Francisca Jorge é a tenista de maior sucesso em Portugal na atualidade. Número 1 no ranking do país, a vimaranense é pentacampeã nacional absoluta de singulares. Aos 21 anos, já acumula três títulos internacionais ITF em singulares e sete na variante de pares. Principal atleta lusa da modalidade, alcançou no mês passado o seu melhor posto na hierarquia mundial WTA, quando esteve na 351.º posição – atualmente é a 357.ª.
Referência entre as mulheres, a tenista natural de Guimarães mudou-se para Lisboa, onde passou a treinar no Centro de Alto Rendimento do Jamor com o objetivo de seguir em evolução na carreira. Próximo de se tornar a oitava portuguesa a alcançar o top-350, ela ultrapassou há poucos meses o registo da atual selecionadora nacional, Neuza Silva (campeã em 2003, 2006, 2007 e 2008), e tornou-se na sexta mulher portuguesa a vencer o Nacional em cinco ocasiões seguidas – desde 2017.
O caminho trilhado por Francisca Jorge agora aguarda o sucesso fora do país com a força que tem tido dentro. Uma razão para inspirar novas atletas a seguirem caminhos iguais e, quem sabe, aumentar o número de investimento e de praticantes mulheres na modalidade. De acordo com a Federação Portuguesa de Ténis, Portugal tem atualmente 1.031 mulheres federadas no escalão sénior. Homens, são 2.414 – mais do que o dobro.
Atendendo aos números de praticantes do escalão juvenil – atletas de 12 a 18 anos -, ou seja da formação, há uma tendência vincada. Dos mais de 12 mil tenistas nos escalões de sub-12, sub-14, sub-16 e sub-18, 4.170 são raparigas e 8.056 são rapazes.
Em entrevista a SportMagazine, Francisca Jorge falou sobre o momento na carreira, o desenvolvimento do ténis feminino nacional, da chegada da treinadora Neuza Silva ao Comité para a Igualdade de Género da Tennis Europe, da relação com a irmã, a tenista Matilde Jorge, e os próximos objetivos na carreira.
SportMagazine (SM) – Chegou há poucos dias a estar no 351.º posto da hierarquia mundial WTA (atualmente é a 357.ª), o melhor ranking da sua carreira. Com esta subida, a Francisca Jorge está a um degrau de se tornar a oitava tenista portuguesa a inscrever o nome entre no top-350. Como avalia o seu momento na carreira e essa possibilidade de se juntar a uma seleta lista?
Francisca Jorge (FJ) – Eu penso que tenho andado a trabalhar bem e este “best ranking” é fruto disso. Mas ainda tenho de comer muita sopa, ganhar mais jogos, manter a minha posição e subir mais ainda. Atingir a 8.ª posição a nível nacional é apenas uma consequência da subida no ranking, o que sinto ser mais importante a minha posição mundialmente falando.
SM – Deixou Guimarães para treinar no CAR do Jamor. Poderia falar um pouco como tem sido a sua rotina de treinos para manter a evolução na carreira e como tem sido viver longe de casa?
FJ – São treinos bidiários, seis vezes por semana e muitos durante o fim de semana em Lisboa, porque às vezes não compensa fazer três horas de carro para passar menos de um dia em casa, onde entre oito e nove horas delas são a dormir. Sinto que tenho vindo a meter mais empenho em cada treino, a tirar prazer do trabalho duro e sempre aplicada e com vontade de melhorar.
SM – Ainda sobre Guimarães: é também vimaranense como o João Sousa, o nosso número 1 masculino. Costumam conversar, trocar experiências e se ajudar?
FJ – Conheci o João já ele era o número 1 nacional e eu ainda uma miúda que dizia gostar muito de jogar ténis mas não tinha ainda sequer intenções de fazer uma carreira profissional. Conhecemo-nos, cumprimentamo-nos e falamos um bocado quando nos vemos. De vez em quando, ele responde a uma mensagem que eu lhe mande, mas nada muito recorrente. Saber que ele me reconhece quando me vê é suficiente para mim.
Francisca e Matilde Jorge, irmãs tenistas portuguesas. Foto: FPT
SM – Em abril, ao lado da sua irmã, a Matilde, falhou por muito pouco a conquista do primeiro título lado a lado em torneios do circuito internacional, no Magnesium-K Active Ladies Open, em Oeiras. Pode-se dizer que essa conquista está muito perto de acontecer?
FJ – Eu acredito plenamente que sim. Fazemos uma boa dupla, temos vindo a crescer e ganhar experiência juntas e isso é muito importante. E depois, reflete-se nos jogos. A empatia é das coisas mais importantes no par e nós complementamo-nos bastante.
SM – Paralelamente às competições em que está do mesmo lado, também por vezes está do lado oposto a Matilde…
FJ – É sempre difícil jogar contra a Matilde. Estes dois últimos confrontos foram condições completamente distintas e situações diferentes. Eu penso que a experiência ainda dita muito os nossos encontros mas a Matilde evoluiu bastante e eu sinto mais dificuldade em controlar o jogo. Tenho de jogar o meu melhor nível senão vou ter muitos problemas.
SM – Portugal já teve uma top-100 e, apesar de haver mais torneios internacionais realizado cá, não tem ainda jogadoras no circuito principal WTA. Como a nossa tenista número um, como avalia as condições para o desenvolvimento das mulheres neste desporto no nosso país?
FJ – Eu sinto que são épocas diferentes. O ténis mundial evoluiu bastante desde então, não tirando qualquer mérito das nossas atletas portuguesas de todo, mas ainda me falta subir uns degraus para poder jogar WTA’s. Contrariamente, também sinto que as condições que temos agora são muito melhores e existe uma maior oferta de oportunidades e por isso acredito que podemos voltar a ter jogadoras a integrar torneios desse gabarito.
A realização de torneios, quer de categorias mais baixas, quer de nível mais elevado, ajuda na transição de torneios nacionais para os internacionais. Isso permite que miúdas juniores que estejam a começar a fazer torneios profissionais possam ter a oportunidade de participar em torneios deste nível e não sentirem a necessidade de investir uma quantia de dinheiro superior em viagens para fora do país.
SM – Há desigualdade de género no ténis em Portugal? Se sim, o que pode ser feito para mudar essa realidade?
FJ – A desigualdade está em todo o lado. Eu diria que o ténis não é exceção, mas eu pessoalmente tenho tido oportunidades incríveis e poderia dizer que quase fazer uma época tenística em Portugal é um luxo. Temos tido muitos torneios internacionais realizados tanto femininos como masculinos, mas sem dúvida que há mais torneios de categoria superior nos rapazes do que nas raparigas. Mas isso vem com o crescimento no ranking pois temos mais rapazes melhor ranqueados.
SM – E o que Portugal precisa de trabalhar/mudar na sua estrutura para formar futuros tenistas de topo mundial?
FJ – Haver mais tenistas interessados em crescer na modalidade e fazer disto uma profissão e também serem bem guiados e formados para tentar minimizar desvios à procura do caminho correto.
SM – A Neuza Silva passou a integrar o Comité para a Igualdade de Género da Tennis Europe. Achas que é um bom indicativo de mudanças positivas neste quesito a Portugal?
FJ – A Neuza desde sempre que tem vindo a promover o Ténis feminino em Portugal. Não só quando foi jogadora e representou Portugal em grandes palcos, onde muitos ambicionam um dia chegar lá. Ela mostrou interesse e coragem de falar em voltar a abrir um CAR Feminino e eu tive a oportunidade de poder “estrear” a equipa com ela. A Neuza vai sempre zelar pelo nosso melhor interesse e eu sei que ela vai representar bem o cargo que lhe foi atribuído.
SM – A Francisca hoje tem apenas 21 anos e muitas temporadas pela frente em bom nível. Quais são seus objetivos a curto prazo, especialmente para a temporada 2022? E a longo prazo, já pensa em Paris 2024?
FJ – Tenho em mente jogar torneios WTA ainda este ano e gostava de conseguir atingir um ranking que me permita jogar Wimbledon e também US Open, mas a prioridade é ganhar consistência em torneios de categoria inferior e ir ganhado jogos e furar torneios maiores. Paris 2024 é um desejo, sem dúvida, adorava ter a oportunidade de jogar uns Jogos Olímpicos, mas penso que seria algo que viria com a minha presença nos Grand Slams. Então aí estaria apurada automaticamente, digo eu.
Francisca Jorge é a tenista número 1 de Portugal. Foto: Federação Portuguesa de Ténis