Fundadora da Sports Embassy, que se dedica à gestão da interação de atletas e ex-atletas com o universo empresarial, Inês Caetano está à frente da organização de mais um Congresso YourFuture. O evento, cujo programa completo já aqui está disponível, irá acontecer na próxima terça-feira, 31, no Museu Nacional do Desporto, na Praça dos Restauradores, em Lisboa.
O congresso ocorrerá tanto em formato online como presencialmente. As inscrições são gratuitas e podem aqui ser realizadas. Sob o mote “Soft skills are essential skills, and Athletes have it!”, o evento tem como objetivo abordar a temática das competências adquiridas no desporto ao serviço da sociedade.
E é justamente sobre a ideia do surgimento da Sports Embassy enquanto organização sem fins lucrativos de apoio aos desportistas o mote da entrevista realizada pela SportMagazine – parceiro de media do YourFuture22 – com Inês Caetano, formada em Educação Física e mestre em Gestão e Marketing Desportivo.
Com uma história de vida inspiradora, de superação a si própria, a antiga desportista apresenta as credenciais capazes de provar a partir do seu exemplo que o legado do desporto para atletas, ex-atletas e gestores desportivos podem – e devem – ir além da “simples” prática desportiva. E que, claro, é possível ser um desportista de alto rendimento sem deixar de planear o futuro. Para isso, um conjunto de forças faz-se necessário.
SportMagazine (SM) – Qual a relação da Inês Caetano com o desporto?
Inês Caetano (IC) – Comecei a competir em pentatlo moderno (tiro, esgrima, natação, hipismo e corrida) com cerca de 8 anos. Mais tarde, comecei a voluntariar-me para ajudar nos eventos dos escalões seniores, porque era uma curiosa – gostava de entender como se faziam as coisas que nós, em competição, não víamos. Tinha muitos sonhos, os Jogos Olímpicos fascinavam-me, e eu queria lá estar. Aos 17 anos fico em risco de vida, estive internada no hospital mais de um mês, e disseram-me que o desporto tinha acabado para mim. Aliás, que não voltaria sequer a andar como antes. Foi um choque, mas, ao mesmo tempo, algo que não aceitei. Ou por outra, não me resignei perante àquele cenário. Claro que não iria ter condições para procurar uma vertente competitiva de alto nível, pois iria requerer um investimento financeiro elevado e que não tinha possibilidade de o fazer.
De qualquer das formas, recuperei contra todas as expetativas e acabei por voltar a praticar desporto. Inicialmente esgrima, onde competi a nível nacional na arma de Espada, mas eu queria Sabre e, ainda hoje, não há mulheres em Portugal que tornem esta vertente sustentável e competitiva. Acabei por jogar rugby, que já tinha experimentado em miúda, numa altura em que conciliei as duas modalidades antes de escolher dedicar-me ao pentatlo. Acabei por jogar também no Brasil e deixei com cerca de 29 anos. Nessa altura já tinha estudado Educação Física, já tinha dado treinos de pentatlo e rugby, tinha feito o curso de árbitro e juíza de Pentatlo Moderno com vista a marcar presença nos Jogos Olímpicos do Rio em 2016, e tinha feito um mestrado em Gestão e Marketing Desportivo. Tinha também trabalhado nos Jogos Mundiais Militares e estava a trabalhar para o Campeonato do Mundo da FIFA. Posso dizer que, de alguma forma, a minha vida tem andado sempre em torno daquilo que o desporto me tem dado.

A pequena Inês Caetano colecionava medalhas e conquistas desde cedo. Foto: DR
SM – Em que contexto é que surge a Sports Embassy?
IC – A Sports Embassy surge precisamente das experiências que tive, das experiências que fui vendo algumas pessoas próximas terem. Tenho a felicidade de ter acompanhado de perto muitas realidades diferentes: atletas amadores, atletas profissionais, treinadores, árbitros etc. E de todas essas experiências, numa altura da minha vida em que já tinha um currículo com experiências profissionais relativamente boas, surge uma adversidade que me fez colocar tudo em perspectiva e sentir-me novamente com 17 anos. Achei que não fazia sentido sentir-me da mesma forma e comecei a questionar-me como estariam os meus amigos que tinham deixado de competir, como estariam aqueles que estavam a chegar à idade de deixar o desporto (professional e de alto rendimento), porque nessa altura em que fui despedida já tinha 33 anos. E foi então que percebi que nada era por acaso, porque acredito que as adversidades são oportunidades para criar algo. Entendi que era o momento de fazer alguma coisa e, aos poucos, a Sports Embassy foi tomando forma.
SM – Qual é em concreto a missão da Sports Embassy enquanto organização sem fins lucrativos de apoio aos desportistas?
IC – No nosso site explicamos que temos como missão servir o desporto e colocá-lo ao serviço das organizações empresariais porque queremos que os valores que nos foram transmitidos no desporto possam chegar cada vez a mais pessoas através do relacionamento entre os diversos agentes desportivos e marcas/empresas. E no fundo é isso que todos os projetos que desenvolvemos têm em comum, mesmo que sejam abordagens diferentes – literacia financeira, saúde mental, formação académica, trabalho de competências. Tudo isto parece muito diferente, mas nós, enquanto seres humanos, somos um conjunto de várias coisas. Ser atleta não define ninguém, é apenas uma parte de quem somos. E é com esse pensamento e sempre com o mesmo objetivo, que vamos desenvolvendo a nossa atividade.
SM – Enquanto agente que estimula a formação dos atletas e a integração no mundo coorporativo, qual o maior desafio a SE tem encontrado na sua trajetória?
IC – Não nos podemos esquecer que nós temos de nos adaptar ao contexto que temos. Isso significa que, da parte do mundo corporativo, encontramos muitas pessoas nas empresas que não entendem exatamente o que é “isso” das competências adquiridas no desporto, porque nunca praticaram qualquer modalidade desportiva na vida. As percentagens da prática desportiva na geração que está hoje em cargos de tomada de decisão nas empresas são muito baixas. Logicamente que isso é um entrave quando queremos promover os atletas em carreira dual e os ex-atletas como importantes ativos para uma empresa, quando por vezes não têm competências técnicas, mas têm uma grande capacidade ao nível daquilo que se chamam os “soft skills”.
Por outro lado, no mundo desportivo, toda esta abordagem holística que fazemos ainda é um pouco tabu, apesar de que nos últimos cinco anos a diferença já seja muito significativa! Mas é preciso mais: é preciso formar os treinadores e os dirigentes sobre a temática das competências extradesportivas, é preciso dar-lhes ferramentas para poderem ser agentes facilitadores no processo da preparação para o pós-carreira, e fazer toda a gente entender que um atleta que é acompanhado neste sentido será sempre um melhor ativo para a equipa e para o clube pois terá muito menos fatores passíveis de criar ansiedade ou stress. Isto é algo que tem de estar ao alcance de todos e, para tal, é preciso que cada um assuma as suas responsabilidades.
SM – É possível um atleta de alto rendimento conciliar a rotina de treinos/competições com estudo/trabalho sem perder rendimento desportivo? Se sim, acha que Portugal dá o suporte necessário aos atletas para isso?
IC – É possível porque temos vários exemplos disso. Inclusivamente atletas profissionais, atletas olímpicos, que mantêm essa carreira dual. Se é dado o apoio necessário para isso? Depende da perspectiva. A nível global, acho que ainda é feito muito pouco. Mas depois temos casos extraordinários de apoio por parte de clubes, treinadores, dirigentes… Ainda é muito na base de caso para caso, quando tem de ser algo transversal a todos. Como dizia há pouco, é preciso que cada um assuma as suas responsabilidades. Mas, para isso, é preciso que a visão do desporto na sua globalidade, seja uma visão partilhada pelos organismos de tutela do desporto, mas não só. Porque quando falamos do pós-carreira, falamos de empregabilidade, formação (técnica, profissional, universitária etc.), falamos de responsabilidade social, falamos de muitas coisas… E nunca vi um interesse genuíno da parte destas entidades promotoras, gestores e reguladoras destas áreas, no sentido de promoverem políticas transversais e comuns.

“É preciso dar-lhes [a treinadores e os dirigentes] ferramentas para poderem ser agentes facilitadores no processo da preparação para o pós-carreira”
IC – Em 2019 decidimos criar um evento anual que procurasse juntar diferentes pessoas numa abordagem diferente ao tema do pós-carreira. Quem nos acompanha sabe que temos o cuidado de promover estas temáticas sempre pela positiva e, mais do que isso, não usamos os atletas como bandeira. Procuramos é que, uma vez por ano, os atletas façam de nós a sua bandeira, de forma descontraída, mas com substância e conteúdo. Porque nós abordamos os temas para os quais procuramos solução.
Falar só da importância do tema e do que os atletas podem trazer de valor para o mundo corporativo não chega. É preciso fazer mais e é isso que nos diferencia. Esta iniciativa é o celebrar da nossa existência, é a valorização dos atletas, porque é com esse mindset que trabalhamos. É o enaltecer do desporto nas suas diversas vertentes, porque ele é muito mais do que a aquisição de competências técnicas e tácticas.
O que queremos é inspirar os atletas para a sua carreira desportiva e pós-desportiva e inspirar as empresas a querer levar para as suas equipas essas experiências, quer através das formações da Sports Embassy, quer através da criação de oportunidades de emprego para atletas em carreira dual ou ex-atletas no seu pós-carreira.
Logicamente que pretendemos também sensibilizar os diferentes agentes desportivos e chamar a atenção para os demais envolvidos porque, como referi há pouco, este não é um tema exclusivamente da responsabilidade do setor desportivo e ainda existe muita gente que precisamos trazer para o tema para que possamos, todos juntos, criar as melhores soluções para os atletas.