Cátia Ferreira ao lado da atleta Evelise Veiga. Foto: Cátia Ferreira/Facebook
Medalha de ouro com recorde pessoal em competições cobertas (6,58 metros) no Dynamic New Athletics Indoor, que ocorreu no início deste mês em Glasgow, e campeã nacional de clubes em pista coberta no último final de semana a defender o Sporting (6,54 m), Evelise Veiga começou o ano de 2022 comprovando uma evolução recorrente nos últimos anos.
Treinada pela antiga atleta internacional Cátia Ferreira desde setembro 2011, Evelise Veiga alcançou as principais conquistas na carreira. Entre os muito títulos nacionais e internacionais, participações em competições mundiais, a atleta que completa 26 anos no dia 3 de março, chegou aos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, onde foi 19ª classificada entre 33 atletas no Triplo Salto com a marca de 13,93m.
Cátia Ferreira vê hoje Evelise Veiga mais madura, mais forte e mais próxima de atingir o auge da carreira (que ainda está por vir). A treinadora, natural de Leiria, conversou com a SportMagazine sobre a relação da sua atleta com a vice-campeã olímpica Patrícia Mamona, sobre a rotina de treinos e fez uma projeção acerca das marcas que Evelise precisa alcançar este ano para chegar ao Mundial em Oregon (julho) e ao Europeu de Munique (agosto). Por fim, destacou que a saltadora nascida em Cabo Verde, mas desde 2012 naturalizada portuguesa, deverá atingir o melhor da sua trajetória em Paris 2024.
SportMagazine (SM) – Para começar, pode falar-nos um pouco sobre como funciona o planeamento para os treinos da Evelise Veiga e como é o dia a dia de treinos dela?
Cátia Ferreira (CF) – A Evelise neste momento concilia o curso de Gestão no IP Leiria com os treinos diários no Estádio Municipal de Leiria. O facto de ter o apoio e suporte do Sporting CP faz com que possa dar prioridade à modalidade nesta fase da sua carreira, tentando sempre realizar duas a três cadeiras por semestre. Dependendo da altura da época pode realizar entre nove (período preparatório) a quatro treinos semanais (período competitivo). Treina habitualmente de manhã (altura em que a temperatura é mais elevada) e os treino bidiários apenas acontecem durante quatro mesociclos (três no inverno e um no verão). O seu dia a dia é bastante simples entre treinos, massagem, fisioterapia, aulas e dá bastante foco ao descanso. Vive a apenas 500 metros do Estádio onde treina e faz a sua recuperação e a 2 quilómetros da faculdade.
SM – O que define a especialidade de um saltador em triplo ou comprimento? Falava-se, por exemplo, que a Evelise era especialista em salto em comprimento, mas estreou-se em Mundiais e nos Jogos Olímpicos no triplo. É algo que o treinador e o atleta vão percebendo e trabalhando ao longo do caminho?
CF – A Evelise não é uma atleta com as características típicas da maioria das saltadoras, pois não é uma atleta muito rápida. Apresenta características técnicas muito eficientes e tem uma capacidade reativa ao nível das melhores pelo que acreditamos que ao continuarmos a explorar a velocidade tem, ainda, alguma margem de progressão no salto em comprimento e não queremos limitar-nos pelos 6.71 metros. Ela nutre uma paixão especial pelo salto em comprimento e sem dúvida que trabalharmos todos os dias em algo que gostamos é uma mais-valia.
O treino base de triplo-salto é idêntico ao do comprimento, tanto que atletas como a Yulimar Rojas, Marina Bekh e Catherine Inbarguen, entre outras, conseguem ter resultados de grande nível em ambas as disciplinas. Neste momento estamos focadas em tornar os pontos fracos em fortes e as consequências naturalmente vão surgir com bons resultados nas duas disciplinas.
SM – A Evelise Veiga já falou que a vertente psicológica tem grande importância nas competições. Atualmente, a questão da saúde mental dos atletas é cada vez mais discutida e relevante. Como essa questão é trabalhada com esta atleta?
CF – A enorme capacidade competitiva da Evelise, sobretudo em grandes palcos internacionais, é algo que já existe com ela desde que a conheço. A única coisa que tentamos trabalhar todos os dias é preparar e antecipar diversos cenários. Tento que o foco dela seja apenas treinar e competir, sem ter de se preocupar com outro tipo de questões. O facto de ela confiar bastante no nosso trabalho também lhe dá uma certa serenidade, segurança e confiança quando vai competir.
Cátia Ferreira foi atleta treinada por Paulo Reis. Foto: Federação Portuguesa de Atletismo
SM – A propósito disso, como é a sua relação com a saltadora: é estritamente profissional ou com tanto tempo de convívio acaba por ser algo que também se torna pessoal?
CF – Diria que é uma relação de bastante respeito e confiança mútua. Foi-se consolidando bastante com o tempo e o facto de sermos ambas mulheres e partilharmos muitas vezes o quarto em estágios e competições também nos deu uma certa cumplicidade e permitiu-nos conhecer uma à outra bastante bem. Curiosamente até somos vizinhas, mas apenas nos encontramos na pista para treinar na maioria dos dias.
SM – Para um atleta se desenvolver há de haver seguramente uma série de elementos que devem convergir: a estrutura do clube, a tecnologia, o apoio da família e a abdicação e o empenho do próprio atleta. Há algo que pode apontar como fundamental nesse processo ou acredita que o conjunto disso é o ideal?
CF – Saber para onde se quer ir é o primeiro passo e é a chave fundamental, pois isso é o combustível para movimentar tudo o resto. Depois, diria que é necessário muita sorte para se conciliarem diversos fatores: um enquadramento técnico, instalações e condições materiais, e claro o suporte de um clube e da família. Muitas vezes perdem-se talentos pois falta um destes pontos chave.
No alto rendimento temos de acrescentar mais uns fatores na equação, como os meios de avaliação e controlo do controlo, a recuperação e apoio médico, e o investimento do clube que permita ao atleta dedicar-se de forma mais profissional ao treino. São os pequenos detalhes que todos somados que vão fazer a diferença.
SM – Como é ter no país uma atleta como a Patrícia Mamona, medalhista olímpica: trata-se mais de uma inspiração ou de uma pressão extra para a Evelise?
CF – A Patrícia foi uma inspiração para a Evelise desde que ela começou a modalidade e a sua resiliência e a forma como encara a modalidade são um exemplo que ela admira. Neste momento, e dentro da pista, a Patrícia é uma adversária para a Evelise. Fora da pista, são colegas que se ajudam mutuamente, sobretudo quando realizam estágios em conjunto.
SM – Da mesma forma que um atleta tem outros como referência, a Cátia tem algum treinador que inspira o trabalho?
CF – O treinador que mais me inspirou desde que comecei no atletismo até aos dias de hoje é o Paulo Reis, o meu primeiro treinador enquanto fui atleta, pela sua capacidade de liderança, gestão de todo o processo de treino de um atleta e a entrega à modalidade.
Contudo, ele foi-se dedicando aos lançamentos e tive a sorte de receber bastantes influências técnicas do Prof. José Barros que me ajudou bastante enquanto atleta e depois como treinadora quando comecei a minha carreira. Atualmente tento absorver o máximo de todos os treinadores com quem tenho o privilégio de privar.
SM – Quais os objetivos a curto prazo da Evelise Veiga para este ano. Superar marcas pessoais? Seria possível pensar numa final nos Mundiais?
CF – A consistência é importante para alcançar grandes resultados, pelo que tentar estar estável acima dos 6.50 no comprimento e dos 14.00 metros no triplo é algo que procuramos. A curto prazo pretendemos qualificar-nos o mais cedo possível para o Campeonato do Mundo em Oregon e os Europeus em Munique. Depois é focar-nos para chegar lá e tentar fazer algo que nunca fizemos: melhorar o 8º lugar em europeus e o 19º lugar em mundiais. A conquista de duas medalhas Jogos Mundiais Universitários também passa pelos nos objetivos.
SM – Por fim, a Evelise disse estar mais madura a cada competição. Paris 2024 é o grande objetivo da Evelise? Em que condições acredita que ela estará até lá?
CF – Sem dúvida. Ela terá 28 anos em 2024, idade onde habitualmente se obtêm os melhores resultados na carreira de um saltador, salvo algumas exceções. O facto de estar em constante evolução e felizmente não ter grandes problemas físicos permite-nos estar confiantes que iremos estar bem preparadas para levantar voo em 2024.
Evelise Veiga, saltadora portuguesa. Foto: Federação Portuguesa de Atletismo