Na n.º2 da SportMagazine pode contar com uma peça sobre a formação de treinadores. Contudo, aqui pode ter acesso à entrevista exclusiva feita a cada interveniente. A formação de treinadores é, em Portugal, algo bastante recorrente que tem vindo a sofrer bastantes evoluções ao longo do tempo. Desde a implementação de cursos, e muitas outras ações. Fique com a opinião do entrevistado.
SM – Qual é, na natação, a sua perspetiva daquela que é a formação de treinadores? (a forma como funcionam os cursos de formação)
Aldo Costa (AC) – Como se sabe, os cursos de treinadores no quadro do PNFT, assentam num modelo de formação clássico – incluem uma componente teórica geral e especifica, e um período de experiência em contexto real (estágio). Todo este processo apoia-se numa perspetiva de aquisição gradual de conhecimentos e de competências. Na natação, como em qualquer outra modalidade desportiva, essa componente teórica tem como principal propósito transmitir fundamento cientifico actual e essencial à intervenção eficaz do treinador. Por sua vez, a componente de estágio procura criar uma oportunidade de aquisição de conhecimentos mais tácitos, decorrente da experiência obtida na resolução de problemas diários. No meu ponto de vista, e independentemente do nível de formação, esta última fase de mentoria (estágio) é absolutamente valiosa, pois atribui significado e objetividade ao conhecimento teórico (‘como’ e ‘quando’ aplicar esse conhecimento), cria uma consciência deontológica, e sobretudo desenvolve um vasto conjunto de competências transversais (e.g., liderança; resolução de conflitos, comunicação, ferramentas digitais e de marketing) que embora estejam ausentes no programa de formação (teórico), são importantes para a eficácia da intervenção no dia a dia.
SM – Como acha que se pode melhorar essa formação, de maneira geral?
AC – No contacto com muitos treinadores é notório que as expectativas de formação mudam em função da experiência – o conhecimento processual e interventivo ganha gradualmente importância. Essa aprendizagem direta com os pares é considerada um privilégio, porque evoca a reflexão e o sentido crítico face a situações-problema reais. Por isso, acho que os programas de mentoria no quadro da formação contínua, são uma verdadeira mudança de paradigma. É exatamente esse princípio que seguimos para construir o projeto experienti@ (ao abrigo do programa Erasmus+ Exchanges and Mobility in Sport) em parceria com a Federação Portuguesa de Natação – um programa de formação e de mobilidade (curta duração) para treinadores de alto rendimento em centros de treino de excelência em vários países europeus.
Com base neste entendimento, e no que se refere à formação/curso de treinadores, acho podemos melhorar no seguinte: (i) estabelecer uma articulação formal entre a formação de treinadores por esta via (PNFT) e o sistema científico e tecnológico nacional; (ii) desenvolver um mecanismo de controlo de qualidade da formação; (iii) certificar as entidades de acolhimento (e.g., clubes, autarquias) para diferentes tipologias e níveis de formação; (iv) reconhecer, qualificar e valorizar os treinadores que são mentores; (v) incluir formação em competência transversais no âmbito da formação contínua; (vi) valorizar no âmbito dos módulos teóricos (presenciais), o desenvolvimento de competências práticas no terreno.
SM – Fizemos um questionário rápido a alguns treinadores e levantaram fragilidades no seu percurso como: falta de tempo, pouco reconhecimento e uma falha no enquadramento no que toca ao equipamento e materiais. Concorda? Como pode ser resolvido?
AC – Concordo – o reconhecimento da profissão de treinador é o maior desafio que temos pela frente e exigirá um compromisso de unidade entre os treinadores das diversas modalidades desportivas. A solução é criar rapidamente um regime jurídico para a profissão. Atualmente, na ausência deste instrumento legal, vivemos num paradoxo – estamos a exigir um título profissional válido para exercer uma profissão que legalmente não existe! Isto tem criado um problema que se coloca tanto a nível doutrinal como de jurisprudência. Mas, para além disso, os efeitos no plano social são preocupantes, porque temos uma comunidade de treinadores cada vez mais habilitada (muitos com formação pós-graduada) a exercer uma atividade precária, nem sempre socialmente reconhecida, e sem qualquer regulação da remuneração (excetua–se o futebol profissional, dada a existência de um contrato coletivo de trabalho).
Por vivermos sobre este paradoxo, é igualmente importante que se diga que muitos dos nossos treinadores são profissionais a exercer um trabalho precário e isso não os transforma em voluntários. Apesar de existirem muitos treinadores voluntários (a natação não será um exemplo), será importante distinguir no futuro regime jurídico o treinador voluntário (sem remuneração) do treinador de modalidades amadores e profissionais.