O atual diretor Técnico e Operacional das modalidades do Sporting tem mais de duas décadas de experiência com jovens atletas, quer em formação, quer em desempenho ativo. Em entrevista à SportMagazine, José Carlos Reis salienta a necessidade de desenhar modelos escolares que permitam de forma socialmente justa ajudar os atletas a sobreviverem em dois mundos exigentes: o desporto e a escola.
Abaixo, pode-se ler uma parte da entrevista publicada originalmente na edição número 1 da nossa revista. A entrevista completa com Bruno Souza, ex-jogador de andebol, está disponível para assinantes. Se ainda não é, saiba como fazer para integrar o nosso grupo de leitores e colaborar com o nosso projeto.
SportMagazine (SM) – Portugal não é um país activo, desportivamente falando. Porquê?
José Carlos Reis (JCR) – Não é e há razões históricas para isso. Não existe o que se possa chamar uma cultura desportiva, pois vivemos um largo período de ditadura em que a educação física e motora não foram estimuladas. Foram muitos anos parados no tempo e, além disso, continua a não haver uma política global para criar a necessidade e o gosto pela atividade física. É incompreensível a educação física ser quase inexistente no pré-primário escolar e no primeiro ciclo. Era aí que tudo devia começar, é aí que se fazem os alicerces de um gosto pelo exercício físico. Por isso estamos entre os países europeus com mais analfabetismo motor, em que há mais obesidade e tudo aquilo que está fora dos benefícios associados à atividade física regular.
SM – Considera que esse ‘pecado original’ se reflete mais a jusante, já no alto rendimento, apesar de nós termos sucesso desportivo em muitas modalidades?
JCR – Hoje em dia, para se ter sucesso no alto rendimento já não é necessário que exista uma grande base desportiva. Todos sabemos que com investimentos específicos se conseguem obter resultados. Acontece é que podíamos ter melhor desempenho no alto rendimento se tivéssemos maior capacidade de escolha, uma base mais alargada para que o recrutamento conjugado com esses investimentos cirúrgicos produzisse ainda melhores resultados no topo. E também acho que a própria resiliência dos atletas no alto rendimento aumenta com um histórico desportivo mais consistente desde cedo. Mas temos um problema que é comum a muitos outros países, pois a entrada no ensino superior coincide com uma alta taxa de desistência a nível de desporto de alta competição, sobretudo nas modalidades onde a iniciação é feita mais cedo, o treino é mais precoce e os resultados começam também a aparecer mais cedo, casos da natação, da ginástica ou do atletismo. Os atletas abandonam com mais facilidade quando vão para universidade porque a exigência de treino é muito grande, não conseguem conjugar e optam pelo estudo, pois as recompensas nestas modalidades são muito baixas.
SM – Esta questão leva-nos ao modo como o modelo de desenvolvimento da carreira do atleta está estruturado. Não era possível encontrar modelos que ajustassem essas duas necessidades, desportiva e escolar? Veja por exemplo o caso do INSEP, em França, onde os atletas treinam e estudam.
JCR – Na ginástica, quando um miúdo chega aos 16 anos, idade em que está mesmo à porta do alto rendimento puro – ou entra aí ou dificilmente entra… – tem que fazer o 10.º ano em dois anos. Escolhe quatro disciplinas para fazer num ano e as restantes quatro no ano seguinte. Há países em que isso não acontece, pois o sistema de ensino permite que um jovem aluno que treina quatro a seis horas por dia não tenha que frequentar todas as disciplinas. Outra coisa para mim absurda é que um miúdo que treina cinco ou seis horas diárias, com treinos bidiários, como na natação e na ginástica, não esteja dispensado das aulas de Educação Física na escola. Não faz sentido. Logo aqui era possível retirar carga horária ao atleta. Felizmente criaram-se em algumas escolas as UAARE (Unidades de Apoio ao alto Rendimento na Escola). Penso que já há mais de 20 em todo o país. Não dão resposta a todos os miúdos que necessitam, mas já apoiam alguns. Os alunos que já têm estatuto de alto rendimento por terem atingido alguma classificação internacional de nível, ou são atletas de potencial desportivo identificado pelas federações, beneficiam de um regime especial, têm um plano de estudo especial, é-lhes designado tutor e podem ter aulas por vídeo, ou aulas de apoio em determinadas disciplinas em que tenham mais dificuldade. O programa é bom mas deveria ser alargado a mais escolas, pois acredito que em todas há crianças com potencial desportivo.
JOSÉ CARLOS REIS, 59 anos, é Diretor Técnico e Operacional das Modalidades no Sporting Clube de Portugal e Presidente da Portugal Ativo, associação de clubes de Fitness e Saúde de Portugal. Licenciado em Educação Física no ISEF, com uma pós-graduação em Direção Empresas, na AESE, foi professor de Educação Física, esteve ligado ao Desporto Escolar, treinador de ginástica acrobática, trabalhou em autarquias na área do Desporto, no Desporto Escolar e foi Diretor-geral do Ginásio Clube Português, clube onde esteve mais de duas décadas.