Quando Gabriel Lopes fez história ao conquistar a mais importante medalha da carreira, a de bronze, no Europeu de Natação 2022, ele referiu que a conquista era “fruto de muito esforço individual e muito trabalho coletivo”. De facto, não se tratavam de palavras apenas protocolares. Para pela primeira vez na carreira subir ao pódio entre os melhores do continente nos 200m estilos, o atleta treinado por Vítor Ferreira precisou passar por algumas adaptações nos treinos. Alterações que foram condicionadas a um trabalho multidisciplinar, multifatorial e de um staff que tratou de fazer dos movimentos subutilizados um ponto mais forte no nadador.
O resultado disso foi uma evolução notável. De atleta ausente do pódio nos Jogos do Mediterrâneo, em Oran, em julho, até os Europeus, no mês seguinte, Gabriel Lopes recebeu novas orientações e mergulhou – literalmente – em novas estratégias que funcionaram perfeitamente.
“Nos Jogos do Mediterrâneo, eu sai um pouco frustrado. Nos 200 estilos fiquei muito perto de uma medalha, fiquei em quarto, e sai um bocado frustrado desses campeonatos. E foi um pouco nesse ponto em que eu, o Vitor [Ferreira], em conjunto com o Sami [Elias, o biomecânico da Federação], analisámos o que é que estávamos a fazer: comparámos as provas que eu tinha feito naqueles campeonatos, dos nacionais anteriores, quando tinha feito o mínimo para os Jogos, a prova dos Jogos, e vimos quais eram as diferenças que nós tínhamos estado a ter nessa prova, como é que eu nadava antes, como é que tenho estado a nadar agora e fizemos uma alteração de um pouco da prova para uma maneira que achámos mais eficiente. Acabámos por mudar um pouco, dos Jogos do Mediterrâneo até ao Europeu, a maneira como treino. Também já não tivemos tempo para alterar muito a parte do treino, mas um pouco mais a forma como eu nadava a prova”, começou por explicar.
Questionado sobre quais foram, efetivamente, as mudanças, Gabriel Lopes detalhou alguns dos pontos técnicos do treino que o levaram a melhorar o seu desempenho e, consequentemente, as suas marcas.
“Por exemplo, eu quando fiz o mínimo para os Jogos, em 2019, o meu nado de costas era muito mais em frequência, puxava muito mais o subaquático, o bruços era muito mais agressivo. E antes do Europeu já tinha um nado muito mais descontraído, sem puxar os subaquáticos, o subaquático de crawl a mesma coisa, e chegámos à conclusão que eu não estava a aproveitar o suficiente a minha pernada. Tudo aspetos em que eu sou forte e não estava a aproveitar na prova em si. Pronto, isso foi um aspeto que nós alterámos imenso. No percurso de costas pôr uma frequência muito maior do que aquilo que eu estava a fazer. Nós chegamos ao Europeu, já com uma estratégia diferente daquilo que eu estava a fazer e pronto, no Europeu deu medalha”, comemorou.

Gabriel Lopes conquistou a medalha de bronze em Roma 2022. Foto: FPN
Na final dos 200m estilos em Roma 2022, Gabriel Lopes chegou a estar à frente aos 150 metros, mas no percurso final, de livres, perdeu duas posições. Ainda assim, terminou a prova com o recorde pessoal (1.58,34), atrás do húngaro Hulbert Kos (1.57,72), vencedor da prova, e do italiano Alberto Razzetti (1.57,82), medalha de prata.
Recorde-se que na estreia numa edição dos Jogos Olímpicos, em Tóquio 2020, disputado em julho do ano passado, Gabriel Lopes também partiu muito bem na sua especialidade, os 200m estilos e, a 50m do final, ocupava a primeira posição – tal qual aconteceu em Roma 2022. Apesar de ter sido alcançado pelos adversários, terminou no sétimo lugar da quarta série de apuramento e na honrosa 21.ª posição da geral com 1.58,56, tempo que lhe rendeu na altura uma nova marca pessoal.
Especificamente questionado sobre essa reta final da sua principal prova, quando acaba por não conseguir manter o mesmo desempenho, Gabriel Lopes, obviamente, disse já estar atento ao ponto em questão e que o único caminho para evoluir é: treinar.
“Eu diria que é uma questão de, no fim da prova, eu vou já no limite. Às vezes as pessoas pensam que é porque eu, ou não nado bem crawl, ou que tenho de melhorar muito o treino de crawl, ou o que seja, mas eu não penso que seja muito esse o caso. Por exemplo, este fim de semana, ganhei os 200 livres a fazer 1.45. Não penso que será muito a técnica. Quer dizer, a técnica tem sempre muito peso, mas não penso que será por aí. Normalmente nos últimos 20 metros de crawl é quando eu começo a quebrar, o corpo já não consegue responder muito bem, mas para melhorar isso é treino, não há nada a fazer. É treinar, treinar partes específicas, tolerâncias, tudo o que envolve isso e é isso”, explicou o nadador de 25 anos.
Gabriel Lopes é acompanhado por Vítor Ferreira desde 11 anos de idade, quando ainda dava os primeiros passos, na altura como cadete. Com extrema confiança no treinador, aceitou as mudanças necessárias para manter a alta competitividade.
“Em termos de treino conseguimos pôr alguns aspetos, mais da parte do treino subaquático, a frequência, a frequência gestual do nado de costas. Mas a maior diferença foi mais a estratégia em si, porque durante um mês e meio não dá para fazer uma grande mudança do treino que tenha um impacto muito grande na prova [referindo-se eu Europeu]. Foi mais uma mudança de estratégia e de, pronto, onde atacar ou não atacar, foi mais um aspeto assim. No Europeu também consegui fazer o recorde nacional nos 200 bruços [2.11,92 minutos], também foi uma ótima marca. Agora foi a parte de curta, em que as duas provas principais foram o Meeting do Algarve e agora os Nacionais, em que também correu muito bem, consegui fazer o recorde nacional nos 400 estilos e nos 100 costas”, acrescentou.

Vítor Ferreira e Gabriel Lopes em Tóquio 2020. Foto: Vítor Ferreira/Instagram
Conforme referido por ele próprio, o nadador do Louzan Natação voltou a ser destaque no último fim de semana, no Campeonato Nacional. Foi o nadador com mais títulos individuais – 200 livres, 50 e 100 costas, 100, 200 e 400 estilos – estabelecendo ainda dois recordes nacionais. Nos 100 metros costas tornou-se no primeiro português a nadar abaixo dos 51 segundos, marcando 50.82 e nos 400 metros estilos chegou à parede com 4:05.87. Marcas que, confirma Gabriel, são resultados diretos da nova estratégia.
“No início desta época começámos a fazer um treino ainda mais específico que aquele que já fazíamos de subaquáticos, de pernas. Temos feito muita intensidade. E eu sinto que estou mais forte em pernas, quer em treino, quer em prova. E isso que saiu nos 100 costas é, claramente, um reflexo desse treino”, garantiu o olímpico lousanense.
Com tranquilidade após mais bons resultados somados no fim deste ano, Gabriel Lopes agora faz os planos para em 2023 fazer o mais rapidamente os mínimos para os Jogos Olímpicos de Paris 2024. As marcas para qualificação passaram a valer a partir de 1 de março.
“Nós temos que fazer as nossas coisas um passo de cada vez. O nosso objetivo principal neste momento é chegar ao nacional da Madeira, em fins de março, inícios de abril, e tentar fazer logo o mínimo. Se tudo correr bem, se tudo for como nós quisermos, dá-nos uma outra abertura para trabalhar de uma outra maneira, se não sair temos de tentar fazer depois no Mundial, que também é perfeitamente possível. Mas pronto, 2023 vai depender um bocadinho daquilo que nós fizermos. Portanto, se conseguirmos o mínimo logo em março ou em julho. Acredito que vamos conseguir logo em março, sinto-me bastante forte e motivado”, disse, seguindo sobre as metas para os próximos Europeus e Mundiais.
“O nosso Mundial do próximo ano é em fevereiro, salvo erro, vai ser assim um bocadinho atípico, mas a nossa ideia, mais coisa menos coisa, se tudo correr como nós queremos, é fazer dois macros nesse ano. Um de setembro a fevereiro, sem paragens de natal, nada disso. Temos uma pequena pausa após o Mundial e depois fazemos outra macro até aos Jogos. É essa a ideia global que nós temos. Mas é o que eu digo, depende muito daquilo que nós fizermos este ano. Idealmente o objetivo seria tentar competir por uma final, mas isso toda a gente tem noção de que é complicado. Meia-final obviamente que sim. Tentar lutar por uma final, mas vamos ver. No Europeu claro, finalista de certeza, tentar repetir o que fiz este ano. Vamos ver”, referiu, com cautela.
Apesar dos cuidados nas palavras por parte do atleta, o treinador Vítor Ferreira destacou, em entrevista recente à SportMagazine, que o seu nadador deverá chegar aos próximos Jogos no seu auge.
“O Gabriel, se conseguir o mínimo para Paris, vai-se apresentar com 27 anos de idade, o que na nossa visão é a idade perfeita, quer a nível psicológico, maturação muscular ou base de treino, para alcançar os seus melhores registos. Achamos que se for consistente a nadar a 1.57 pode lutar por uma final. Mas isso depende de muita coisa. Por exemplo, 1.58,5, em todos os Jogos, deu final e em Tóquio nem meia final deu”, destacou.
Por fim, questionado sobre a relação de 14 anos com o treinador, Gabriel Lopes não deixou de referir a importância que tem a parceria para o seu desenvolvimento.
“A minha relação com o Vítor acaba por passar mais do que treinador-atleta. O Vitor na minha vida acabou por ser um pilar, quer seja na vida desportiva como em tudo o resto. Aquilo que eu atribuo ao Vitor… O Vitor tenta ser justo com as pessoas e acho que ele me passou muito esse aspeto dele. Ser verdadeiro connosco mesmos, se é isto que nós queremos vamos à luta, e pronto. Comunicação um com o outro, ter a abertura para falar, porque não vamos estar sempre bem e falar um com o outro para conseguirmos tirar o melhor possível nas circunstâncias em que estamos”, afirmou, antes de concluir com uma garantia sobre a época: “Sim, eu diria que foi o meu melhor ano”, concluiu o nadador que está a terminar o curso de Ciências do Desporto na Faculdade de Coimbra.
A se recuperar de uma virose, Gabriel Lopes irá encerrar 2022 com participação no Coimbra Swimming Open, estes sábado e domingo, no Complexo Olímpico de Piscinas de Coimbra. Este evento desportivo é organizado pela Associação de Natação de Coimbra com o apoio da Federação Portuguesa de Natação e da Câmara Municipal de Coimbra.