Modalidade olímpica desde Pequim 2008, a natação em águas abertas vem ganhando cada vez mais espaço em Portugal nos últimos anos. Desde a época 2016/2017, a Federação Portuguesa de Natação (FPN) criou um gabinete específico para tratar da disciplina. “Antes era partilhado com a natação pura”, explica Daniel Viegas, Diretor Técnico Nacional (DTN) para as Águas Abertas. O treinador esteve no 45.º Congresso da APTN, que decorreu no último fim de semana, no Instituto Politécnico de Leiria, e atendeu a reportagem da SportMagazine para uma conversa sobre o desenvolvimento da modalidade.
SportMagazine – Recentemente tivemos a inédita medalha de bronze da Angélica André no Europeu, a Mafalda Rosa já foi campeã europeia júnior no ano passado e este ano voltou ao pódio na mesma competição, e temos o masculino o crescer com o Tiago Campos e o Diogo Cardoso, por exemplo. Como avalia o desenvolvimento da natação em águas abertas aqui em Portugal?
Daniel Viegas (DV) – Desde que entrou a modalidade nos Jogos Olímpicos, Portugal passou a investir um bocadinho mais nas águas abertas. Temos vindo a crescer aos poucos, conseguimos estar sempre presentes em todas as olimpíadas. Apesar de serem muitos poucos os nadadores que entram. Eram 25 e passaram a 22. A minha entrada na federação significou a criação de um gabinete específico para as águas abertas. Antes era partilhado com a natação pura. Isso acho que ajudou um bocadinho a canalizar mais a dinâmica nas águas abertas e a alavancar um bocadinho o nosso crescimento. Estou muito satisfeito com os resultados, mas acho que ainda há um longo caminho a percorrer. Temos conseguido agarrar aqueles nadadores que mostram muita vontade de trabalhar, temos conseguido catalisá-los para bons resultados, temos conseguido dar boas condições, a FPN tem investido muito nisso. Temos conseguido dar esse apoio aos nadadores.
SM – Falou que há um longo caminho a percorrer… O que ainda precisa buscar?
DV – Não estamos satisfeitos a 100% porque precisamos de mais massa. Sentimos que ainda há pouco daquilo que é o panorama competitivo em Portugal. Ainda sinto que há muito mais nadadores que podiam estar a procurar as provas de águas abertas, que podiam ter potencial para fazer bons resultados. Estou satisfeito? Não a 100%…
SM – E o que a FPN tem feito para motivar esses atletas a buscarem mais as águas abertas?
DV – É um bocadinho este conhecimento, agora as coisas vão melhorando. No ano passado, conseguimos bater o nosso recorde de participação no nacional de águas abertas. As nossas provas nacionais do circuito nacional já são muito participadas, agora o Campeonato Nacional que são as provas de referência, 5 km, 7,5 km e 10 km, nessas distâncias no ano passado tivemos um recorde de participação positiva. Este ano esperamos superar esta marca.
DV – Acha que existe ainda um desconhecimento da disciplina mesmo dentro da natação?
SM – Sim, existe algum desconhecimento da modalidade. Alguns treinadores associam a questão de ter muito volume sempre, de ter que ser nadadores muito específicos com essa capacidade, e acham que poderá ser muito duro para alguns nadadores que estão consigo. Outro motivo, e muito real e válido, é que a maior parte dos clubes em Portugal não conseguem ter espaço de treino para trabalhar o tempo necessário para as águas abertas. Conseguem ter os miúdos a trabalhar por duas, três horas, mas a piscina só tem 1h45 na água e se quiserem colocar nadadores, por exemplo júnior, com idades de 17, 18 anos, que precisam se calhar fazer 60 km, 70 km, 80 km por semana, não têm essa possibilidade sequer temporal. Conseguem trabalhar fora da água, estão disponíveis, mas às vezes não há um espaço físico e é uma dificuldade que existe em Portugal. É um obstáculo. Se por um lado existe algum desconhecimento, por outro existe alguma dificuldade prática em alguns clubes que até gostariam de fazer melhor.
SM – E o que a FPN poderá fazer para mudar essa realidade?
DV – A FPN tem tentado fazer esse trabalho, um bocadinho na parte de divulgação. Neste momento, muitos municípios estão a organizar provas, muitas pessoas estão a ajudar, mas isso passa um bocadinho por essa sensibilização de autarquias que muitas vezes são as donas das piscinas.
SM – Qual a importância de uma medalha como a conquistada por Angélica André, por exemplo, para que a disciplina ganhe maior reconhecimento?
DV – É muito importante. Aliás, todo esse crescimento da Angélica, o aparecimento da Mafalda [Rosa, que sonha em chegar aos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024] também com um nível muito alto, já foi campeã da Europa júnior. Não digo que seja mais importante, mas um campeão da Europa de júnior tem quase a mesma importância que um campeão do mundo de júnior, e para nós tem um peso grande. E foi 3.º este ano. E ela quer sempre mais. Este ano após o Mundial queria ir melhor, ir à medalha, mas explicamos que depois de uma época cheia com quatro provas principais, equacionamos até ela não ir ao Europeu, mas achamos que era pior para ela ficar a treinar em casa e achamos melhor ir ao Europeu absoluto. A prova acabou por ser pesada para ela, mas foi bom para o futuro e crescimento dela.
Toda esta catalisação dos treinadores, mesmo com Tiago [Campos] e Diogo [Cardoso], agora a conseguir dar um up grade nos resultados no setor masculino, e já andam no primeiro terço ou primeira metade da classificação… Temos mostrado ao resto dos nadadores em Portugal que é possível. Uma das grandes vantagens que eu vejo nas águas abertas e nesta dinamização é que é uma disciplina em que dependemos muito do nosso trabalho, não só das condições que temos. Ao contrário dos velocistas que precisam ter algumas capacidades especificas. Precisa ter algum talento, mas o trabalho conta mais porque são muitas horas na piscina e 10 km a nadar. Temos muitos nadadores com essa capacidade de trabalho, sofrimento, para ir além. Coloca esse bichinho: se Angélica consegue, com um trabalho muito sério e talento, é claro, é porque é possível.