Portugal, no Funchal], que vai ser a primeira oportunidade dos nossos nadadores obterem mínimos para os Jogos Olímpicos. É um momento que vai ser particularmente importante porque há sempre aquela expectativa de quanto mais rápido se conseguir, entre aspas, o acesso para os Jogos, melhor é em termos de preparação porque as coisas ficam mais focadas na participação do evento do que propriemente na busca da marca de acesso. Quanto mais rápido for, maior é o tempo de preparação que vai restar até a data dos jogos. Esse é o primeiro momento.
SM – E o segundo momento?
JM – O segundo é a participação nos Campeonatos do Mundo [em julho, em Fukuoka, Japão] que vai servir de aferição do estado da natação portuguesa. Tivemos uma participação que muito nos orgulhou no último Campeonato da Europa e agora queremos de certa forma consolidar a nossa posição a nível mundial. Portanto, basicamente são esses dois momentos. O primeiro, como eu disse, passa pela obtenção dos mínimos para os Jogos, e o segundo por conseguir estar presentes pelo menos o mais perto possível das finais. O grande objetivo é uma final nos Jogos Olímpicos e o mais parecido é o Campeonato do Mundo, portanto se não conseguirmos estar presentes nas finais no Mundial é quase que utópico pensarmos em estar presentes nas finais dos Jogos.
SM – O Plano de Alto Rendimento divulgado no último mês pela FPN mostrou-se ambicioso, como por exemplo, alcançar dez mínimos A para os Jogos Olímpicos, o regresso à final olímpica que mencionou e seis classificações entre os 16 primeiros… A que se deve esse otimismo?
JM – Há aí uma nuance importante para explicar. Não é estar a baixar um bocadinho o nível de ambição, atenção. Na concessão desse plano e na definição dos objetivos, nós consideramos a obtenção de mínimos. Portanto, não significa necessariamente que conseguirmos dez participações correspondam a dez nadadores diferentes. Se tiver um nadador que faça mínimos em duas provas, também contará. Dez mínimos A poderão não corresponder a dez nadadores, por exemplo [Em Tóquio 2020, Portugal levou oito nadadores, um recorde].
Isso é ainda tem mais significado porque até os Jogos do Rio 2016, nós tínhamos conseguido um nadador com o mínimo A definido pela Federação Internacional. Depois, no Rio 2016, tivemos três nadadores que conseguiram o mínimo e uma nadadora apurada. E depois, neste último, já foram todos com o mínimo A. A evolução tem sido nesse sentido e daí que tenhamos tal aspiração a conseguir estar com os dez mínimos A.
SM – Ainda no âmbito dessas nuances dos dez mínimos, concretamente, quantos atletas espera apurar?
JM – Como é óbvio, desde o momento em que estabelecemos os objetivos até este momento já houve nadadores que apresentaram algumas possibilidades de atingir esses resultados, mas também houve outros que ou desligaram um bocadinho ou se afastaram um bocadinho [do melhor momento]. Portanto, as coisas vão variando. Eu tenho expectativas reais que nós possamos ter pelo menos seis nadadores. As coisas vão mudando, para ser sincero há nadadores que eu punha quase que de olhos fechados que nesta altura não tenho tanta certeza se vão conseguir, mas não vou dizer quem são.
SM – Podemos dizer que nomes como Diogo Ribeiro, o Gabriel Lopes e o Miguel Nascimento são quase certos, pois não?
JM – É provável. Eu acredito que o Miguel e o Diogo já nadaram abaixo do mínimo nesta época. Temos mais dois nadadores que nadaram abaixo do mínimo, embora não tenha sido na última época, mas já nadaram abaixo. A Camila [Rebelo] e o João Costa estão mesmo muito perto. Se as coisas correrem em termos normais, o objetivo nem sequer era muito ambicioso, mas há nadadores que participaram nos últimos Jogos Olímpicos e tiveram uma queda de rendimento.
SM – É o caso por exemplo do José Lopes, que já está em recuperação…
JM – Sim, o José Lopes está numa fase de recuperação, mas nesta altura ainda não consigo dizer com certeza nada. Não passa de uma aspiração. Mas é mais nadador que já nadou abaixo do mínimo exigido. Temos uma série de nadadores nestas condições que após Tóquio não mostraram a mesma qualidade que podem alcançar. Estamos baseados em nadadores que vão fazer as primeiras participações nos Jogos Olímpicos. O Diogo, o Miguel, a Camila, o João Costa não participaram e são esses que estão mais próximos de obter essas marcas. São ciclos e normalmente no caso da natação quando definimos um objetivo temos um conjunto de nadadores em mente…
SM – Ainda sobre o Diogo, o Miguel, o Gabriel… Esses nomes estão nas aspirações da FPN para a final olímpica?
JM – Sim, estão. Esses nadadores que que nesta altura estão na linha da frente para aspirar a esse objetivo. Se eu pensar no Diogo e no Miguel são provas onde não se pode falhar em nada. São provas de muitos detalhes, pormenores, que uma falhazinha de dois a três centésimos pode tirar vários lugares. São aspetos que dificultam um bocado mais. Mas há outros nadadores que temos aspirações e não estão exatamente nesse mesmo patamar de detalhes, as provas são um bocado mais longas. Temos nadadores de 200m, o Gabriel e a Camila, que podem ter esse mesmo nível de aspiração. Isso existe que a evolução continue a ser marcada, não são nadadores que estão lá, são nadadores que podem lá chegar.
José Machado: “O trabalho dos treinadores é o reflexo dos resultados dos nadadores”
SM – Esses nadadores que mencionou têm em comum o facto de serem treinados pelo Alberto Silva [casos do Miguel e do Diogo] e pela dupla Vítor Ferreira/Gonçalo Neves [casos do Gabriel e da Camila]. Qual a relevância desses profissionais neste contexto de bom momento da nossa natação?
JM – Há alguns aspectos que são muito relevantes. Nós na natação somos muito parecidos provavelmente com o atletismo: o trabalho dos treinadores é o reflexo dos resultados dos nadadores, pontos final. Não há mais nenhum elemento de referência. Só isso basta para dizer que a presença do Alberto [Silva], o trabalho que tem sido feito pelo Vítor [Ferreira] e pelo Gonçalo [Neves] e pelos treinadores que enquadram esses nadadores têm sido fundamentais.
Há aqui um aspecto que eu acho que deve ser de cerca forma enaltecido em relação ao trabalho dos treinadores portugueses. É o facto de nesta altura termos uma expetativa de longevidade dos nadadores que era completamente impensável há dez anos. E essa perspectiva também tem prometido que a qualidade tenha vindo a aumentar de forma quase que exponencial. Estamos a falar do Diogo, que é um caso praticamente de exceção, mas outros nadadores são atletas que estão dentro da casa dos 25 anos. O Gabriel tem 25, a Ana Catarina [Monteiro] já tem 29… São nadadores que já não são “jovenzitos”. Isso era o que acontecia há dez, vinte anos: a perspectiva era que a entrada na faculdade iria coincidir quase com o final de carreira. Nesta altura, essa possibilidade também de certa forma potenciou esses resultados. Os nadadores têm essa perspectiva de se preparar com um período mais longo.
Os nadadores acreditam até mais tarde que é possível ter sucesso internacional, isso é um aspecto importante. E depois há, como é óbvio, aprendizagens diretas da vinda de um treinador como o Alberto [que é brasileiro] para Portugal, que contribuem muito para o estado geral. Mas não posso de uma forma objetiva e sincera identificar um responsável direto por essa mudança. É como eu digo, tivemos no último Campeonato da Europa três medalhas, uma foi numa prova de 50m [Diogo Ribeiro], outra numa prova de 200m [Gabriel Lopes] e outra numa prova de 10 km [na natação em águas abertas, com a Angélica André]. Não há aqui um padrão. Eu penso que muito importante esta tentativa de mudar o paradigma essa perspectiva que é possível trabalhar num prazo mais longo.
O Plano de Alto Rendimento (PAR) divulgado recentemente pela FPN aponta sete objetivos para 2023:
1. Presença numa final Olímpica;
2. 10 mínimos A Jogos Olímpicos (JO) 2024;
3. 6 classificações entre os 16 primeiros nos Jogos Olímpicos de 2024;
4. Participação de uma equipa de estafetas nos Jogos Olímpicos de 2024;
5. Alcançar nas competições de referência em cada época desportiva mais de 50% de recordes pessoais ou melhores marcas do ano;
6. Dois Centros de Alto Rendimento em funcionamento pleno;
7. Até ao final da Época desportiva 2023/2024 conseguir que um total de 16 nadadores com idade igual ou inferior a 23 anos, tenham cumprido pelo menos um dos tempos da tabela de referência 2021/2024, a menos de 3% do nível TOP Mundial e que funcionará como a base de Referenciação de Nadadores para o ciclo 2024/2028.