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Ginástica

Ida Pereira:
Reflexões sobre o treino a longo prazo em Ginástica Rítmica Exclusivo 

Foto: Federação de Ginástica de Portugal

Por Ida Pereira* (Treinadora de ginástica rítmica)

Introdução

Quando fui convidada para escrever este artigo, a minha primeira reação foi negativa. Treino a longo prazo? Será que ele existe na Ginástica Rítmica em Portugal?

O treino em ginástica rítmica é quase sempre a longo prazo, ginasta que treine 10 anos e termine a sua carreira aos 20, treinou em 50% da sua vida, é muito. Pensava centrar-me nos princípios essenciais para o êxito no treino em Ginástica Rítmica e na competição.

  • Captação da criança para a modalidade;
  • Iniciação correta;
  • Aspeto lúdico no treino;
  • Lembrar com frequência o que já aprendeu;
  • Ensino correto da técnica;
  • As qualidades a desenvolver para conseguirem ter sucesso nas diferentes técnicas.

Apoio da família

O apoio da família é essencial, devido à idade das praticantes. Há pais que apenas esperam resultados em competições, mas desde que as crianças gostem da modalidade os resultados surgem desde os primeiros treinos, quando as jovens ginastas insistem com a família para que esteja presente em todos os treinos. Ser pontual. Levar o equipamento exigido. Ir bem penteada.

Sem o apoio da família nada é possível, mas a verdade é que são as ginastas que o conseguem.

Objetivos do treinador

O treinador quer que a criança goste da atividade, que seja disciplinada e atenta, que aprenda a interagir com as outras crianças, que a família apoie a prática desportiva e que assista a (competições de colegas mais velhas).

Se a criança e os pais quiserem poderão, quando o treinador pensar que é boa altura, começar a competir. Preparar exercícios individuais ou de conjunto sem aparelhos.

Formar ginastas sem pressa. Cada criança tem o seu ritmo de aprendizagem.

A meta do treinador passa por que cada ginasta tenha um percurso desportivo o mais longo possível, terminando a sua carreira desportiva depois de competir pelo menos quatro anos no escalão sénior.

A realidade nacional diz-nos que uma ginasta abandona, na melhor das hipóteses, no primeiro ano da faculdade. Portanto, normalmente a ginasta tem apenas quatro ou cinco anos para competir no escalão absoluto – sénior.

Ida Pereira, treinadora de ginástica. Foto: Arquivo Pessoal

Ouvir as ginastas

Foi depois desta introdução e de algumas coisas que já tinha escrito, que resolvi mudar o rumo ao artigo. Pensei então que seria importante ouvir as ginastas.

Escolhi cinco ginastas do Sport Algés e Dafundo e fiz-lhes algumas perguntas. Sabia que iriam responder de forma diferente pois apesar de todas terem treinado oito ou mais anos consecutivos e terem atingido a Seleção Nacional sénior individual e/ou de Conjunto, tinham características muito diferentes.

Perguntas

1ª Qual é a primeira lembrança que vocês têm de ginástica rítmica.

2ª Gostaram da vossa primeira competição? Lembram-se onde foi?

3ª Porque é que continuaram a fazer ginástica rítmica e porque é que abandonaram?

4ª Qual foi a aprendizagem mais importante que vocês tiveram na ginástica?

Respostas

Susana Abrantes – começou a praticar em 93 e competiu de 94 a 2011.

Abandonou aos 24 e treinou 18 anos

1) A primeira lembrança que tenho, é ver a minha irmã a treinar e querer também fazer ginástica rítmica. Depois passava horas ao espelho no ginásio a treinar aparelho enquanto esperava por ela. Era a melhor parte do dia.

2) A minha primeira competição foi das escolinhas onde estavam 3 praticáveis estendidos e fazíamos 3 ginastas ao mesmo tempo.

3) Continuava a fazer ginástica rítmica até hoje se fosse possível. Além de lesões e por questões profissionais tive que abandonar.

4) Tudo. Digo sempre que foi a melhor escola que tive.

Amadureci muito como mulher, tornei me muito mais independente, responsável e muito mais.

Aprende se muito. É isso que quero transmitir hoje em dia às minhas ginastas. É um período da vida delas muito importante e que nunca vão esquecer. Aproveitem-no!

Sara Martins – começou a praticar em 86 e competiu de 88 a 96.

Abandonou aos 17 e treinou 11 anos.

1ª Primeiras lembranças na ginástica: amizade, o convívio antes do treino, as corridas e o rebolar em plano inclinado. A música! A dança!

2ª Não me lembro de nada da primeira prova… mas gostei de certeza!!

3ª A ginástica rapidamente se torna uma paixão, mas é fundamental o núcleo familiar. Penso que, em paralelo com a nossa realização pessoal, está este espírito de 2ª casa que encontramos na Ritmica do Algés.

4ª A persistência e espírito de partilha.

Nota da autora

A 1.ª prova fora de casa foi em Sesimbra em 1988 Torneio Regional de Minis.

Patrícia Jorge – começou a praticar em 80 e competiu de 81 a 88.

Abandonou aos 18 e treinou 9 anos.

1ª – Ir assistir a um treino com uma amiga ou ir à primeira aula e estar a fazer os exercícios

2ª – Gostei e fiquei satisfeita pelo resultado, para mim inesperado, num pavilhão em Lisboa que não me lembro qual, mas tenho na cabeça o espaço e algumas ginastas que estavam presentes

3ª – Adorava treinar e sentir que melhorava dia a dia, abandonei porque estava difícil de conciliar com a faculdade.

4ª – Perceber que podemos sempre superar-nos, que a vontade e o empenho fazem a diferença, conhecer outros países e pessoas dos mesmos.

Marta Raposo – começou a praticar em 86 e competiu de 88 a 98.

Abandonou aos 18 e treinou 13 anos.

1ª As pessoas com quem vivi esse período.

2ª Adorei!  Retive 2 – o Torneio da Páscoa e Sesimbra (Torneio Regional de Minis) são as minhas primeiras memórias de adrenalina.

3ª Continuei, para ter mais competições internacionais, não me apetecia mais desde os 16 anos, mas fui levando sem pensar.  E honestamente, não descarto o facto da entrada para a faculdade poder ter sido uma motivação. Deixei porque já me custava ir treinar.

4ª Capacidade de encaixar a crítica e resiliência.

A esta distância posso estar já a misturar gozo, prazer com compromisso e objetivos da altura. Apesar de tudo já la vão vinte e tal anos.

O longo prazo depende muito da vivência.

Para uma miúda de 20 anos, ter estado a treinar 15 não é longo prazo.

É uma eternidade.

Clara Piçarra – começou a praticar em 82 e competiu de 85 a 94.

Abandonou aos 19 e treinou 13 anos.

1ª Ir ver um treino no cinema do Algés. Lembro-me de brincar com bolas, de estar fascinada a ver as crescidas a fazer ginástica e de me mostrarem uma fita às riscas e o que se podia fazer com ela. Senti logo, nesse momento, que queria fazer aquilo, voltei muitas vezes a essa sensação quando estava demasiado cansada no treino.

Foi e é uma memória que me relembra de onde vem a motivação.

2ª Lembro-me mais de sensações do que momentos que aconteceram. Para mim houve dois: uma prova interna no cinema. Adorei. E o Torneio do Algés (da Páscoa), já no pavilhão novo. Adorei. Treinar era para sentir aquilo? Se já era bom, passou a ser melhor. Lembro-me das provas no Pedro Nunes, as primeiras, com ginastas de outros clubes. Gostava muito do treino antes de entrar em prova e de ver as outras treinar. Gostava muito de ver as minhas amigas a competir. De ver as outras treinadoras. Era ainda melhor entrar no praticável. Não me sentia tímida, era muito bom. Só não achava as senhoras vestidas de azul muito simpáticas ( juízes), mas no meio daquilo tudo era o que menos me importava.

3ª Porque gostava mesmo de treinar, de ir para o treino e estar com as minhas amigas ginastas. Porque era uma forma de expressão. Porque podia contar histórias cada vez que fazia com música e fazer parte delas. Porque fazer mais difícil era divertido. Porque treinar era cansativamente bom e desafiador. Porque percebi que podia atingir objetivos diários e a longo prazo que ambicionava desde criança. Porque gostava de competir. Porque o Algés era um lugar onde me identificava, com pessoas de outras modalidades que viviam o mesmo que eu, onde se respirava treino e amizade. Porque te tive a ti como treinadora e a Patrícia Jorge como colega.

Abandonei porque o meu corpo e mente atingiram um estado que não me permitia continuar. Porque queria viver outros lados da vida. Com e sem ginástica.

Ainda hoje tenho saudades de treinar. De entrar no praticável. De fazer ginástica como forma de expressão. A um nível de exibição, não de competição! Que ainda não estou senil e sem noção.

4ª Ética. Foi a palavra que me surgiu logo quando li a pergunta. Existimos com o outro. Respeitamo-nos quando respeitamos o outro. No treino, na competição, nas decisões, na fisioterapia, na nossa vitória e na vitória dos outros. Aprender isto a treinar, vivenciando e absorvendo a ética ao longo da infância, da adolescência, prolongou-se para a idade adulta.

Que consigo. E que não consigo. Conhecermo-nos quando estamos extremamente cansados, no limite do que achamos que aguentamos e mesmo assim conseguirmos continuar deu-me uma noção muito clara dos meus limites. E que podia ultrapassá-los, até. Ou que podia nunca conseguir atingir o que sonhava.

Deu-me uma ideia do que quero para a vida e do que não quero também.

Aprendi que gosto de passar pela vida de forma intensa e seriamente divertida.

Quando me falta motivação? Penso numa fita às riscas e no que podia fazer com ela.

Conclusão

Como treinadora que tem 92% de vida na ginástica, posso dizer que estive no treino a longo prazo.

Não há dúvida que temos muito que aprender todos os dias.

A aprendizagem constante de novos métodos de treino, a terminologia diferente, as regras da modalidade a mudarem a cada ciclo olímpico. Os diferentes interesses das jovens, o aparecimento da ginástica rítmica masculina. E envolvimento em todas as vertentes da atividade desportiva.

*IDA PEREIRA, 69 anos, treinadora de ginástica rítmica do Sport Algés e Dafundo e de Selecções Nacionais olímpicas (em 1988 e 1992). Juiz nomeada pela FIG nos Jogos Olímpicos de 2000, 2004 e 2008. É uma das principais referências da modalidade na história de Portugal. Ex-ginasta, convive com o desporto há mais de 60 anos. Atualmente continua a ser treinadora no mesmo clube.

Ida Pereira, treinadora de ginástica. Foto: Arquivo Pessoal

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